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terça-feira, 27 de abril de 2021

O legado de 21 de abril

 Edson Rontani Júnior, jornalista 

Piracicaba tem tradição e é um celeiro de profissionais dedicados à ciência odontológica. Desde 1915 forma profissionais em odontologia, sendo que muitos destes passaram pela Faculdade de Farmácia e Odontologia (1915 a 1935), Faculdade de Farmácia e Odontologia de Piracicaba (1957 a 1967), encampada depois pela Unicamp com a denominação de Faculdade de Odontologia de Piracicaba (de 1967 até os dias atuais). Existem, também, profissionais que por aqui atuam, mas se formaram pela Unimep no campus situados em Lins, na Fundação Hermínio Ometto/Uniararas de Araras, São Leopoldo-Mandic de Campinas e outras.

O legado deste 21 de abril é extenso. A data marca o enforcamento de Tiradentes no ano de 1792 por ordem da Coroa Portuguesa, considerado traidor por incentivar a separação do Brasil diante de Portugal, tido pela história como inconfidente, junto a outros 10 julgados. A partir do primeiro governo Getúlio Vargas, nos anos 1930, busca-se nele a personificação de herói para o Brasil, o mártir da nação. Foi quando, criou-se uma doutrinação “mea culpa” tornando-o referência cívica. Por falta de registros fotográficos, o barbeiro/dentista prático e alferes do Exército de Portugal, passou por um checkup que remetia sua imagem ao simbolismo cristão. Magro e barbado. Virou patrono da odontologia brasileira. Figura como o primeiro herói inscrito no Panteão da Pátria e da Liberdade, situado em Brasília. Inaugurou a galeria de benfeitores nacionais em 1992, no bicentenário de seu enforcamento.

A profissão pregada por Tiradentes deixou um importante legado a Piracicaba. A primeira instituição de graduação na cidade surgiu em 1915. A Escola de Farmácia e Odontologia de Piracicaba (depois Escola de Farmácia e Odontologia Washington Luiz e mais tarde Prudente de Moraes) era uma instituição privada, que chegou a funcionar também no salão nobre do Museu Prudente de Moraes. Torquato da Silva Leitão foi seu primeiro presidente e Octávio Teixeira Mendes seu primeiro secretário. Por anos foi dirigida por Jorge Augusto de Silveira. As aulas começaram em 10 de janeiro de 1915 com a primeira turma sendo formada em 27 de novembro de 1916, no Teatro Santo Estevão. Encerrou suas atividades 20 anos depois, em 1935.

A história da odontologia é anterior a criação desta instituição. O “Almanak de 1900”, coordenado por Manoel de Camargo, trazia uma citação curiosa, relatando que o Padre Galvão, em 3 de agosto de 1868, retornava de uma viagem de São Paulo, para onde partiu a fim de realizar molde para uma dentadura. Esta mesma publicação trazia publicidade de três consultórios odontológicos sediados em Piracicaba, com trabalhos feitos por Adelardo de Souza, João Mac Knight e George Gooda.

Nestes mais de 100 anos de formação profissional, Piracicaba teve inúmeros profissionais que se destacaram na odontologia. Foram muitos, mas fica o registro de alguns, como Enéas Lemaire de Moraes, Erasto da Fonseca, Bruno Ferraioli, Paulo Teixeira Mendes ... No serviço público, a ação de Gentil Calil Chaim foi essencial para um trabalho pioneiro que formou o Serviço Odontológico Municipal (SOM) levando atendimento também para a zona rural de Piracicaba. Expoentes como Antonio Oswaldo Storel levaram a participação da odontologia da política, sendo este Secretário do Bem-Estar nos anos 1970, e depois primeiro presidente da EMDHAP, Secretário Municipal do Desenvolvimento Social, vereador e postulante à prefeito da cidade. Claro que são poucas linhas para descrever toda a dedicação de muitos à cidade. Assim como não se pode esquecer do professor Antonio Carlos Neder, verdadeiro cientista da odontologia, um dos pioneiros da farmacologia. Criou no início dos anos 1980 a fórmula da goma de mascar que auxiliava na eliminação das bactérias que causavam a cárie, patenteando-a como “Den-Den” e por iniciativa própria entregou sua patente para a RDA (República Democrática Alemã, a parte socialista do país, anexa à União Soviética). Foi convidado para a Secretaria Nacional de Saúde durante o governo Collor de Mello e coordenou a instalação da Faculdade de Medicina em Tocantins.

O 21 de abril deste ano será marcado, pelo segundo ano, pelo isolamento. As atividades corriqueiras desta data, como evento na Praça José Bonifácio ou hasteamento das bandeiras na Associação dos Dentistas foram cancelados. Mas quem tiver a oportunidade não deve deixar de ler algumas histórias sobre a arte do dentista no livro “Museu Odontológico Drª. Grace Harriet Clark Alvarez”, de autoria de Waldemar Romano e Reinaldo José Salvego, também dentistas, lançado em 2005 por ocasião dos 25 anos desta instituição.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 21 de abril de 2021 e na Tribuna Piracicabana de 23 de abril de 2021)

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Ano um

Edson Rontani Júnior, jornalista

 A Estação da Paulista estava triste. Era 20 de março de 2020. Acontecia o primeiro final de semana festivo em louvor a São José, organizado pela paróquia da Paulista. Como era tradição, seria uma festividade cultuada em dois finais de semana. Ocorreu em apenas um final de semana e quase à míngua.

O medo que estava por vir, deixou todos atônitos. Sentíamos este medo à distância, desde dezembro na China e na Europa. Estava avançando para o Brasil. Pouco depois chegaria a Piracicaba. A covid já estava em terra verde e amarela, obrigando-nos ao confinamento na quarentena que completou um ano esta semana.

“Não vou mais à escola, nem ao shopping?”, perguntou o adolescente. Afirmação negativa. Tudo fechado! Restaurantes, comércio ... tudo parou.

Na TV assistíamos ao Papa em orações numa cena nunca antes imaginada, dando indulgência plenária para toda a população mundial. Sozinho caminhava com chuva pelas ruas de Roma. Em paralelo, tanques de guerra eram utilizados para carregar caixões e mais caixões de mortos na Itália pelo sars cov 2.

Mais tempo em casa. Um dia ... dois dias ... Semana após semana ... Incertezas com relação ao dia de amanhã. Medo de ser contaminado e contaminar. Ser o vetor de transmissão. Ser considerado como um “boi” quando tentava-se entender o que era a tal “imunização do rebanho”.

A única solução era trancar-se em casa em pleno outono rigoroso, período em que as doenças respiratórias se propagam com maior facilidade.

Exercícios no lar, pois parques e academias estavam fechadas. As ruas eram locais de insegurança, não relacionada à criminalidade, e sim à atenção sanitária.

“Já viu isso antes, pai?”, perguntou o adolescente. A resposta, mais uma vez, foi negativa, mas uma busca na internet demonstrou que a gripe espanhola também atingiu Piracicaba em 1918, acometendo centenas e tirando a vida de cerca de 60 pessoas.

Tudo passa e isso passará rápido, era o pensamento. A máscara facial tipo cirúrgica, vendida a 9,90, em caixa com 100 unidades, logo após o Carnaval do ano passado, chegou na faixa dos 100 reais ... 150 reais ... “É um exagero !”, alguém deve ter pensado, Isso remeteu às máscaras compradas em 2009 durante a proliferação da gripe suína, as quais acabaram sendo utilizadas de proteção quando aquele precavido foi pintar a casa e protegeu-se ao lixar a massa corrida passada na parede.

De tanto ficar em casa, a cachorrinha de estimação habituou-se a ser a primeira a ir a porta quando o motociclista tocava a buzina, trazendo a refeição pedida por aplicativo. Festas de 50 anos, festas de casamento ... canceladas! Foi um efeito dominó.

É passageiro, pensou de novo aquela pessoa incauta que em junho esperava participar das festas juninas da igreja do bairro. Não houve festa junina. Nem passear no Engenho Central foi possível, pois cancelaram a Paixão de Cristo e a Festa das Nações. Já estava tomando corpo uma mudança social que parecia não acabar. E não acabou.

E o convívio social? Já era difícil prestar atenção durante as aulas na faculdade, lembrou uma pessoa. Assistir aula no quarto, ao lado da cama, ou lado do vídeo game ... Concorrência injusta. Segundo ano longe dos amigos, da paquera da escola. Lembrou a muitos a convivência social noturna de quem estudou na Unimep Centro e toda sexta-feira ia matar a sede com os amigos no Popeye ou na Prosit. Recordação rica que não volta e que alguns deixarão de ter.

Neste um ano de pandemia aprendemos muito. Desconhecemos muito também. O vírus se fortaleceu. Os hospitais de campanha, quando desinstalados, nos deram noção de que tudo estava acabando. Pensamos estar imunes durante o verão, o réveillon e as férias de dezembro e janeiro. Há quem tenha cancelado a rotina para ir a praia nos dias de Carnaval deste ano. E mande-lhe ostentação nas mídias sociais digitais.

Um ano depois a situação está mais crítica. A Semana Santa não terá suas celebrações tradicionais mais uma vez. Cinemas fechados, jogos de futebol suspensos, encontros familiares fora de cogitação. Neurose de tocar em algo e ser contaminado, desde uma publicação impressa até produtos comprados no supermercado.

Um ano se passou. A preocupação não cedeu. Está .... “mais preocupante” ...

(Publicado no Jornal de Piracicaba dia 24 de março de 2021 e na Tribuna Piracicabana dia 26 de março de 2021)