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terça-feira, 26 de julho de 2022

Retratos e retratistas

 * Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Houve um tempo em que as famílias se reuniam para ver “retratos”. Também houve um tempo em que as famílias registravam seus piqueniques na ESALQ com “retratos”. E esses retratos não eram instantâneos. Demoravam dias para serem revelados. Iam para São Paulo onde concentravam as grandes máquinas de revelação. Isso foi nos anos 1960 e 70. Já nos anos 80, a evolução chega a Piracicaba através de famosas redes e as fotografias tinham seus negativos revelados em ampliados em nossa terra. Você levava numa loja, dava um passeio e em uma hora estava pronto. E levava um álbum de cortesia. A agonia pela espera terminava aqui e começava o horror ao ver fotografias borradas, tremidas, fora de foco ou de pessoas com os olhos fechados ou boca aberta.

Tudo isso soa de forma estranha no mundo moderno em que vemos na tela do celular o resultado de uma foto. Tão estranho quanto falar para a geração atual o que é um LP pulando ou sobre o som de um disco riscado.

Já são quase 200 anos que a fotografia foi inventada pelos franceses. Chegou ao Brasil pelos europeus e dom Pedro 2° foi seu grande incentivador. Piracicaba nunca ficou distante dos “retratos” e dos retratistas. João Cozzo é considerado como um dos importantes fotógrafos paisagistas da cidade, tendo criado dezenas de cartões-postais com cenários da cidade. Suas fotos possuíam assinatura, tal qual um artista plástico faz com sua tela a óleo. Cartões-postais, aliás, formaram colecionadores, recordações e fizeram negócio em todo o mundo. A Foto Rápido Cozzo, já em meados do século passado, era uma empresa de revelações expressas de filmes fotográficos. Mas, não tão rápidas como as que me referi no início do texto. Não demoravam tanto quanto a tal uma semana para ir a São Paulo e retornar. Cabe lembrar que o processo era manual e o filme era monocromático.

Contribuiu em muito para o surgimento de fotógrafos profissionais a mudança tecnológica de impressão de jornais. Até o início dos anos 70 as fotos precisavam virar peça de clicheria, grandes carimbos de metal que formavam a prensa e davam o resultado final no papel jornal.

Já nos anos 50 e 60, a cidade possuía renomados profissionais como Cantarelli, Lacorte, Isolino Nascimento, Idálio Filetti e Cícero Correa dos Santos. Cobriam os fatos na imprensa e também atuavam como retratistas de eventos sociais de forma particular.  Foram os magos da inovação química, com retoques feitos com pincel, coloriram fotos preto e branco, embaçavam o que aparecia em segundo plano e recortavam objetos indesejados captados pela angulação ou foco.

Os jornais passam a ter novas gerações nos anos 70 e 80 como Henrique Spavieri, Pauléo (cuja foto de Chico Mendes visitando o CENA é icônica e foi uma das últimas antes do ecologista ser assassinado), Christiano Diehl Neto, Davi Negri, Diógenes Banzatto e outros que a memória não me deixa recordar. Nos anos 90, ainda a imprensa, nos proporciona presenças como Bolly Vieira, Marcelo Germano, Alessandro Maschio, os irmãos Victor (Haroldo e Aristeu), Claudinho Coradini, Matheus Medeiros e tantos outros. Alguns destes começaram bem antes na profissão. Como disse, a memória falha, mas não deixo de registrar também a contribuição dos retratistas Antonio Trivelin, Del Rodrigues e das Isabela Borghesi e Amanda Vieira – que representam o universo feminino na arte da fotografia.

E com a ação destes fotógrafos a memória “retratista” nunca morre e permanece registrando a história de Piracicaba.

(Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 20 de julho de 2022 e na Tribuna Piracicabana de 28 de julho de 2022)

domingo, 17 de julho de 2022

Piracicaba Antiga – livro resgata passagens da cidade



O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP) lança na quinta-feira, 21 de julho, o livro “A Foto e a História - Piracicaba Antiga”, de autoria do jornalista Edson Rontani Júnior, presidente da entidade. A obra reproduz cerca de 100 fotografias históricas de Piracicaba acompanhadas de um breve texto sobre seu significado histórico.

O livro é uma coletânea da coluna “A foto e a história” publicada por Rontani desde 2006, os sábados, no jornal Tribuna Piracicabana. Tal coluna recebeu, em 2009, o Prêmio Garcia Netto de Comunicação – Categoria Documentário Jornalístico, outorgado pela Câmara de Vereadores de Piracicaba em parceria com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Em 2008 virou blog e depois fan page no Facebook e perfil no Instagram.

Rontani conta que a ideia da coluna veio em decorrência de centenas de fotografias antigas que possuía e achava interessante contar a história envolvendo cenários como a sociedade, o esporte, artes e outros setores de Piracicaba. As fotografias reproduzidas dão ênfase ao século passado, como a arquibancada do Estádio Dr. Koch, na Vila Rezende, dos anos 1940 de autoria de Idálio Filetti. O livro também relata curiosidades como a visita do escritor Rudyard Kipling a Piracicaba, no início do século passado, quando foi recebido no Palacete de Luiz de Queiróz. Kipling, de origem britânica, foi autor de livros como “Mogli” e “O homem que queria ser rei”, além de ter recebido o Nobel da Literatura em 1907.

“Quando criança, lia muito a revista ‘Fatos e Fotos’, publicada pela Editora Bloch, na qual passávamos vários minutos nos deleitando com os detalhes das fotografias, acompanhada de uma breve legenda explicando do que se tratava tal fato”, diz Rontani. Em época de leitura rápida, o autor uniu fotos e textos curtos que contam a história de Piracicaba através de fatos curiosos.

O lançamento contará com a presença do jornalista Evaldo Vicente, editor da Tribuna Piracicabana além de uma palestra sobre os fotógrafos de Piracicaba como Izolino Nascimento, Cantarelli, Cícero Correia dos Santos, Idálio Filetti, Henrique Spavieri e outros profissionais que cobriram jornalisticamente a cidade durante o século passado.

Edson Rontani Júnior, autor do livro


Serviço – Lançamento do livro “A foto e a história – Piracicaba”, de Edson Rontani Júnior. Dia 21 de julho, quinta-feira, às 19h30 no Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes (Rua Santo Antonio, 641 – Centro). Distribuição gratuita limitada a 100 exemplares por ordem de chegada (um exemplar por CPF).  Apoio: Prefeitura Piracicaba, Secretaria Municipal de Cultura e Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes.


quarta-feira, 6 de julho de 2022

Viver para morrer aos 17 anos

 Edson Rontani Júnior – presidente da Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e estudioso da Revolução de 1932

 

- Tem saúde. É jovem. Não vai prá guerra ? Volta prá casa e bota uma saia, seu maricas.

Isso ecoou na cabeça daquele jovem de 17 anos. Cronologicamente, estávamos em agosto de 1932. Ou seja, quase 90 anos atrás.

Ele remoeu por horas e pensou em seu papel na sociedade. A época era outra. A vida social não sofria interferência do rádio, da televisão e muito menos da internet. Era uma época em que a comunicação se dava através das conversas nos jardins, nas residências ou através do telégrafo. Bom, existiam ainda as cartas escritas em sua maioria à mão. Também tínhamos os jornais, verdadeiros porta-vozes da sociedade com seu elevado grau de confiabilidade. No entretenimento, teatro e cinema (este estava começando a falar...). Rádio local apenas um ano depois.

Retrocede ! Voltemos ao jovem de 17 anos que não conseguia tirar de sua consciência que ser chamado de maricas era uma ofensa que mexia com sua virilidade. Ele que fora instrutor no Tiro de Guerra de Piracicaba e exímio nadador no Clube de Regatas. Chegou a participar de concursos tendo vencido um deles de mais “soberbo adolescente” de Piracicaba. O prêmio, me foi falado, que seria um carro. Algo ostentoso para a época. Se é verdade, não sei. Só sei que foi assim.

A consciência doía. Pegou uma troca de roupas e rumou para a Estação da Paulista, linha divisória do Centro para bairros que então se formavam desde a inauguração do terminal em 1922, como Paulista, Jaraguá, Paulicéia e outros. O objetivo era ir para São Paulo, Quitaúna talvez.

- Ahh, moleque safado ! – bradou Josué, seu pai. Foi a Paulista e trouxe o jovem de 17 anos puxado pela orelha. “Filho meu fica em casa, não coloca a vida em risco”, teria dito.

Mas era um infortúnio ter de ouvir que deveria se vestir com saias ou ser zombado na rua. Já era meados de agosto de 1932 quando foge de novo de casa. Chega a São Paulo ! Parte para Silveiras. Envia uma carta para seus pais, Josué e Bianca, que atônitos não encontram solução a não ser orar para que ele seja protegido durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Houve sim aceitação paterna pelo voluntariar do jovem. Mas foi uma aceitação dura, de amargar o coração.

Vivo e ativo aos 17 anos. Integrou o Batalhão de Funcionários Públicos. Pegou em armas. Lutou contra as forças federais. Passou maus bocados. Passou frio em pleno inverno paulista no alto das montanhas da divisa de São Paulo com Minas Gerais. Às três da madrugada, ao relento, os termômetros podiam chegar a quase zero grau. O jeito era esconder dos ventos cortantes nas trincheiras feitas para evitar o avanço das tropas do governo federal que pretendiam tomar São Paulo.

Mas, no meio da história havia uma missão. Tola, por sinal. Era preciso montar uma barraca. A mesma estava um tanto quanto distante, em outra trincheira. Eis que o jovem valente de 17 anos é acompanhando por três amigos de farda. Saem das trincheiras. Passam por um bambuzal. São vistos pela Polícia do Pernambuco fiéis às forças federais. Uma rajada de metralhadora é mirada contra o grupo. Eis que o jovem de 17 anos tomba. Uma bala lhe atinge parte da jugular. É levado para o Hospital do Sangue na cidade de Registro. O dia fatídico foi 28 de agosto de 1932. Acaba aí, a história que poderia ser próspera. Muito próspera. Morrer aos 17 anos. Concebido no dia de Natal, recebeu o nome em homenagem a data máxima da cristandade. Natal Meira Barros é um dos exemplos de piracicabanos que há 90 anos lutaram contra a ditadura de Getúlio Vargas e queriam democracia plena com a Constituição aprovada em 1934. Não viveu, como outros, para ver triunfar o ideal da Revolução Constitucionalista. Mas provou que não era maricas.

P.S.: Ao Roberto Crivellari que nos deixou recentemente e que, se aqui estivesse, me ligaria hoje para eu explicar mais detalhes sobre tudo isso que escrevi.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 6 de julho de 2022)