segunda-feira, 24 de novembro de 2025
domingo, 12 de outubro de 2025
Rua sem saída
Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Na última quarta-feira (8 de outubro de 2025), a história de Piracicaba foi reescrita. Mais uma vez reescrita. E desta vez sua história foi resgatada à oito mãos, sendo dedilhada por Barjas Negri, Miromar Rosa, Kátia Mesquita e Fábio Bragança. Com a publicação do livro “1001 Ruas”, produção independente dos autores, resgata-se não apenas uma lista de endereços e sim personalidades homenageadas em logradouros como ruas, avenidas, vielas, travessas, viadutos e afins.
Para
quem não tem destino, qualquer caminho serve, já dizia um velho ditado. Porém,
as ruas são referência para nossa rotina diária. Imagine como eram as
referências no passado: pegue a rua direita (que partia do rio Piracicaba),
siga até o bairro alto (no alto da colina esquerda do rio) e próximo você
encontra o bairro dos alemães (em homenagem à colônia germânica aqui
estabelecida). São pequenos exemplos que nos norteiam na direção a ser tomada.
Passear
pelas ruas é um conhecimento curioso e gostoso. Afinal, vamos à Governador
visitar as lojas sem muitas vezes estudar quem foi Pedro de Toledo, interventor
federal em São Paulo no início dos anos 1930, deportado para Portugal por ter
colaborado com os paulistas na Revolução Constitucionalista. Aliás, existem
poucas referências – apenas em anúncios em jornais – sobre a rua João Pessoa,
anteriormente denominada de rua do Commércio e posteriormente Pedro de Toledo.
A mudança de nome de qualquer logradouro hoje demanda não apenas da mudança das
placas em cada esquina e sim na mudança cartorial e suas avenças financeiras.
Temos
bairros com ruas que homenageiam a Segunda Guerra Mundial (Monte Castelo e
Pistóia, no bairro Verde), assim como cantores (Francisco Alves e Ataulfo
Alves, também no bairro Verde), países, aves, flores e outros. Mas “1001 Ruas”
busca homenagear as pessoas que fizeram e construíram Piracicaba, num
abecedário com diversas verbetes. Não são biografias extensas, mas referência
necessária para saber quem é o nome estampado nas esquinas quando se coloca o
pé na calçada ou no asfalto.
Também
é uma forma de viajarmos no tempo com nossa memória que às vezes fica
empoeirada. Talvez poucos se lembrem dos carros batidos, amassados e recolhidos
pela Ciretran em sua sede ao lado da praça da Boyes, na rua Luiz de Queiroz
onde hoje serve-se uma das melhores gastronomias locais. Ou de um tempo de
antanho quando a rua do Porto era aquela conhecida hoje por rua Moraes Barros,
já que ela é quem dava destino ao porto no rio Piracicaba. A própria rua do
Porto, ao lado da avenida Alidor Pecorari era uma zona residencial até os anos
1980. Nos dias atuais é um centro comercial movido pela gastronomia servida à
mesa.
Andar
pelas ruas de qualquer cidade é possível ver belezas (como as grafites no Largo
dos Pescadores) e as “feiuras” como lixo ou a má conservação das calçadas, entre
outros.
O
livro evoca memórias e esclarece algumas pessoas que não fazem ligação que
alferes era a atual patente de tenente no Exército Português. E que José
Caetano (Rosa) foi vereador, dono de usina e escravocrata. Além disso, foi um
dos principais arruadores da cidade, numa era em que tudo era feito nos “zóio”,
sem GPS nem nada.
Aliás,
já que abordamos localizadores, alguns deverão se lembrar de como era difícil
viajar para São Paulo, Campinas e Santos sem o Mapa Rodoviário 4 Rodas,
publicado pela revista da Editora Abril. Dirigir sem ela era difícil. Mas
dirigir com ela era pior já que o mesmo ocupava quase todo o painel dos
veículos.
Neste
interim surgiu o GPS. Tínhamos de pagar para suas atualizações. Não era como
hoje no celular. Semáforos, radares, ruas sofriam alterações... dá-lhe
atualização! E pagava-se por ela. Hoje, você viaja com o celular que lhe dá
conselhos sobre policiamento a frente, ou veículo parado mais adiante ou objeto
no meio da estrada. Ficou mais fácil. Ou, seja: o Waze é meu pastor e ele me
guiará...
quinta-feira, 9 de outubro de 2025
Saci teve um pé em Piracicaba
Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Saci teve um pé em Piracicaba. Aliás, teve seu único pé em Piracicaba. E não é ironia. Vamos usar uma história para descrever o porque disso. Há 100 anos atrás, as pessoas liam uma obra de Bram Stocker intitulada “Drácula” e, cada cabeça imaginava um jeito como deveria ser o Vlade Tapes, mais conhecido como o vampiro que se alimentava de sangue humano e vagava como um intrépido insone, fugindo do sol. Porém, foi Tod Browing em conjunto com Carl Laemmle Jr. que deu a imagem que conhecemos hoje, longe dos livros. Um sujeito de cara fechada, vestido de roupa negra e uma longa capa. Pronto ! Estava feito o estereótipo do vampiro noturno !
Pouco
mais de 100 anos atrás, sem televisão, cinema e internet, a imaginação corria à
solta. A conversação arrepiava as pessoas. Foi daí que se propagaram lendas
urbanas e rurais, dentre elas o saci.
Coitado
do nosso Pererê... Teve de caminhar a duras penas para que no imaginário
popular tivesse a composição de uma pessoa de meia idade, segurando um
cachimbo, vestido apenas de shorts e um gorro na cabeça. Sabia-se que ele era
terrível para com todos, que dava assobios ensurdecedores, aparecia em
redemoinhos os quais surgiam do nada ! Mas, como se elaborou esta aparência ?
Pois,
bem. Monteiro Lobato, lá por volta de meados da década de 1910, utilizava as
páginas do jornal “O Estado de São Paulo”, para fazer seus inquéritos. Foi aí
que ele criou, em crônicas, seus pensamentos sobre o homem interiorano, depois
reunidos no livro “Urupês”. Surge o Jeca Tatu, típico caipira, desleixado que
vive no campo, pita um cigarro, e espera a vida acontecer. Foi neste Jeca que
surgiu o nosso Jeca, o “Nhô Quim”, mascote do Esporte Clube XV de Novembro de
Piracicaba. Uma história puxa a outra.
Foi
nestes inquéritos do Estadão que Lobato questionou o vanguardismo da Semana da
Arte Moderna, hoje inconteste revolução artística. Na época, ele considerava os
trabalhos de Anita Mafalti como aberrações em forma de telas. O tempo foi cruel
com Lobato, mostrando-lhe que os rabiscos de Anita criaram fama e alcançaram
milhares de dólares quando postos a venda nos leilões.
“Inquérito
sobre o sacy-pêrêrê” foi uma das suas articulações para que, em conjunto com os
leitores pude criar a “cara” desta lenda contada em todo o Brasil. “Mythologia
brasílica” era o nome da coluna. Aí é que Saci coloca o pé – com perdão para a
expressão – na cidade de Piracicaba. Em 1º de março de 1917, o Estadão publica
carta de Sebastião Nogueira de Lima ajudando a compor esta face do negrinho que
aprontava suas estripulias, seguindo tradições indígenas e africanas que
povoaram por muitos séculos as tradições orais.
Nogueira
– que foi vereador, delegado e interventor federal em São Paulo – lançava
curiosidades interessantes sobre o Pererê, criando inclusive uma música (também
publicada naquela edição) sobre como deveria ser o assobio do perneta,
lembrando o seu forte silvo.
Nogueira
conta uma face admirada por Lobato: o saci sentimental. Aliás, não é o saci e
sim vários sacis, todos com feições iguais, mas com sexos diferentes e idades
também diferentes. Ele mesmo cita que, quando criança, ficou ensurdecido com o
silvo de um saci chamando sua amada, num solfejo a la “rhtymo de polka”,
conforme descrito naquela edição.
“Inquerito sobre o Sacy” virou um livro escrito por Monteiro Lobato. O depoimento de Sebastião Nogueira consta nele. Não dá para dizer, então, que Saci Pererê não seja piracicabano. E viva nosso cidade !
(Publicado na Tribuna Piracicabana de 11 de outubro de 2025)
quinta-feira, 25 de setembro de 2025
História acessível
Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Um acervo acessível. Não naquilo que se trata de acessibilidade com rampas. Mas, sim, acessível onde a pessoa estiver. É para isso que o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba tem trabalhado nos últimos anos. Pois, com a pandemia aprendemos muito. Surgiram aplicativos e plataformas de consulta a distância sem a necessidade de presença para pesquisar no material físico. Empresas aprenderam com o home office ou o modelo híbrido. Dias atrás foi destaque a demissão de 1 mil funcionários que estavam nestas condições num banco de renome no país.
Recentemente,
folheando um jornal de 50 anos atrás notei que deveria tomar total cuidado pois
ao virar de forma rápida o mesmo tenderia a rasgar. Não era este meu propósito.
Se estou folheando um veículo da imprensa local lançado meio século atrás, quem
seria eu nesta ordem? Não queria ser a ferramenta que impediria de tê-lo
conservado por mais e mais anos.
Isso
nos ensina muito. Institutos locais e centros de documentação estão cada vez
mais restritivos com relação às consultas pessoais. Por conta destas condições
e também por ações consideradas como vandalismos, as quais posso enunciar
algumas aqui: o surrupiar de um bem; o recorte de parte da página; ou rasgar a
página toda de um livro, um caderno etc.
Há
receio de abrir documentos originais por vários motivos. Um foi enunciado
acima. Outro é sua conservação. Três pastas encontradas recentemente em nosso
acervo destaca a vida de Antonio Pádua Dutra, tudo muito bem conservado, com
seus telegramas enquanto em terras europeias, assim como suas correspondências
manuscritas um século atrás. Separadas em papel manteiga, estavam fotos da
época. Tudo daria um livro. Se não for inventariado, não pode ser aberto à
população.
Pois,
bem. Há mais de dez anos nas gestões de Pedro Caldari e Vitor Pires Vencovsky,
o IHGP tem se lançado ao mundo digital como forma de facilitar a propagação da
história de Piracicaba. Para isso tem na plataforma Flickr mais de 13 mil
registros fotográficos. O acervo de fotos do Jornal de Piracicaba dos anos 1980
a 2000 aos poucos está sendo disponibilizado. Importante salientar é que todo o
acervo pode ser visto e baixado gratuitamente, em resoluções que vão da versão
web até para a confecção de imensos painéis, como pode ser visto em redes
supermercadistas locais.
Há
o que ser feito. Há muito a ser feito, diga-se. O IHGP tem vídeos e palestras
em plataformas de streaming. Está lançando agora em setembro seu podcast no
Spotify. Em breve terá uma sequência entrevistas no seu videocast. Tudo para
registrar a atualidade para o futuro e resgatar o passado com gente que possui
muito conhecimento.
A
história de Piracicaba remonta 258 anos de vida. Até mais, se formos levar em
conta as expedições que por aqui se aportaram, mas não fincaram raízes, ou as
monções discutidas mas nunca efetivadas pelos povoadores. Não temos toda esta
história. Algumas delas só é possível em consulta presencial em Portugal, para
onde eram enviadas cartas e deliberações em geral para escrutínio da coroa
real.
Assim,
criamos vários públicos que se interessam por um passado longínquo e curioso.
Outro que viveram meados do século passado e lembram muito mais do que nós,
porque conviveram com outras pessoas naquele período. E a geração que vive a
expansão de Piracicaba com, por exemplo, as boates, os parques industriais, os
shoppings centers e aquela memória mais afetiva que ainda povoa nossa
lembrança, sejam elas dos anos 70, 80 ou 90... Ao estarmos no primeiro um
quarto do atual século, cabe lembrar que os anos 2000 já têm uma carga
histórica de passado. Uma carga preciosa a ser preservada e divulgada.
quinta-feira, 11 de setembro de 2025
Tadinho do “seu” Vitório ...
Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Numa
saudade que punge e mata, nos esquecemos do “seu” Vitório. Cancioneiro daqueles
que não existem mais, cujos olhos vibravam enquanto entoava seu violão, que
fazia serestas para doces mulheres que se prostravam nas sacadas das
residências. Sacadas hoje nem existem! Ou estão cercadas por concertinas ou
tiveram instaladas grades.
Vitório
Angelo Cobra foi um resgate que o Instituto Histórico e Geográfico de
Piracicaba fez na sessão comemorativa de seus 58 anos de fundação no último dia
26 de agosto, na Câmara de Vereadores. Fizemos questão que o Hino de Piracicaba
fosse executado por uma antiga gravação conseguida por um LP de 1974. Eis que
na ocasião, a Miss Bicentenário Maria Graziela Victorino França veio e me
confessou: “nos 200 anos de Piracicaba, a Câmara não tinha uma sede e a
solenidade de aniversário ocorreu no palco do Teatro São José; enquanto estava
eu para receber o título de Miss, ao nosso lado estava o ‘seu Cobrinha’ para
tocar este hino”. Foi emocionante para ela na ocasião e foi emocionante ver no
telão da Câmara a voz do “seu” Vitório Angelo estalar seu gogó em letras
marcantes quando se refere a Piracicaba como “cheia de flores, cheia de
encantos”. Por mais que seja uma gravação simples acompanhada de um violão e um
teclado, foi importante este resgate. Isso porque na atualidade, Cobrinha vem
sendo legado ao ostracismo, provocado por plataformas digitais de músicas, por
mídias digitais que sequer pensaram em digitalizar obras locais como do próprio
e referido Vitório Angelo, Pedro Alexandrino, Parafuso e outros seresteiros.
Tal Hino de Piracicaba hoje é acessível e fácil de ser conferido nas vozes de
Craveiro e Cravinho ou Aninha Barros. Novas versões, novas roupagens. Mas, nada
tira o brilho de nosso cancioneiro mor acompanhado muitas vezes no teclado por
Caçulinha. Quem nasceu em 1967 foi presenteado pelo poder público municipal com
um compacto composto por quatro músicas cuja performance foi de Cobrinha,
incluindo tal hino.
Me
lembro nos anos 1990, quando funcionário da Rádio Alvorada AM, ter visitado
Cobrinha em sua residência no Bairro Alto. Titio Luiz, ou Luiz Antonio Cópoli,
não deixava escapar uma. “Pega o carro, vai na casa do Cobrinha e faz uma
entrevista com ele pelo telefone”, dizia. Seu Vitório já estava cansado. Mas
nunca disse não. Faleceu em 1995. Deixou um legado necessariamente a ser
resgatado. Aos 15 anos de idade começou a dedilhar o violão ao lado dos irmãos
Pedro, Salvador, João e Antonio, que formavam o grupo “Choro Cobra”. Foi
pioneiro, pois tal “Piracicaba” chegou a ser gravada por ele e Mariano 93 anos
atrás, em 1932, nos Estúdios da Columbia, em São Paulo, naqueles pesados discos
de 78 rotações. No auge da carreira, foi membro de bandas nas quais estavam,
entre outros, Leandro Guerrini e Francisco Lagreca. Dividiu o microfone com
pesos pesados como Francisco Alves, Silvio Caldas, Orlando Silva e Vicente
Celestino. Só feras!
Em
agosto, numa das idas ao Cemitério da Saudade, parei no bolsão de
estacionamento em frente e fitei por alguns minutos o busto de Cobrinha
empunhando um violão na praça Vitório Angelo Cobra, Cobrinha. No local, de 1981
a 1988 ficou instalado o Monumento ao Soldado Constitucionalista, que retornou
ao seu local de origem na praça José Bonifácio após acórdão com o Supremo
Tribunal Federal. Na praça, lá está Cobrinha no alto do monumento olhando para
o Cemitério e dedilhando para aqueles que hoje não mais estão no meio de nós.
Porém,
o tempo é cruel. Ele acompanha o esquecimento de mãos dadas. O próprio poder
público, que em julho de 1993, instituiu uma Semana em sua homenagem esqueceu
desta festividade. Aproveite a vida, pois na morte, todos tomamos o caminho do
esquecimento. E salve o “seu” Vitório !
quinta-feira, 28 de agosto de 2025
Mensagem para nosso futuro
Edson Rontani Júnior
Jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Não
estou nesta fase, mas preservo as amizades com septuagenários e octogenários.
Essas amizades surgiram 30 ... 40 anos atrás. Talvez mais, talvez menos. Eu
também era mais jovem. Não faço qualquer diferença. Pelo contrário, mais ouço
que falo pois sei que da mente destas pessoas sai muita vivência, história de
um longo passado gostoso de ouvir pois confio em tudo e saboreio cada palavra
dita.
Henrique
Cocenza, escritor e professor na Unimep, escreveu certa feita um livro com o
título “Antes que eu me esqueça”, se não me engano, no início dos anos 1990.
Sábio título. Sábio pois o ser humano por sua natureza tem o dom de esquecer.
Memorizamos apenas aquilo que repetimos sempre. Cocenza colocou no papel
passagens de sua vida as quais tinha medo de esquecer com o passar o tempo. Ele
faleceu, mas sua palavra e seu pensamento permanecem. Eu próprio, quando pego
meus textos de 15 ... 20 anos atrás, estranho algumas passagens. Não me lembro
delas. E fico boquiaberto pensando: “fui eu mesmo quem escreveu isso?” ...
Leandro
Karnal dias atrás publicou na imprensa um imenso artigo de reflexões voltadas
para a sua própria velhice. Mensagens escritas no hoje para ele mesmo daqui 20
anos. O ser humano é mutável, seu pensamento é perecível. É curioso compararmos
o hoje em outros tempos. É como ver um caderno escrito por nós mesmos no
passado. A gente estranha.
Desta
forma, ficam algumas dicas para todos nós seja daqui dez ou 20 anos. Vamos à
elas ?
-
Espero que eu e você em 2045 tenhamos controlado o tempo. Quando jovens temos
tempo, mas falta tudo à nossa volta, desde uma casa, um carro ou o dinheiro.
Queremos comer uma pizza com a namorada mas falta a bufunfa. Quando estamos
ativamente na vida, o tempo nos come tornando os dias curtos achando chato
festas, aniversários, pizzarias, enquanto podíamos estar encolhidos em casa
para tirar o atraso do sono ou daquele “não fazer nada” aos finais de semana.
Devemos ser sábios em domar o tempo e não deixa-lo nos dominar, assim como
devemos aprender com o dinheiro. Não sejamos escravo dele. Tomara que no
futuro, tudo isso aqui faça sentido !
-
Seja sociável. Com o passar do tempo, trocamos o olhar no olho pela revista,
pelo álbum de fotografia, pela televisão e agora pela internet. Mesmo em rodas
de conversa, é comum ver as pessoas sentadas ao nosso lado remexendo o
Instagram num nocivo stalkear para saber o que fulano está fazendo, o que sicrano
está comendo, e assim vai. Isso tem nome, chama-se FOMO, uma síndrome já
tratada como doença. Gostoso mesmo, é jogar baralho, um jogo de tabuleiro,
independente de fazer calor ou chover lá fora. Importante é sentir pessoas ao
seu lado que um dia nos deixarão e, muitas vezes, sem dizer um “te amo” ou um
“tchau”. Espero que entendamos isso no futuro.
-
Não seja teimoso ! Sim. Você e eu não devemos ser teimosos com o passar o
tempo. Parece que isso anda de mão dada na velhice. Semanas atrás estava eu numa
farmácia na rua Governador esperando ser atendido. Repentinamente um barulhão.
Olho para a entrada, um homem caído ao chão. Celular para cá, documentos para
lá e ele estendido no chão com a cara espatifada. Caiu sabe-se lá como. O
erguemos, colocamos numa cadeira e o mesmo começou a reclamar que doía sua
face, a qual começou apresentar sinais de sangramento. Aparentava ser octogenário.
“O senhor quer que avise alguém da família?”, disse minha esposa. A resposta:
“eles não ligam para mim, estão passeando e de nada adianta ligar”. Para mim,
pura teimosia. Sentimos dó, mas notamos um vazio na vida do mesmo num momento
em que quatro ou cinco estranhos o socorreram e o mesmo negava ajuda de pessoas
“sangue do seu sangue”, os familiares que estavam passeando.
Fórmula
boa e fácil não existe. Talvez daqui uma semana eu leia isso tudo e pense que
escrevi a maior besteira. Não sei, talvez leia tudo isso em 2045. Sem pressa,
aliás.
quinta-feira, 7 de agosto de 2025
A sopa para a mosca pousar
Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo
A
teledramaturgia e o cinema parecem estar andando de mãos dadas à qualidade,
coerência e na infinitude de ideias. Pouco antes da pandemia surgiram produções
biográficas sobre expoentes de nossa música popular brasileira, a famosa MPB,
termo que surgiu nos anos 1960 contrapondo à bossa nova. Muitas destas
produções superaram expectativas. Podem não ter rendido o esperado na
bilheteria, mas se destacam como excelentes peças na telona ou no streaming.
Eis
que aparece “Raul Seixas – Eu Sou” lançado em março pela Globoplay e exibido a
partir desta semana em sinal aberto pela TV Globo. São oito episódios que relatam
a vida deste ícone do rock brasileiro e figura inconteste da sociedade
brasileira. Vale destacar que o seriado é mais que Raul, é Ravel Andrade na
pele do personagem principal, numa surpreendente interpretação aliada à
fantasia como os brainstorms com Paulo Coelho na criação de letras das músicas.
A
cada capítulo um espelho crescente como uma opereta maluca na qual sua infância
na Bahia nos leva ao Raul criança, sonhador com extraterrestres, iludido com
livros com conteúdo fantásticos que reverberam Jules Verne, Alexandre Dumas,
Edgard Alan Poe e outros. De terno, gravata e pasta 007, ele perambula pelos
escritórios da CBS do Rio de Janeiro mostrando seu desconforto em ser um
“cidadão respeitado que devia estar alegre e satisfeito por morar em Ipanema”,
como dizia seu hit “Ouro de Tolo”.
O
seriado passa de meados dos anos 1960 até 1989 quando o ídolo morreu aos 44
anos de idade. Tem cenas surreais como a do elevador no qual encontra-se com
Jesus Cristo e Elvis Presley. São ícones de sua fase grã-cavernista na qual procurava
uma sociedade alternativa em plena ditadura militar. Até explicar que esta
sociedade era uma religião e não uma ordem social, houve um hiato imenso, pago,
aliás, por Paulo Coelho, comunista de carteirinha e autor de mirabolantes
letras cantadas pelo mago do rock brasileiro.
É
nesta ligação que cito outras obras do cinema nacional como “Tim Maia” (2014),
“Elis” (2016), “Minha Fama de Mau” (2019). Todos mostram astros ricos,
populares, rodeados de tietes, donos de sucessos musicais, porém presos a drogas
e ao álcool. Raul era mais. Seguia o bordão: “drogas, sexo e rock’n’roll”.
Vivia de festas até com estranhos. Bebia o dia todo além de atirar-se como
corpo e alma no fumo e nas drogas. Mas é inconteste a capacidade de criar
música, arranjos e, principalmente, letras em sucesso que lhe renderam shows e
discos de ouro na época em que eram conquistados a cada 100 mil LPs vendidos.
Subiu rapidamente e caiu rapidamente. Passou a ser contratado com desconfiança
de que não terminaria seus shows de forma sóbria.
Era
um “maluco beleza” no jeito de se vestir. Teve esposas e mulheres, assim como
filhas. “Raul Seixas : Eu Sou” deixa evidente sua necessidade de estar presente
no passado, como espelho ideal de sua vida. O pai ausente que esteve compondo,
tomando suas “biritas” ou procurando seu ego enrustido numa religiosidade
extraorbital. “Carimbador Maluco” foi o início da queda. “Eu gravando uma
música para um programa infantil?”, chega a dizer. Rendeu-se à sociedade
convencional para não morrer de fome.
A
obra merece mais que ser vista e revista. “Raul Seixas: Eu Sou” é uma concepção
concreta de que a teledramaturgia já segue os passos dos seriados americanos
anos dos anos 2000 e 2010 e dos doramas coreanos da atualidade. Ou seja,
estamos em plena sintonia com o streaming mundial ofertando bons produtos,
consumidos facilmente, mesmo que Donald Trumpo invente de taxar nosso cinema e
nossa televisão.
quinta-feira, 3 de julho de 2025
A montanha dos abutres
Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Uma
pessoa curiosa fica presa numa caverna ao procurar relíquias indígenas.
Soterrado, ele tem o auxílio de desconhecidos para se alimentar. Mas as rochas
que caíram sobre ele impedem seu resgate. A história ocorre na cidade de
Albuquerque, estado do Novo México, Estados Unidos. Um jornalista aproveita a
situação para fazer o que se chamou em outras época de “jornalismo marrom”, ou
seja, tirar proveito da situação para alcançar leitura e venda do material
impresso.
Claro
que a época é outra. No caso do curioso a ser resgatado, estamos na virada da
década de 1940, quando os jornais tinham milhões de exemplares por dia, em que
não existia concorrência da televisão muito menos da internet. As pessoas se
informavam com o papel impresso, como este jornal. Um repórter que estava
buscando um “furo jornalístico” e, quem sabe, reascender profissionalmente, vê
no caso da caverna uma chance de brilhar. Como será feito o resgate? A vítima
passa bem? O que ela pensa sobre seu futuro? Tudo era um capítulo atrás do
outro, como vemos em novelas ou seriados. O jornalista nota que isso aumenta a
venda do jornal impresso e eleva seu faturamento publicitário.
Porém,
ele pensa: quando acabar, tudo volta ao normal. Minha reputação retorna à
estaca zero. Meu ganho financeiro, também. Por que, então, nos postergar o
resgate? Assim, ele começa a impedir o avançar da retirada do indivíduo do
buraco.
Este
é o filme “A montanha dos sete abutres”, de 1951, estrelado por Kirk Douglas
como o inescrupuloso jornalista, dirigido pela batuta do polonês Billy Wilder.
Ele foi um dos melhores diretores norte-americanos do cinema. Toda sua carreira
é permeada por sucessos comerciais e filmes que colocam nossa mente em
parafuso.
Bom,
de 1951 para 2025 são 74 anos de distância. A sociedade mudou. O jornal
impresso mudou. O engajamento em mídias digitais é algo contemporâneo que
alterou o meio que vinha numa boa cadência desde os anos 1800.
Dias
passado chegou a nós a informação da publicitária paulistana que caiu na boca
de um vulcão na Indonésia, resgatada dias depois sem vida. Alguma similaridade
com o filme anteriormente citado? Entre sua queda e seu resgate, foram poucos
dias. Mas o engajamento nas mídias sociais mexe com algoritmos que interessam
aos processos midiáticos atuais. Tanto que o assunto ainda é pautado, semanas
depois. No mesmo final de semana, um balão com mais de 20 pessoas pega fogo, em
Praia Grande, Santa Catarina, e eleva os algoritmos digitais.
A
curiosidade do ser humano hoje é guiada por altos e baixos do Instagram, Tik
Tok e outros. A curiosidade em ver “o circo pegar fogo” com os outros é
peculiar do ser humano. Nelson Rodrigues já falava que é mais curioso ver o que
ocorre na esquina de casa do que nos Estados Unidos. Não à toa criou seu
espetacular “O beijo no asfalto”. George Orwell em “1984” ditou regras que hoje
movimentam milhões de dinheiro com a fórmula do “grande irmão”, ou o big
brother como conhecemos. Olhamos pelos canais disponíveis o que as pessoas
fazem trancafiadas numa casa.
O
voyeurismo passou a ser palavra de ordem. Celular na mão e o processo midiático
passando na nossa frente. Risada daqui, comoção dali ... alimentos que movem o
ser humano.
Submarino
russo que submergiu e nunca mais voltou a tona em 2000. Mineiros soterrados no
Chile em 2010. O padre que saiu voando com bexigas. Avião que caiu na Índia em
junho. Avião com o time do Chapecoense que caiu em 2016. Estes são exemplos de recordações
que fixam em nossa mente e nunca mais desgrudam. Precisamos disso?
Assim
como a jovem de 25 anos que caiu na boca de um vulcão indonésio, fica a
reflexão passada por Amir Klink, durante navegação que ele fez em águas
antárticas: o silêncio. Ele é ensurdecedor pois não se ouve nada entre
geleiras. E com isso ele olhou para seu interior e descobriu a solidão fazendo
desta força uma forma de buscar e garantir a vida.


