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sábado, 29 de agosto de 2020

O espelho de Narciso

 

Edson Rontani Júnior, jornalista

 


O sonho de Ícaro: voar como os pássaros. Preso em um labirinto, de lá ele queria sair. Para isso, fez asas similares às dos pássaros. Porém, as penas foram coladas com cera de abelha. Conseguiu levantar voo e não deu atenção às orientações para que não se aproximasse do sol, pois o calor derreteria a cera, desfazendo suas asas. Dito e feito. As asas ficaram frágeis e ele caiu no mar, onde morre.

O sonho de Narciso: ter vida longa desde que nunca se contemplasse. Uma das variantes históricas conta que ele tinha uma irmã gêmea. Ambos se vestiam iguais e tinham as mesmas personalidades. Acabaram assumindo um amor platônico e, quando, ela morre, Narciso passa a contemplar seu próprio reflexo na água crendo que via sua irmã.

Ambas histórias podem ter origem na mitologia grega. Narciso teve variantes provindas dos indo-europeus seguindo uma mitologia a qual diz que a alma poderia ser roubada por bestas marinhas caso refletisse na água.

Na “mitologia atual”, deu-se asas e espelhos para ícaros e narcisos no formato de smartphone. E o melhor, contemplou narcisistas e não-narcisistas com câmera no verso e no anverso do aparelho. As populares selfies, sensação mercadológica a partir de 2012, impulsionaram os antigos telefones móveis. Afinal, o celular hoje é um cinema/tv portátil, é um computador de bolso, é uma câmera de fotografia, é um geolocalizador e ... também funciona como telefone!

Os indo-americanos acreditavam que o reflexo na água roubava a alma. Aliás, é o mesmo mito usado quando a fotografia foi inventada, há cerca de 200 anos atrás. Até se tornar um produto comercial, houve muita resistência. Sua criação não serviu para perpetuar o instante fotografado. Teve por objetivo unicamente fazer comércio. Depois descobriu-se que a união de vários fotogramas criava a imagem em movimento e surgiu o cinema. Haaa ... Aí deu tempo de esquecer que o registro fotográfico roubava a alma ...

Para os narcisistas, o mercado criou o Facebook (livro de faces ... na tradução livre), uma das 20 marcas mais valiosas do mundo, com altíssima valorização em menos de duas décadas desde sua criação. Algo que a Coca-Cola e outras marcas demoraram anos para alcançar.

Dados não muito recentes, precisamente de 2014 (pouco tempo depois dos smarts terem câmera reversa), foram tiradas 880 bilhões de fotografias, maioria de nós mesmos, as selfies.

Sobre esse narcisismo exacerbado, infinitas teses foram geradas. Sempre estamos sorrindo, no meio de amigos, exercitando-nos fisicamente ou comendo algo gostoso. São as mais polidas fotos de si mesmo (por isto, selfie vem de yourfelf). É um mundo irreal ou temos realmente tudo o que expomos nesta vitrine? É questão de status? Pode ser. O papel aqui não é ser o psicólogo de plantão, mas mostrar como uma ação mercadológica provoca tendências que geram dúvidas se é modismo ou algo que veio para ficar. É comum ver acidentes fatais durante a pose para a selfie, como já registrados em Piracicaba e no mundo todo. Em consequência, mexemos com o ego. Já notou que as academias possuem parede de vidro e os restaurantes expandiram-se mais para a rua? Consequência da necessidade da exposição.

Dependência social ou busca pela auto-estima. Melhor refletir. Ou dar o espelho a Narciso.

(Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 26/08/2020 e na Tribuna Piracicabana de 28/08/2020)


domingo, 23 de agosto de 2020

Revista Mirante

 


O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba está disponibilizando a versão digital em fotos da revista Mirante, publicada e idealizada por Renato Wagner, renomado artista plástico da cidade de Piracicaba. A publicação saiu na segunda metade dos anos 1950 até os anos 1960, sendo relançada nos anos 1980. O acervo traz na íntegra, alguma edições, das quais pode-se acompanhar fatos da sociedade piracicabana de então além de comerciais de empresas.

Confira o álbum digital clicando aqui

Para ter acesso ao acervo do JPG, clique aqui


Retorno dos campeões - XV de Piracicaba - 1968

Janeiro de 1968. O XV de Novembro de Piracicaba retornava à divisão especial do futebol paulista, após vencer o campeonato de 1967 (encerrado em janeiro do ano seguinte). Em Piracicaba, a equipe alvinegra é recebida com festa na cidade de Piracicaba (S.P.).


domingo, 16 de agosto de 2020

José de Alencar e seu Til



No governo Itaúna, era ministro da Justiça o Sr. José Martiniano de Alencar, cargo que assumiu em 16 de julho de 1868, no 23º. gabinete, cujo presidente era o visconde de Itaboraí.

Nesse mesmo ano, com o pseudônimo de Senio, publicou A Pata da Gazela e Gaúcho. Em 1871 publicou Tronco de Ipê, e, em 1872, Til, romance este que, em outra fase do "Os Pioneiros", fizemos uma exposição das informações deixadas nesse livro pelo autor, que provam de maneira cabal sua presença na antiga fazenda, onde mais tarde se construiu a Fazenda Carioba.

Apraz-nos dizer aos leitores que estamos nos aprofundando em detalhes para desvendar os acontecimentos que antecederam a fábrica, cuja fundação é anterior a 1884, de acordo com o "Almanaque da Província de São Paulo" desta data. (Obras raras - BN.)

Alencar tinha muitos amigos em São Paulo, onde passava as férias, destacando-se o Dr. Camarim, um dos seis da Colônica Paulistana de estudantes a quem pertenciam, também o conselho Jesuíno Marcondes e o Dr. Luiz Alvares; Dr. Antonio Nunes Aguiar, "meu imediato e êmulo, que foi depois meu amigo e colega de ano em São Paulo, era o "Aguiarzinho", filho do general de mesmo nome"; os colegas de pensão, Dr. Costa Pinto e José Brusque; os colaboradores da revista semanal Ensaios Literários, João Guilherme Whitaker, Almeida Pereira, Dr. José Machado Coelho de Castro Otaviano e Olímpio Machado, redatores da Gazeta Oficial (Como e porque sou romancista - ed. 1893, por José de Alencar).

Há uma afirmação de que o segundo volume de Till foi escrito em partes, isto é, foi enviado ao jornal à medida que o autor foi escrevendo, entre 19 de dezembro e 16 de janeiro de 1872, tempo em que foi publicado em folhetins no jornal do Rio, República.

O primeiro volume foi remetido para a impressora, sem o segundo, em 15 de dezembro, pois, na nota final aposta ao segundo volume de Guerra dos Mascates ele justifica o atraso do segundo numa desculpa truncada e à margem de dúvidas:

"A culpa é do autor e ele confessa contrito.
Poderia alegar em seu favor que logo depois de remetido à tipografia o original, teve necessidade de ir a Baependi fazer uso das águas de Caxambu, que lhe eram aconselhadas. Nem venha o leitor com sua contrariedade, lembrando que nesse decurso escrevi ele o Til para o folhetim da República. É o Till desses livros que se compõem com material próprio, fornecido pela reminiscência, e que portanto se podem escrever e viagem, sobre a perna, ou num canto de mesa de jantar." (obra citada)
Em primeiro lugar, o trecho "se compõem co material próprio, fornecido pela reminiscência", atesta que ele esteve numa fazenda, distante uma légua (6,6 km) abaixo da confluência do rio Atibaia com o Jaguari, no Piracicaba, conforme conta no livro,Til.

Em segunda análise, vamos tentar reconstituir por meio dessas informações e mais as camufladas do livro Till, naturalmente para resguardar da curiosidade pública nomes de pessoas conhecidas como Galvão, Aguiar, etc., o itinerário do autor: em 1870 deixou o Ministério da Justiça e foi a São Paulo, onde em atenção aos colegas começou o romance em apreço. O 1º volume foi publicado entre 21 de novembro a 13 de dezembro de 1871, e, naturalmente, nesta última data foi para a impressora, B. L. Garnier - Rio. Continuou a publicar o segundo volume em folhetins, que saiu em 19 de dezembro e 16 de janeiro de 1872, quando teve a necessidade de ir a Baependi, o que se deu entre aquelas datas do segundo volume, já por ser fim de ano, já por estar em férias. Em viagem pela central até Cruzeiro e dali a valou ou trôlei até Baependi, escreveu, na perna, alguns fascículos e naquela cidade escrevia na mesa de jantar. O terceiro e quarto volume foram publicados no jornal entre 18/1 a 7/2 e 10/2 a 20/03/1872, respectivamente.
 
O primeiro volume teve 19 publicações, o segundo 25, o terceiro 20 e o quarto 38 folhetins. O jornal era publicado todos os dias menos às segundas.

"Ao passar pro Campinas, soube que o bugre fora preso na véspera por gente de Aguiar, e então animou-se a volta à Santa Bárbara." (4º. vol - Til.)

Mas o autor de tantos predicados,o irrepreensível, o literato de muitos adjetivos, como político nem sempre podia oferecer o outro lado da face, assim, pensavam os editores Salvador de Mendonça e Ferreira de Mendonça em seus "retratos políticos".

"José de Alencar - eis um homem original, verdadeira contradição viva e desfazer num dia o que edificou na véspera.

Conspiração perpétua do ato contra a intenção que o concebeu.

J. de Alencar duvida de tudo: só não duvida da fortuna e quer surpreender-lhe os segredos.
A natureza tem caprichos. Há criaturas dualistas, sem perderam a unidade do seu ser.

Tal é o ministro da Justiça. É preciso distinguir o homem-idéia, do home-fato. O segundo não quer saber do primeiro.

Como um célebre personagem de um romance de Alexandre Dumas que se dia reproduzido em uma criatura inteiramente diversa em sentimentos , instintos e caráter, acreditou em dupla natureza: o autor do Guarani e é bom e mau ao mesmo tempo."

Transcrição do livro "Os Pioneiros", 1976, de Irineu Travaglia, Gráfica Portinho Cavalcanti Ltda, Rio de Janeiro

domingo, 2 de agosto de 2020

Um certo capitão ...

Edson Rontani Junior, jornalista



Tudo surgiu muito antes do que se pensa. Mas, como se sabe, a história é contada pelos vencedores. Assim, Piracicaba tem seu marco de fundação como sendo o primeiro de agosto de 1767. É a data oficial em que se fixou moradia por aqui, sendo que a região, desde 1693, era apenas um entreposto para bandeirantes. Era um ponto de passagem.

Em seu “Manual de História Piracicaba”, escrito por Guilherme Vitti e publicado pelo Jornal de Piracicaba durante as comemorações do segundo centenário de Piracicaba, o autor diz que a distribuição da Sesmaria de Piracicaba (primeiro nome de nosso vilarejo), ocorre na década de 1690 sem o propósito de sua ocupação. Quase um século mais tarde é elevada à Povoação, graças a Antonio Correa Barbosa, destinado a ser o povoador da cidade.

Recebemos diversas denominações como Freguesia de Piracicaba, Vila Nova da Constituição (em homenagem à carta magna de Portugal), Cidade da Constituição e, em 1887, é oficialmente denominada de Cidade de Piracicaba. Registros históricos demonstram que em 1693 a sesmaria de Piracicaba foi requerida por Pedro de Morais Cavalcanti, justificando que pretendia povoar a região. Ficou só na intenção ...

Mas, de onde vem seu nome? Bom, cada cabeça tem uma sentença. O mais popular (“lugar onde o peixe para”) teve várias outras interpretações como “peixe que chega”, “lugar onde chega o peixe”, “colheita de peixe”, “lugar onde se ajunta peixe”, “rio por onde sobem os peixes”, ou “lugar em que se apanha o peixe com facilidade”.

O nome veio de uma expressão indígena que, segundo Vitti, era falado como “percicaba”, “piracicava” ou “piracicaba”. A história foi tão ingrata que não se sabe quais índios instituíram o nome de tão bela cidade interiorana. O autor arrisca dizer que podem ter sidos tribos dos barranqueiros, guaianeses, caiapós ou colorados, que sumiram com o tempo após serem acuados por outras tribos mais fortes ou, ainda, serem índios nômades em vias de extinção.

O capitão-mor de Itu, fez o primeiro registro da tradução de seu nome. Disse Vicente de Costa Taques Góes e Aranha, em memórias escritas em próprio punho durante a fundação da cidade, que aqui é “onde o peixe chega” ou “lugar onde chega o peixe”. O resto, é lenda. Ajuda a alimentar a imaginação humana.

Antonio Correa Barbosa veio para mudar a história. De entreposto, ele criou a vila que começaria bem ao lado do rio Piracicaba.  Ocupou parte de onde, quatro décadas antes, havia sido concluída parte da estrada (“picadão”), que levaria os bandeirantes para o Mato Grosso durante a “febre do ouro” brasileira. O local serviria de destino para Cuiabá e tinha a vantagem do rio Piracicaba estar próximo ao rio Tietê, alternativas para navegação rápida ao centro-oeste brasileiro.

Porém, no meio do rio havia piranhas! Ou melhor índios paiaguás e caiapós que lançavam flechas sobre os desbravadores. A história conta que, de uma expedição com cerca de 300 homens brancos, os índios deixarem apenas cinco para que contassem o feitio para a posteridade.

O sertanista Antonio Correa Barbosa aparece neste meio tempo como povoador da junção do rio Piracicaba como Rio Tietê. Lá, ele deveria gerir um depósito de sal, uma fábrica de canoas e cultivar cereais para a colônia Forte de Iguatemi, divisa de onde depois seria criado o Paraguai. O local era pantanoso. Desagradou nossoo povoador. Este, pegou sua comitiva de desbravadores (aproximadamente 40 pessoas) e percorreu o Piracicaba até chegar onde hoje conhecemos como a mata ciliar entre Piracicaba e Limeira. Os desbravadores eram vadios (homem sem local fixo de trabalho), dispersos (homem sem família constituída) e vagabundos (andarilho e sem moradia fixa), termos, segundo Guilherme Vitti, que seguiam as colocações usuais de então. Barbosa tinha 32 anos à época da fundação.

Já por aqui estabelecido, em 1770, o capitão-general da província de São Paulo incumbe Correa Barbosa de reabrir o picadão para o Mato Grosso. Conclui a obra em quatro meses, recebendo em seguida o título de Capitão-Povoador.

Já na década de 1770, Piracicaba passa a atrair a atenção dos moradores de Itu, Porto Feliz e São Carlos (distrito de Piracicaba), que por aqui vem constituir moradia e família. Isso fez com que, de vilarejo, a capitania propusesse a criação de uma povoação, o que ocorreu em 31 de julho de 1784, data em que a cidade se expande além rio Piracicaba. Foi neste dia em que se delimita o primeiro arruamento da cidade. Antonio Correa Barbosa teria de expandir a cidade para um perímetro estipulado entre o rio Piracicaba e ribeirão do Itapeva (hoje avenida Armando de Salles Oliveira) findando-se próximo à área do Terminal Rodoviário Intermunicipal.

Esta seria, num brevíssimo relance, a vida em de Piracicaba há 253 anos atrás. Tudo iniciado por um certo capitão ... 

(Artigo publicado no Jornal de Piracicaba em 29/07/2020 e expandido para esta versão publicada na Tribuna Piracicabana de 01/08/2020)