O ideal do 9 de Julho não foi esquecido em Piracicaba, mesmo com a antecipação do feriado para 25 de maio em decorrência da pandemia. Assista à esta entrevista veiculada em 09/07/2020 pela TV Ativa.
domingo, 19 de julho de 2020
terça-feira, 7 de julho de 2020
“Zé do Burro” – de Piracicaba a Cannes
Por Edson Rontani Júnior, jornalista
Pode
ter sido setembro. Ou também pode ter sido outubro. O ano é certeza: 1994. O
local é o Sesc Piracicaba, quando foi convidado para uma palestra o ator e
diretor Anselmo Duarte, dono de extenso currículo no cinema e na televisão.
Cheguei a abordá-lo ao final da apresentação para falar sobre cinema, a sétima
arte que entretém, inebria e cria cinéfilos como eu. Na mão, um pequeno
gravador cassete para registrar tão nobres palavras do nosso maior cineasta premiado
lá fora. Anselmo Duarte se envolve com a conversa, pois pergunto e cito seus
filmes desde a Atlântida, passando pela Vera Cruz e culminando com o clássico
“O Pagador de Promessas” (1962). Nesta conversa bem ao meu lado, de olhos
arregalados por minha desenvoltura e conhecimento sobre o cinema, estava o
radialista Jamil José Neto, primeiro presidente da rádio Educativa FM e locutor
das principais emissoras de rádio da cidade.
Desta
noite primaveril tenho largas recordações: Anselmo Duarte estava ávido em
conversar sobre cinema numa época em que as pessoas ainda voltavam aos poucos
para o cinema depois de uma larga e brusca queda na bilheteria provocada pelo
desaparecimento do público que se confinava em casa pelo home vídeo (o VHS).
Não sei se ainda possuo esta conversa gravada.
Sei que ele procurava se esquivar de dar louros ao elenco de “O Pagador”, primeiro filme a ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e único a vencer o Palma de Ouro do Festival de Cannes, na França. Dava a clara impressão que o filme era dele, teve o sucesso que obteve por sua única e total dedicação, num ego inflamado como um galo que empina sua crista no galinheiro. Gloria Menezes, Dionísio Azevedo, Norma Bengell tiveram seus méritos no filme, mas muito pouco Anselmo comentou sobre eles.
Muito menos sobre Leonardo Villar, piracicabano de nascimento, e que interpretou o papel principal do “Pagador”, o Zé do Burro, que morre para pagar uma promessa a qual salvou seu burro Nicolau, e é impedido de entrar na igreja quando o padre Dionísio Azevedo sabe que ela foi feita em terreiro de umbanda.
Leonardo Villar e Glória Menezes
O
filme em si é a personificação de Leonardo Villar, é a batuta do diretor Anselmo
Duarte, é uma dedicação total do elenco assim, como tornou célebre a história
de Dias Gomes adaptada pelo próprio diretor. Villar faleceu na sexta-feira
passada, dia 3, e tornou-se um ilustre desconhecido em Piracicaba, onde nasceu
em 25 de julho de 1924. Mas, até aí, tudo bem. Uma cidade tão efervescente culturalmente,
e o avanço da tecnologia, não merece ser culpada por filhos como Villar,
Francisco Milani, Léo Batista, Roberto Cabrini, Gilberto Barros, Caçulinha e
muitos outros que conheceram a fama através da TV ou do cinema.
Leonildo Motta, seu nome real, trabalhou como alfaiate em nossa cidade e foi a São Paulo tentar sorte no teatro, partindo para o cinema e terminou a carreira na TV, atuando na Tupi e na Globo. Na Tupi fez a versão brasileiro do show “I love Lucy”, intitulado “Alô, Doçura”, ao lado de Cleyde Yáconis. Apareceu na telinha pela última vez em "Passione” (2010/11, na Globo).
“Pagador” teve uma série de controversas principalmente entre Anselmo e Dias Gomes. O autor da história dava um tom mais político nela. Na adaptação, Anselmo criou um roteiro com apelo cinematográfico. Entrou no meio da discussão o produtor Anibal Massaini e a distribuidora Cinedistri. Leonardo Villar foi considerado tímido demais para o papel principal e chegou a ser cotado para ser substituído por Mazzaropi. O filme deu no que deu. Em Cannes, esteve ao lado de Federico Fellini, Vittorio de Sica, Luis Bruñuel, Sidney Lumet, Agnès Varda e Michelangelo Antonioni. Passou a perna em todos. Foi o auge do cinema brasileiro. Se ganhou a Palma e concorreu ao Oscar, boa parte desta consagração deveu-se a Villar, o piracicabano que com seu burro foi até a Europa.
(Publicado na "Tribuna Piracicabana" e na "Gazeta de Piracicaba" em 07 de julho de 2020)
segunda-feira, 6 de julho de 2020
sábado, 4 de julho de 2020
Tempo suficiente
Edson Rontani Júnior, jornalista
Estamos
ainda no período de confinamento, nos escondendo e nos protegendo contra o
corona vírus. Para alguns, é uma proteção que garante a vida. Para outros, é um
período enfadonho. Para mais alguns, é um período produtivo em que você tem
mais tempo para si, para curtir a família, ficar em casa, sair da rotina. Mas traz
saudade, sim. Principalmente de ver os parentes, de participar daquela
comemoração, de ir ao shopping sem destino algum, ou de ter uma vida social que
nos “obriga” com o maior prazer a participar de churrascos, ir a piscina ou
mesmo uma roda de amigos num barzinho qualquer.
Mas,
foi a busca pelo confinamento que me fez dedilhar estas linhas. A história não
é de hoje, mas pode ser atual.
Estamos
à beira de uma guerra nuclear. A história envolve um bancário que adora ler. Lê
no café da manhã, lê durante o trabalho, lê no momento da folga ... Tem paixão
em conhecer aquilo que a sabedoria humana transformou em palavras impressas.
Seleciona os principais pensadores e debulha-se sobre as pequenas letras. Num
certo dia, o bancário decide ler um livro no cofre do banco em que trabalha, o local
mais tranquilo que ele encontrou. Lá dentro, ele sente uma explosão – estamos à
beira de uma guerra nuclear, lembra? Ao sair, nota que nada mais existe além de
escombros. Foi a hecatombe.
Feliz
da vida, não se roga pela perda dos amigos. Não se abala. Fica contente pois
tem “tempo suficiente” para ler todos os livros que quiser, sem ser incomodado,
já que todos foram dizimados. Corre para a Biblioteca Pública – ela permaneceu
em pé ! – e passa a selecionar os livros para amanhã, os livros para depois de
amanhã, para a semana que vem ... e assim por diante.
“Ploft!”
... Sem querer, o bancário que era extremamente míope, pisa em seus óculos tipo
“fundo de garrafa” quebrando-o. Não enxergava um palmo à frente sem eles ...
“Tempo suficiente para o que, agora?”, diz.
A
história é um conto escrito em 1953 por Lynn Venable, adaptada por Rod Serling
em 1959 para o seriado televisivo “Além da Imaginação”. O bancário era vivido
por Burgess Meredith que uma década depois tornou-se o Pinguim no seriado
“Batman” e duas décadas depois foi o treinador de Sylvester Stallone em “Rocky”
(o primeiro). O episódio se chama “Tempo Suficiente”.
Na
época, a televisão tornava-se um dos mais ágeis meios de comunicação. Adentrava
aos lares, e competia diretamente com o cinema. O cinema exigia um certo ritual
para ser consumido (roupa, horário, transporte, guloseima e ... ingresso!). A
televisão chegava de graça. Com a “Guerra Fria” era esperada uma aniquilação
imediata da raça humana. Muitas residências americanas possuíam bunkers
subterrâneos esperando um ataque nuclear russo.
Mas
isso não vem ao caso. Nosso personagem buscava o confinamento para fazer o que
mais gostava: ler e aguçar sua imaginação. Hoje, a imaginação está na ponta dos
dedos, no smartphone, na smartv ou no computador. Dar uma cutucada na
imaginação retomou a preguiça já que tudo está aí, com fácil acesso.
O
confinamento e o distanciamento social proporcionado na atualidade deixaria o
personagem do episódio numa situação que ele almejava: preso em casa lendo os
livros que quisesse.
Sempre
é bom lembrar que como países abaixo dos trópicos, onde o calor marca presença
inclusive nesse início de inverno, o brasileiro torna-se inquieto e não arreda
o pé de ir a rua. Não há por que ficar em casa. Me lembro de uma conversa que
tive com Alceu de Marozzi Righetto, secretário municipal da Ação Cultural, há
uns 30 anos atrás: europeu e asiático se confinam involuntariamente em casa
pois na maioria dos meses a temperatura chega próxima ou abaixo dos 10 graus
negativos. Não há por que sair. Tem-se de ficar em casa e esperar a próxima
onda de sol. No confinamento surgiram os grandes pensadores universais,
intelectuais de renome, expoentes do pensamento universal. No Brasil, confinamento
é chato e “bater perna” não trouxe nenhum Nobel para nós.
quarta-feira, 1 de julho de 2020
Sozinho na multidão
Rumo
ao estrelado. Fama. Dinheiro. Ascensão profissional. Tudo isso e muito mais...
mais e mais! Nunca o que se tem é o suficiente. Assim, pode-se resumir a moral
de uma sequência de filmes proporcionados pelo período de confinamento em casa
durante a pandemia contra o corona vírus. As emissoras de TV e os serviços de
streaming colocam a disposição uma gama de filmes nacionais feitos na década de
2010 mostrando que o cinema brasileiro está seguindo um passo que se iguala à
linguagem comercial de Hollywood.
Muitas
destas produções foram feitas com recursos públicos, patrocinadas pela Globo
Filmes e distribuídas pela Paris Filmes. A Paris aliás manteve em Piracicaba
duas salas de cinema no Shopping Center Piracicaba dos anos 1980 aos anos 2000.
Foram as primeiras salas exibidoras de um shopping na região. Enfrentou a fuga
dos expectadores principalmente na segunda metade dos anos 1980 motivada pela
ascensão do home video, ou VHS. Ainda me lembro da gentileza do seu Silvio,
gerente do Cine Center, e sua luta para trazer público para produções que se
tornaram célebres com o passar dos anos.
Dentre os filmes vistos durante a pandemia, destaco alguns que envolvem artistas como personagens principais. Começando por “Bingo: o rei das manhãs” (2017), narrando a vida do ator pornográfico Arlindo Barreto, filho de Márcia de Windsor, e sua estada como o palhaço “Bozo” no SBT. Bingo foi o nome escolhido para evitar disputas judiciais com os criadores do palhaço norte-americano. Arlindo veio de família abastada mas joga a carreira no ralo por ser usuários de drogas. É uma ótima referência para quem viveu a infância nos anos 80.
Da
loira para a pimentinha, “Elis” (2016) é um filme emocionante que mostra o
quanto esteve perdida Elis Regina durante toda sua carreira, mesmo amparada
pelo caloroso (ao menos no filme) César Camargo Mariano. Andréa Horta consegue
convencer, mesmo dublando os originais interpretados por Elis. Bela e
emocionante produção.
“Tim
Maia” (2014) é um dos melhores filmes nacionais da década de 2010. Vale a pena
ser visto. Mostra – também – Tião Maia, Roberto Carlos e Erasmo Carlos na
composição inicial dos “Sputniks”, grupo que embalava as noites cariocas em 1957.
Depois, cada qual tomou um rumo na vida. Tim vai para os Estados Unidos, acaba
preso. Volta ao Brasil e vai de novo para a cadeia. Anos mais tarde alcança o
sucesso como o “Rei do soul”. Um filme com muita reviravolta e marcante
principalmente pela presença de um convincente Babu Santana interpretando Tim
de boca suja, adepto à bebida e às drogas. Angustiante e triste, principalmente
numa das cenas mais marcantes: abandonado pelos amigos e drogado, Tim chama a
polícia segurando uma metralhadora e pede aos PMs que o levem preso, pois
precisa de ajuda e quer se ver livre do vício.
“Chacrinha: o velho guerreiro” (2018) é um ótimo exercício sobre os anos dourados do rádio e da tv. Abelardo Barbosa veio para confundir e não explicar e, claro, distribuir bacalhau. Stepan Nercessian está impecável sob a direção de Andrucha Waddington. Mostra sua longa carreira pelo Rio de Janeiro e São Paulo dos anos 1940 a 1980. É uma obra de arte do cinema nacional. Bem dirigido e com ótimos efeitos que são difíceis de imaginar que o brasileiro vem conseguindo realizar. Mostra entre outros sua relação amorosa com Clara Nunes e Elke Maravilha. Curioso é ver que, no final dos anos 1970, Chacrinha e suas chacretes ficam sem emissora para seus programas. Passam a realizar shows pelo Brasil afora. Foi nesta época que ele visitou Piracicaba na primeira ou segunda AgroFeira, por volta de 1979, na Nova Piracicaba, uma espécie de Festa do Peão para a época. Essa passagem, claro, não é apresentada no filme.
De todas essas produções com artistas brasileiros, algumas lições podemos tomar. Uma delas é Roberto Carlos ter unanimidade como “O Rei”. Ele aparece em todas as obras, com exceção de “Bingo” e “Elis”. Todos os artistas retratados saíram do nada e conseguiram sucesso, dinheiro, diversão. Em todos, a “alegoria” da ascensão e a queda marcam presença no roteiro. Muitos chegam ao “fundo do poço” pelo inebriante desejo de querer mais, seja dinheiro, bebidas ou drogas (lembra como Elis morreu?). Ter tudo o que se deseja como sonho de consumo, fez de todos sozinhos na multidão. Bendita pandemia !
(Publicado na Tribuna Piracicabana e no Jornal de Piracicaba de 22 de setembro de 2019)
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