Páginas

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Bairros e distritos

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

Piracicaba 255 anos. A vila, criada à margem do rio Piracicaba, tinha, em um dos primeiros censos demográficos, realizado há 230 anos, seus 250 habitantes. Hoje supera os 400 mil. Expandiu-se de norte a sul, de leste a oeste. A princípio “subiu ladeira” para definir a área urbana conhecida por Centro, onde estão a Igreja Matriz, a praça, e os poderes constituídos à época, como delegacia, prefeitura, câmara de vereadores e delegacia. Áreas extensas daqui que se desmembraram como Americana, Santa Bárbara D’oeste, São Carlos, Rio das Pedras e Saltinho, hoje municípios.

Nestes dois séculos e meio, muitos contribuíram para a formação de seus bairros e distritos. Foram descendentes europeus, asiáticos e africanos, numa constante evolução que vemos na contemporaneidade com as empresas que por aqui se instalam trazendo novos hábitos à nossa realidade.

A história foi contada em diversos livros, citando como exemplo as memórias de Alcides Aldrovandi em “A Vila e seus vilões”, obra reeditada em 2009 pelo Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. Tais “vilões” não levam fama no sentido da vilania e sim no ímpeto de criar uma Vila Rezende trabalhadora, com as instalações da Metalúrgica M. Dedini, a Igreja Matriz Imaculada Conceição, ou as indústrias Cavalinho Carmignani e Tatuzinho D’Abronzo Sociedade Anônima. Além desse processo comercial, o livro também cita passagens curiosas de fatos e pessoas que viviam à margem direita do rio Piracicaba.

Pedro Caldari também foi responsável pela história da Vila Rezende na sua trilogia “Memória da Vila Rezende”, obra sempre atual. Já “A síntese urbana”, da professora Marly Therezinha Germano Perecin é um relato esmiuçado sobre nossa tão querida “Noiva da Colina”, passando por fases de 1822 a 1930.

Eis que em 2013, João Umberto Nassif lança dois volumes de “Paulistenses”, sobre famílias que construíram o bairro Paulista, derivado da Estação Férrea Paulista, cuja obra comercial delimitou o bairro a partir da avenida doutor Paulo de Moraes. A partir daí, vieram o Jaraguá, a Paulicéia e tantos outros.

Os bairros de Piracicaba também foram descritos por outros moradores, estudiosos e escritores como Luiz Nascimento que publicou “Memória do Bairro Alto”, 2009, detalhando como subtítulo: ruas, comércios, indústrias, escolas, tipos populares, famílias, hábitos e tradições. Geraldo Ermo Fischer também contribuiu para a história local em 2015 quando lançou “Jubileu áureo da criação da paróquia de Santa Cruz e São Dimas”, citando famílias que habitaram o bairro.

No início de 2022, duas obras resgatam outros bairros: “Acervo do Monte Alegre – excerto da massa documental dos engenhos de Piracicaba”, de Marilda Soares, falando sobre o importante engenho que motivou o livro “Til” de José de Alencar, publicado em 1872, homenageando o rio Piracicaba pelas suas curvas como se fosse a acentuação conhecida por til. Edilson Rodrigues da Silva nos brindou este mês com “Centenário da Estação da Paulista”, mostrando como o transporte férreo foi importante para o desenvolvimento da cidade.

Os próximos passos são resgatar a história de Artemis com o lançamento em maio do livro “50 anos da Escola Professor José Martins de Toledo”, de William Rodrigues da Silva, um relato com pesquisa e imagens sobre essa área rural e seus tradicionais ícones como o porto João Alfredo, a ponte de ferro e a Estação de Trem Sorocabana, além da escola que chega ao seu cinquentenário. Ainda este ano, Antonio Carlos Angolini deve finalizar seu livro sobre os 100 anos do distrito de Tupi. É história que não acaba mais !

Todos estes livros contribuem para a história de Piracicaba. Alguns estão esgotados fisicamente, mas podem ser baixados gratuitamente em formato digital pelo site do IHGP (ihgp.org.br).

Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 27/04/2022 e na Tribuna Piracicabana de 3/5/2022

domingo, 1 de maio de 2022

Dez cruzeiros

 Edson Rontani Júnior, jornalista

 

   - Tome dez cruzeiros. É para investir em você. Não gaste em bobeira. Compre um livro !

   Recebi então os tais dez cruzeiros. O local foi um apartamento na capital paulista. O ano creio que tenha sido 1979. Estava no apartamento de meus tios Franklin e Ivana quando isso ocorreu. Numa das descidas do prédio fui à banca de jornais em busca de um livro. O dono da banca tinha um nome que soava estranho para mim, totalmente ingênuo. Era o “seu” Carolino, algo inconcebível para quem até aquela idade só conhecia Carolinas, uma delas a mãe do Antonio Carlos.

   Devido à proximidade de nossas famílias, conheci um lado muito humano de Antonio Carlos que depois teria apenas o Thame como nome popular. Íamos por diversas vezes à sua residência situada na rua Boa Morte, em frente ao “Piracicabano” como, por exemplo, para ver em sua calçada o Carnaval de 1980 passar pelo Centro da cidade. Ou nas festas de fim de ano, saborear as delícias preparadas por seu cunhado, o professor Ercílio Denny, casado com Valderez e pai e Danielle. Ercílio era dono de uma mão mágica que tornava a gastronomia em algo peculiar. Foi pouco antes que mantive contato com o “seu” Juca, pai de Thame, pessoa sempre bem humorada. De longe a memória me leva a um passado em que o via sentado numa cadeira de rodas, vitimado pelo diabetes. A mesma cadeira de rodas emprestada numa noite fria pelo Antonio Carlos e que abrigou meu pai, Edson Rontani, nos últimos anos de vida, após amputar uma das pernas também motivado pelo diabetes.

   Lá por volta de 1982, Thame sai candidato a prefeito por Piracicaba. Perde para Adilson Maluf. Investe mais em seu nome. Em 1984 volto a cruzar com ele, desta vez de forma profissional. Eu como sonoplasta da Rádio Difusora FM e ele como apresentador e radialista da Rádio Difusora AM tendo ao seu lado como fiel assessor o jornalista César Costa. Foi mais ou menos nesta época que Thame empreende-se num estabelecimento que foi o point na cidade, na década de 1980: Jardin’s, uma moderna lanchonete que anunciava sua especialidade o “capitão”, hamburger com tenra carne e ingredientes que lembram hoje os lanches gourmets... Ficava no cruzamento da Moraes com a Bejamin, antes o Posto de Combustíveis Santo Antonio da família Degaspari.

   Antonio Carlos volta a cruzar meu caminho por diversas vezes na década de 1990, quando coordenei o jornalismo da Rádio Alvorada A. M. Em todas, ele gostava de lembrar – em tom de brincadeira – que o dia 13 de junho não era feriado por ser seu aniversário e sim por ser dia de Santo Antonio, padroeiro de Piracicaba. Aprendi muito com ele. “Entenda que eleitor vota com o coração e não com a razão”, foi uma de suas máximas. Me recordo que nas eleições de 1992, prometeu muitas coisas e as cumpriu: instalar a Casa do Diabético, realizar a integração dos ônibus urbanos com os terminais, ampliar os prontos-socorros, entre outros. Gostaria de não entrar no cenário político. Ter lembranças tão e somente do homem gentil que conheci. Mas não poderia deixar de anotar aqui algo que tem muita razão, tendo proferido nos microfones da Alvorada: “se eu chego segunda-feira de manhã na prefeitura e meus secretários dizem que está tudo bem, alguém está mentindo, pois uma cidade com 200 mil habitantes não ter problemas é impossível”. Em 1996 me proporcionou algo ímpar para a vida de um piracicabano: entrevistar o ex-prefeito Salgot Castilon, cuja compilação ainda devo ter esquecida numa VHS que nem tenho mais onde assistir. Thame me contratou para auxiliar na campanha de seu sucessor, o professor Humberto de Campos, e deu a função à equipe de tv de ouvir o conceituado Salgot. Que honra ser recebido em seu apartamento no edifício Rio Negro, Centro da cidade.

   Thame como pessoa é unanimidade pelo estilo pacífico, dono de uma retórica impecável.

   Sobre os 10 reais do início, foi mais que um presente. Confesso que não comprei um livro. Adquiri na banca de jornais do “seu” Carolino a edição número 1 da revista Cinemin que passava a ser reeditada por Aldofo Aizen em sua EBAL. Tive a coleção completa com mais de 100 edições. Menos de dez anos após ter ganho tal dinheiro, já atuava como jornalista, inclusive como crítico de cinema em “O Diário”, à época comandado por Alfredo Barbara Neto e depois com a volta de Cecílio Elias Neto. Creio, então, que não gastei os dez cruzeiros em bobeira, Antonio Carlos ... 

Artigo publicado na Tribuna Piracicabana de 30/04/2022 e na Gazeta de Piracicaba de 5 de maio de 2022.