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domingo, 7 de abril de 2024

Pedras no nascimento e na morte

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

As pedras no caminho nos dão lição sobre a vida e a morte. Uma, pedra fundamental, foi colocada em 1º de abril de 1896, simbolizando a concretização de um sonho. Na ocasião, a pedra servia para demarcar o início das obras da Escola Agronômica São João da Montanha, embrião do que conhecemos hoje por ESALQ/USP.

Outra pedra, lapidar, encerrou o ciclo da vida. Se é que esta pedra existiu ... Esta vida foi interrompida numa viagem de navio nas proximidades da Costa do Marfim, continente africano. O destino do navio era a Europa onde um passageiro dirigia-se para Arbre, província da Bélgica. Assim outra pedra fez parte de Léon Alphonse Morimont, diretor da Fazenda São João da Montanha, falecendo em 1899. Engenheiro agrônomo, Morimont era um cidadão do mundo. Passou três anos em nossa Piracicaba (dezembro de 1893 a novembro de 1896). Não se tem certeza de que ele tenha sido enterrado com pedra lapidar e tudo mais. Na época, as viagens de navio eram longas e um falecimento à bordo poderia ocasionar no despejo do falecido ao mar.

Este trabalhou na França, Espanha, Itália, Portugal, Senegal e São Tomé. Atuou diante de vinhedos e cereais. Assumiu a direção da Fazenda São João da Montanha e elaborou o projeto do ensino técnico agrícola em 1894. Dois anos depois foi exonerado partindo para o continente africano. 

Léon começou trabalhar e adaptar a Fazenda em 7 de dezembro de 1893. Disse em relatório que "triste era o estado da fazenda (...) pontes caídas, casas em ruínas". Em seu projeto, havia um internato para 80 a 100 alunos. Seriam plantados cana, milho, batata doce, feijão, além alfafa e capim, arroz, mandioca além de experimento de fumo, algodão e café. Na horta repolho, tomate, alho-poró e sersefim.

A ideia da Escola Agronômica na cidade partiu de Luiz de Queiroz que passou uma boa temporada na Europa frequentando ambientes da zootecnia, da agricultura e da engenharia agronômica. O Brasil ainda estava se desenvolvendo, respirando ares vindos do império português. Mão de obra e material tecnológico ecoavam dos Estados Unidos ou da Europa. Então, era comum importar maquinários e pessoas, se é possível utilizar o termo importar para o ser humano. Morimont veio da Bélgica, assim como outros administradores que Queiroz trouxe para seus negócios locais.

Curioso é ver como a vida era curta no século retrasado. Queiroz e Morimont viveram 49 anos. Hoje, a “geração canguru” é estudada por sociólogos ou psicólogos para compreender o fenômeno de filhos que, na faixa dos 40, ainda vivem com os pais. Aos 16 anos, Queiróz já era empreendedor e visualizava a confecção como rendimento, além de trazer a iluminação elétrica de Nova Iorque para a Noiva da Colina !

A Fazenda e Escola Prática tiveram envolvimento de pessoas ilustres, hoje pouco reverenciadas, como Antônio Teixeira Mendes, português, um dos responsáveis pela transação de venda da área para a família Queiroz, em 1892. A Fazenda era vizinha de José da Costa Carvalho (o Marquês de Monte Alegre) e do brigadeiro Joaquim Mariano Galvão. Samuel Pfromm Neto levanta a hipótese da Fazenda ter sido de Manoel de Barros Ferraz, pai do barão de Piracicamirim, Antonio de Barros Ferraz.

O austríaco Ernest Lehmann administrou a Fazenda de novembro de 1892 a dezembro de 1893, porém desistiu a ideia de colocar em prática seus planos da Escola Prática por falta de recursos financeiros. Outro reverenciado é Augusto Cartagênova, secretário da então Fazenda São João da Montanha, junto a Morimont, conforme nota publicada na Gazeta de Piracicaba de 29 de outubro de 1895.

Marly Germano Perecin, em “Os Passos do Saber”, lembra que Morimont e Lehmman era adeptos a aproveitar o rendimento do trabalhador de origem escrava, submetendo-o a treinamento adequado para suprir as demandas da Fazenda.

Pedra por pedra, a história foi construída. E na atualidade é notório o trabalho de cada um que passou nesta secular escola agrícola de Piracicaba.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 07 de abril de 2024 e na Tribuna Piracicabana de 13 de abril de 2024)

A pedra no meio do caminho

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Foi no dia da mentira. Uma quarta-feira. 1º de abril de 1896. Começava a história da Escola Agrícola Prática, na Fazenda São João da Montanha, “distante” três quilômetros do Centro da cidade, conforme anunciado pelos jornais da época. Este era o embrião da atual Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, campus da USP em Piracicaba.

Foi neste dia que se instalou a pedra fundamental da Escola Prática Agrícola. Esta foi a data inicial de um sonho, sendo que sua elaboração começou anos antes e sua concretização só ocorreu anos depois. Para conhecer um tanto desta história consultamos Samuel Pfromm Neto, Marly Therezinha Germano Perecin, Manuel de Arruda Camargo e Mário de Sampaio Ferraz.

O espaço da Fazenda era de 131 alqueires de terra, ou 319 hectares “entre terras de cultura, pastos, mattos e capoeiras”, com predominância de “terra roxa”.

Durante sua estada na Europa, adquirindo conhecimento, tecnologia e socializando-se com pessoas, Luiz de Queiroz retorna a Piracicaba com a intenção de criar uma escola prática de agricultura. À princípio, pertenceria à iniciativa particular. Para tanto, adquiriu a fazenda de São João da Montanha, na qual planejou a área com plantas que previam construções de edifícios. Na ponta do lápis, Queiroz percebeu que a conta era mais alta e não teria recursos financeiros para colocar em prática o projeto. Jogou a ideia ao Governo do Estado, doando ao poder público tal fazenda São João.

Bernardino de Campos, presidente do Estado de São Paulo, em 17 de novembro de 1892, assina o decreto estadual 130 aceitando a doação da área para “educação profissional dos que se dedicam à lavoura”. Este, envia mensagem ao Congresso do Estado, através da Secretaria de Agricultura, com base na lei nº 26 (22 de maio de 1892), na qual o governo estadual tem carta branca para fundar uma Escola Superior de Agricultura com estações agronômicas e campos de experiência. Bernardino diz a iniciativa privada sofreria com o sacrifício pecuniário pela doação da fazenda, “em prol do ensino da agricultura, base da riqueza e prosperidade deste Estado”.

Houve desapropriação da área em benefício ao erário público estadual. A lei 193, de agosto de 1893, abriu crédito de indenização a Luiz de Queiroz pela cessão da Fazenda São João da Montanha. A dotação também previa destinação orçamentária para adaptação da área “ao fim que se destina”.

O Estado começa a executar o que previa o plano de adaptação das terras. O engenheiro Leão Morrimont estava à frente. As obras seguiram regulamente até que este foi dispensado em novembro de 1896, sendo substituído por Adolpho Barbalho Uchoa Cavalcante. Meses depois, decisão de Peixoto Gomide interrompe os trabalhos.

Área ganha, trabalho a ser colocado em prática, faltava a regulamentação do ensino agronômico no Estado. Eis que em 1899, é promulgada a lei 678 dando bases para o decreto 683ª, criando a Escola Agrícola Prática em 29 de dezembro de 1900. Cândido Rodrigues, então Secretário de Agricultura do Estado, assinou o decreto. Assim, a Fazenda de São João da Montanha passa por seus derradeiros anos, abrindo espaço para o que se propagou como Escola Agrícola.

Desta forma, a pedra fundamental é lançada. Era necessária adaptação da área, facilitada por uma topografia plana e regular, com facilidade de circulação de máquinas agrícolas. A maior elevação era de 66,60 metros acima na nascente do então Piracicaba-Mirim, ou ribeirão do Piracicamirim. O espaço “presta-se pouco á cultura do café, muito às de cana, milho, feijão etc, frutas e forragens diversas”, propagou-se à época. Também foram cultivados alfafa e algodão.

Em 3 de junho de 1901, a história é reescrita. A Fazenda São João passa a ser denominada Escola Agrícola Prática. Nesta data, são inaugurados os primeiros cursos da instituição em solenidade presidida por Candido Rodrigues, Secretário da Agricultura. E a pedra ? Onde estaria ?

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 3 de abril de 2024 e na Tribuna Piracicabana de 06 de abril de 2024)