Páginas

quarta-feira, 24 de março de 2021

Ano dois

 

Edson Rontani Júnior, jornalista

Aquilo que era estatística começou a dar sua cara. Virou nome. Mortes pela covid-19 que eram representadas por gráficos passaram a ser nominados. Numa breve limpeza da minha agenda de telefones, exclui um ... dois ... três... Foram vários amigos que nos deixaram durante a pandemia. As vítimas passaram a se aproximar de nós, deixando saudade eterna motivada pela pandemia que em 2021 entrou em seu segundo ano.

Há um ano atrás escrevi nestas páginas um relato sobre o primeiro ano desta situação que ainda perdura. Em janeiro de 2020 víamos pelos noticiários o sofrimento dos chineses. Uma Itália despedaçada com centenas de mortes. O Papa em sua peregrinação solitária dando sua unção de forma coletiva a um público que não mais saía de casa. Mortos deixados ao chão em países da América Central. Era uma guerra contra um inimigo invisível. Mas tudo parecia muito longe de nós.

O ano de 2021, segundo da pandemia atual, trouxe novidades. O vírus de alastrou mais. Matou mais. Entraves políticos colocaram a atenção ao próximo em segundo lugar. Quem vacina primeiro ? Estado tal ou a nação ? A corrida vacinal provoca controvérsias que muitos brasileiros não entenderam. Na Índia, o Estado incentiva a família a cremar em casa os falecidos por tal temida doença. Variantes, insatisfação com o uso da máscara, filas e drive trhu para vacinação. Vacinação em escala. Opa ! Parece que surgiu uma luz no fim do túnel.

Nunca me esquecerei na proximidade do Carnaval de 2021 (que não houve) uma viagem feita para o oeste do estado. Melhor parar nesta churrascaria de beira de estrada para almoçar. Ou chego ao meu destino e como por lá ? Imperou a segunda vontade. Chegando à uma cidade próxima a Botucatu, deparo-me numa cidade vazia, colapsada pela alta ocupação das UTIs. Fase vermelha. Nem sabia o que era isso pois Piracicaba balançava pela fase amarela e laranja. Aí a forme apertou. Tudo fechado. A sorte é que a farmácia ainda recebia clientes e foi lá que um saco de batata e um isotônico compuseram minha tão esperada refeição naquela ocasião.

Passear deixou de ser um passatempo prazeroso. Não havia onde ir. Tudo fechado. Academias, parques, shoppings ... Enquanto a vacina não avançasse, tudo voltaria ao patamar de 2020. Chegamos aos 600 mil mortos. Em contrapartida, o processo vacinal evoluía de forma exemplar, algo que não ocorria em outros países. Chegaram a comentar que a estrutura do Sistema Único de Saúde é algo que serve de exemplo de eficácia, pois tem uma metodologia pensada nos anos 1980 quando surgiu o SUDS (Sistema Único de Descentralizado de Saúde) e que se vingou nas décadas seguintes. Como disse ... ouvir falar ... Mas louvemos a estes profissionais que aplicaram milhares de doses aos finais de semana, durante feriados, durante a noite.

O segundo semestre de 2021 – ano dois da pandemia – chegou com uma melhoria na qualidade do brasileiro. As festas começaram a ser remarcadas. O jovem sorri para sua amada para renovar a data dos votos conjugais. O aniversário de 50 anos volta a ser replanejado. A cachorrinha ainda continua indo a porta sabendo que o motociclista de aplicativo veio entregar a refeição.

Quando o governo do estado anuncia em março de 2022 que as máscaras poderão ser dispensadas em locais abertos, tivemos um alívio tal qual desafrouxamos o último botão do paletó numa tarde de sexta-feira. Poderemos respirar livremente em alguns locais. Em breve, em todos os locais. A pandemia pode regredir a uma endemia. Talvez em breve o “novo normal” seja deixado de lado e retomemos nossa vida como antes.

Mas, vamos com calma. Tristeza não tem fim, felicidade sim, já dizia o poeta, torcendo para que daqui um ano, eu não volte à estas páginas cronicando sobre o terceiro ano. Saúde a todos !

domingo, 14 de março de 2021

Rumo ao cinquentenário

 Edson Rontani Júnior, jornalista e diretor da Academia Piracicabana de Letras

 

Cleo Monteiro Lobato encontrou uma forma curiosa para mostrar aos Estados Unidos as obras de seu avô, o icônico Monteiro Lobato. Ao traduzir nomes e conceitos de suas obras, não encontrava termos similares na língua anglo-saxã. Imagine apresentar a Little Nose (Narizinho) ou personagens da mitologia brasileira como o Saci Pererê e a Cuca. Diríamos, assim, que não “daria liga” para uma publicação comercial. Aproveitando a onda, Cleo adaptou linguagens dos anos 1920 e 1930 para aquilo que a atualidade considera politicamente correto, para não ferir ninguém.

Faço este enunciado para lembrar do desafio a cultura piracicabana ao entrarmos no quinquagésimo ano de criação da Academia Piracicabana de Letras, cujos 49 anos são lembrados neste 11 de março. A partir desta data, a entidade passa a estabelecer metas para seu cinquentenário, relendo e adaptando para a atualidade o ideal de seu criador, João Charini, quando, em 1972, na antiga sede da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, fundou a Academia seguindo moldes de entidades similares existentes em capitais e vários outros municípios.

A Academia Piracicabana de Letras contou com a presidência de Chiarini de 1972 a 1988, quando ele faleceu e cujo mandato foi completado por seu vice Haldumont Nobre Ferraz. Em seguida vieram Miguel Ângelo Ciavarelli Nogueira dos Santos, José Henrique Carvalho Cocenza, Maria Helena Aguiar Corazza, Gustavo Jacques Dias Alvim e atualmente Vitor Pires Vencovsky. Em todo este tempo, a entidade viveu sempre de dotação orçamentária própria, com a colaboração de seus membros e doações de verdadeiros mecenas que acreditam na cultura como transformadora social e educacional. Essa solidariedade provoca, inclusive, a publicação semestral da Revista da Academia, coletânea poesias e artigos de seus componentes. 

A Academia segue por base a Academia Francesa de Letras. É ocupada por 40 membros considerados os “imortais”, cada qual representando um patrono que no passado se dedicou à Piracicaba. Possui membros correspondentes os quais não ocupam cadeira. Na fundação, a Academia tinha outras categorias de “associados”, entre os quaisestavam personalidades como JK – o presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira – e o escritor Jorge Amado que, junto a Zélia Gattai, era padrinho de casamento de Chiarini.

Seus membros são escolhidos através de edital e é necessário ter contribuído para a literatura. Possui hoje profissionais de várias categorias como contadores de histórias, poetas, advogados, médicos, jornalistas, cirurgiões-dentistas, apenas para citar alguns.

Os 50 anos, a serem celebrados de forma presencial em março de 2022 – até lá esperamos ter dominado o coronavírus e a vacinação –, nos engajando em preservar a literatura, adaptar-nos aos novos formatos de leitura como e-books e outras mídias digitais, e, o mais importante, preservar a cultura piracicabana, nossa verdadeira joia imaterial. Papel importante é formar novos escritores e amantes das letras. Após longo tempo de interrupção de aulas presenciais, foram suspensas atividades junto aos alunos, mas o distanciamento social e confinamento proporcionaram o aumento de acesso on line de produções editoriais e ao streaming cultural.

Como fez a bisneta de Lobato, o reinventar-se constante é uma necessidade diária. E para isso, boa vontade e dedicação não faltam.

Para finalizar, parabéns ao empenho da diretoria atual da Academia de Letras, liderada pelo professor Vitor Vencovsky, composta ainda por Aracy Ferrari, Carmen Pilotto, Cássio Negri, Ivana Negri e Waldemar Romano. Nós, escritores, somos muito gratos a vocês pela dedicação nestes três últimos anos.


(Artigo publicado no Jornal de Piracicaba dia 10/03/2021 e na Tribuna Piracicabana dia 12/03/2021)