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sábado, 30 de março de 2024

Páscoa, tradições e outros

  Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

Norman Jewison foi um brilhante cineasta. Fez vários dos melhores filmes dos anos 1960 e 1970. Em 1971, levou para a telona o musical “Um violinista no telhado”, no qual a tradição é cantada e contada como um fardo para a família de judeus ortodoxos que vive na Rússia do século 1900. Uma das canções, com letra de Sheldon Harnick, é “Tradition”, ou seja, a tradição que assola as filhas do personagem principal interpretado pelo ator Topol. A tradição faz com que o casamento das meninas seja arranjado pelos interesses dos pais. Interesses, dotes, melhorias de vida ... Tudo isso espelha a tradição que ainda existe em muitos cantos do mundo.

Este enunciado serve para pensarmos na tradição cristã que estamos vivendo: a Páscoa. Oriunda do judaísmo, o renascer é uma tradição milenar. Embora muitos vejam apenas como um feriado, antecipando o final de semana. A tradição do passado dizia que a Sexta-feira Santa e a Páscoa eram dias santos de guarda. Me recordo que nos anos 80, tivemos um frustrado show de rock em Piracicaba estruturado por um ator global. Não deu certo. Escândalo ! Isso, pois, nestes dias, a penitência, o jejum, o silêncio deveriam imperar. Anos depois, quando labutava eu numa emissora de rádio local, noticiei que em São Paulo um padre havia liberado o consumo de salsicha na Sexta-feira da Paixão, data em que o jejum prega principalmente a ausência de carne nas refeições... Tradições que se foram com o tempo. Existem aqueles que ainda praticam tais situações.

Sou da época em éramos criados com simbologias, reconhecidas por um mero olhar. Me recordo, muito tempo atrás, quando ainda criança, ver que as pessoas enlutadas circulavam na rua com uma tarja preta próxima ao ombro, num dos braços. Era um simbolismo respeitado em homenagem ao ilustre falecido. Também me recordo que as famílias enviavam cartões de Páscoa ... Hoje, nem cartão de Natal integra a tradição suplantada pela tecnologia digital. Fazer o que ...

Certa feita, a costura de minha calça soltou-se. Buraquinho de no máximo cinco centímetros na lateral próximo ao bolso. Pedi aos meus pais para irmos para casa, pois aquele buraquinho me envergonhava. E hoje ? A tradição do bem vestir cede espaços às formas mais esdrúxulas, como o uso de tops, bustiês, calças rasgadas e recortadas e uso de agasalho tipo moletom em dias cujos termômetros chegaram a marcar 37 graus.

O padrão da tradição é não ter padrão. Este é o modismo. Quanto mais chamar a atenção, melhor. Mas isso não faz da pessoa a melhor do mundo. Muito menos o estilo clássico. Apenas chama atenção talvez por elogios, talvez para críticas. Quantos se expõem em mídias digitais suas vergonhas, suas conquistas, seus acidentes ou dancinhas ?

Tradições mudam. Muitas delas se enraízam em nossa mente e fazemos delas o nosso perfil, desde o tipo de sapato ou estilo de pentear o cabelo. No Japão, onde – para nós todos se parecem iguais – a juventude pinta o cabelo para que não se pareçam idênticos demais com os outros. Já percebeu isso ?

Dias destes, revendo um livro do início do século passado sobre a Escola Agrícola de Piracicaba, vi fotos de alunos com ternos em pleno campo de açúcar, algodão e alfafa. Muitos deles de cor escura. Imagino como era sentir-se dentro de um terno embaixo de um sol escaldante. Modismo europeu que se propagou por séculos no Brasil. Mas tempos atrás, sair para as ruas era um ritual de tradições. A melhor roupa, o melhor perfume, o melhor linguajar. Hoje, vemos as pessoas com meias e havaianas (ao mesmo tempo), crocks e outros vícios que se replicam. Até de pijama há alunos que vão para a escola. Embasbaquei quando vi tal situação numa escola do Centro da cidade. Deixamos de ser elegantes pela quebra de paradigmas por não querer seguir tradições.

Saíamos nas ruas para nos expor. Hoje estamos em casa publicando stories e tik toks com a tal “roupa de mendigo”, sem cara maquiada ou cabelo penteado. O êxodo urbano nos anos 1880 fazia com que as pessoas saíssem da zona rural para ir a cidade, ir à missa, visitar lojas ... Daí que surgem as vitrines no comércio, na intenção de criar desejo e entretenimento, numa boa sacada de marketing. Assim éramos até décadas atrás. A evolução quebrou conceitos e tradições. Mas uma tradição ainda não morreu: desejar a todos uma ótima Páscoa !

(Publicado no Jornal de Piracicaba em 31 de março de 2024 e na Tribuna Piracicabana de 2 de abril de 2024)

quarta-feira, 20 de março de 2024

Ano quatro

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Estranho um tanto ver alguém de máscara facial em locais públicos. O que foi obrigatório em 2020, hoje soa um tanto curioso. A pessoa está doente ? Pensamos. Olhando para trás, lembramos que nesta semana, quatro anos atrás as lojas entoavam um toque de recolher. Shoppings fechavam suas portas devido à um vírus que desde dezembro de 2019 assolava a China e depois espalhou-se rapidamente pelo mundo. A covid-19 nos apresentava apenas sinais de alerta.

Um ano atrás, a OMS declarou um afrouxar nas normas com o fim da emergência de saúde pública internacional. Mas, mesmo assim, não ficamos totalmente longe da doença. A pandemia ainda está em curso.

Eis que, em março de 2023, a doença me atinge pela primeira vez. Três dias na cama e cinco quilos a menos. A doença se espalha em meu lar. Preocupação. No início, eram pelo menos 15 dias de afastamento do ambiente social, quando não as intubações eram necessárias e duravam semanas ou meses, numa época em que vacina ainda não estava disponível. Se bom ou não, ela me atinge numa época posterior a isso, mesmo após aplicação de quatro doses contra a covid. Confesso que foi uma espécie de gripe da qual involuntariamente já experimentei anteriormente. Corpo mole, dor de cabeça, mal estar, febre, calafrios ... Deixa a gente imprestável. Sem vontade de nada. Quase uma semana sentindo-se inútil aos afazeres de rotina.

Hoje, quatro anos após conhecermos a síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV 2), revemos o passado e notamos quantas pessoas deixaram nosso convívio. Notei isso quando atualizei minha lista de telefones. Esse já foi ... Fulano nos deixou ... Nossa ! Que mundo louco ! E as incertezas de outros que foram precocemente além de pairar a dúvida quanto à eficiência das vacinas. Não é verdade ? Nas conversas com amigos, é comum ouvir : “será que ele não morreu por consequência da vacina?”.

Em 2020, as festas foram canceladas. O aniversário de meio século foi adiado, mesmo depois de tanto planejamento. A cidade parou. Apenas supermercados e farmácias funcionaram. Encontros demoram para acontecer e muitas vezes ao ar livre e uma pessoa bem distante da outra. Como a gente poderia imaginar que a respiração de outra pessoa poderia nos matar ?

Hoje, motivada pelo confinamento, a cachorrinha sabe que o delivery chegou ao ouvir a buzina da motocicleta e, mesmo que seja no vizinho, nos convida à ir a porta para saborear-se com um possível aroma de pizza ou qualquer outro prato gastronômico. A festa de aniversário brutalmente interrompida, neste ano, vem sendo planejada com convidados e mais convidados. Viva a vida ! E sem pensar no uso de máscara facial, apenas na felicidade do encontro com amigos e familiares.

Dizem que o passado nos ensina a não cometer os mesmos erros. Mas é difícil acreditar nisso. Este disco toca um lado só. E os erros se repetem, desrespeitando as gerações que nascem e morrem.

Cem anos atrás tivemos a pandemia da gripe espanhola. Parou tudo. Escolas, jogos de futebol, comércio ... a vida !  

Piracicaba não ficou distante desta pandemia. Importada da Europa durante a Primeira Guerra, ela deixou a cidade de quarentena, matando 88 pessoas e atingindo outras 4.178, em especial as residentes no Porto João Alfredo (Ártemis) e outros bairros então considerados como zona rural. A cidade tinha perto de 30 mil habitantes. O prédio da Escola Sud Menucci virou hospital e internações eram feitas nas residências dos adoentados.

Que tudo isso seja um exemplo para a humanidade.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 20/03/2024 e na Tribuna Piracicabana de 26/03/2024)