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domingo, 26 de dezembro de 2021

Corpo de Vigilantes Noturnos de Piracicaba


 

   "O Corpo de Vigilantes Nocturnos de Piracicaba é uma organização que excellentes serviços vem prestando á cidade. Ainda em sua phase inicial, o Corpo de Vigilantes já conta com um effectivo de 20 homens, rigorosamente uniformizados e bem disciplinados.

   O sr. dr. Corino do Espírito Santo, delegado de Policia, bem auxiliado pelo sr. João Pereira Nobre, chefe dos vigilantes, vem desenvolvendo energicos esforços a fim de tornar o Corpo de Vigilantes Nocturnos uma corporação de plena efficiencia e isenta de falhas, quer disciplinares, quer de serviço, argumentando-lhe o numero de homens e melhorando-o sempre até tornar-se uma organização perfeitamente á altura dessa grande necessidade para Piracicaba.

   Na gravura acima vemos o Corpo de Vigilantes quando, ha dias, contava apenas com 15 homens, e sua directoria, composta dos srs. Angelo Palma, André Ferraz Sampaio, Elias Zaidan Maluf e Esmeraldo Müller. No centro, os srs. Ricardo Ferraz de Arruda Pinto, prefeito municipal e dr. Carino do Espírito Santo, delegado de Policia.

   (Jornal de Piracicaba, 5 de fevereiro de 1939)




quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Jornalistas e jornalismo

 

Edson Rontani Júnior, jornalista, vice-presidente do IHGP e tesoureiro da Academia Piracicabana de Letras

 

Houve um tempo em que o profissional de jornalismo era formado “na marra”. Aquele tipo que Kirk Douglas interpretou no clássico “A montanha dos sete abutres”, de Billy Wilder. Douglas era um repórter que postergava o resgate de uma pessoa soterrada em uma mina. Ele tinha a forma de como tirar tal pessoa de lá. Mas, para que tirá-la se isso dava manchete e vendia jornal? Estamos falando de um filme rodado nos anos 1950. A realidade hoje é diferente, mas lembra em muito como a imprensa explorou o caso dos jogadores mirins presos na caverna da Tailândia, em 2018.

No Brasil, a profissão foi regulamentada e tornou-se uma das poucas da área de comunicação social a exigir diploma para ser exercida. Em 2009, cai a obrigatoriedade de diploma para ser jornalista, dividindo a área entre aqueles que obtiveram o registro profissional por decisão judicial e aqueles que são intitulados jornalista profissional, que possuem diploma de graduação.

Porém, nestas escolas – graduação acadêmica e na escola da vida – formaram-se jornalistas de renome como Roberto Marinho, Adolpho Aizen, Samuel Weiner, Carlos Lacerda, José Hamilton Ribeiro, David Nasser, Joel Silveira, João Saldanha (técnico da Seleção Brasileira campeã em 1970) e tantos outros. Na campo internacional, a sabedoria vai além das cadeiras de graduação quando nos referimos da Gay Talese ou os ganhadores do Nobel da Paz 2021, Maria Ressa e Dmitry Muratov.

Essas linhas servem para reverenciar uma mente importante para nosso jornalismo local, falecido na última sexta-feira. Izidoro Polacow nos deixou aos 100 anos de idade. Não vi sequer uma linha sobre sua partida nas mídias e cabe aqui o registro. Confesso que não o conheci, muito menos seu jornalismo praticado nos anos 1960 e 1970. Mas seu nome era comumente citado em casa por meu pai, colaborador dos jornais locais, dentre os quais estava o “Diário de Piracicaba” onde Polacow trabalhou com outros expoentes da mídia local, que escreviam com um olho na máquina de datilografar e outro olho na tesoura (estávamos em pleno andamento dos Atos Institucionais, dentre eles o AI-5). Fizeram jornalismo com maestria, escrevendo notícias que não podiam ser escritas. Até epidemia de sarampo no interior paulista era alvo dos censores. Polacow é elogiado por muitos que fizeram “escola” com ele.

Tivemos nossos mestres que nos ensinaram além da graduação nas faculdades. Ensinaram “na unha” como ter um perfil crítico, imparcial e com responsabilidade. Sebastião Ferraz, Domarco, “Tuca”, Losso Netto, o “pai” de todos jornalistas Cecílio Elias Netto, dentre outros vieram de escolas dos anos 1950 ou 60 numa época em que a imprensa ainda era vista como o quarto poder constituído no Brasil. Muitos amigos, conhecidos, profissionais passaram por aqui, e, assim como outro jornalista que diariamente se diz “velho e cansado”, às vezes falha minha memória nestes 42 anos dedicados ao jornalismo e a história de Piracicaba. A história antes de mais nada precisa ser revista. Ou melhor ... escrita. As gerações vêm e vão. Se a história não é perpetuada, acabamos caindo no esquecimento e cada qual importância possui neste mundo terreno.

Ou como diria nosso decano, o “tio” Cecílio: “quanto mais velho se fica na profissão, mais se repete, mesmo porque leitores antigos vão morrendo, jovens vão chegando e, na verdade, nada há de novo sob o sol”. Vamos em frente ! Bom Natal !

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Piracicaba fantástica

 

Edson Rontani Júnior, jornalista, vice-presidente do IHGP e diretor da Academia Piracicabana de Letras

 

“Não saia na rua a noite senão o ‘ligera’ vai pegar você”. Muitas crianças se assustavam com essa ameaça paterna ou, principalmente, materna. Tal pessoa era conhecida também como andante, pedinte, mendigo ou “o homem do saco”, que pegava as criancinhas, colocava-as em um saco e seguia não se sabe para onde. Falavam que tal figura devorava as crianças. Nos anos 1970, quando cinquentões como eu curtíamos a infância, era um motivo para não sair de casa.

Eis que Waldemar Iglésias Fernandes publica, numa edição pioneira do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), o livro “Lendas e crendices de Piracicaba e outros estados”, datado de 1975, vendido principalmente em jornaleiros e bancas de revistas da cidade. “Bertico”, o Alberto Thomazi, era autor da capa ilustrando um ritual católico diante da morte, presumindo-se ocorrer na época do escravagismo.

Eis que em sua página 21, apresenta-se a história do turco (!!!) que come criança. Xenofobia pura ou preconceito étnico nos dias de hoje. O popular “politicamente incorreto”. Iglésias mostra estupefação ao dizer que os piracicabanos “não simpatizavam com esses civilizados e cultos orientais, vindos de tão longe com língua tão estranha”. Há registros de muitos anos atrás nos jornais de Piracicaba de queixas à polícia por pais aflitos contra os turcos “antropófagos”. Essa é a Piracicaba fantástica, com suas histórias surpreendentes, algo que a torna única diante de outras regiões.

O autor do livro fez um apanhado de lendas e crendices que viajaram o interior do país, oriundas de uma miscigenação cultural, de culturas estrangeiras e nacionais, como aquelas perpetuadas pelos índios. Lembra da tal “cobrona” que virá no final dos tempos comer os pecadores e está com parte do corpo instalado embaixo da matriz de Santo Antonio ? Existem variantes da mesma situação no Amazonas e no Centro-Oeste. Dizem que esta lenda dominou muitos encontros indígenas diante da fogueira instalada ao lado das ocas.

Iglésias nasceu no Bairro Alto. Foi lá que nos anos 1930 brincou na rua, com terra batida, e ouviu muitas dessas culturas compiladas na publicação. Era comum se reunir embaixo dos postes elétricos para contar estórias ...  Época em que a imaginação pegava carona apenas nos livros de Jules Verne. Quando lançado em 1975, as lendas e crendices ainda fazia arrepiar os petizes. A época era outra. Até King Kong, Drácula e Piranha nos faziam pular dos assentos de cinema. O efeito hoje é o mesmo ? Não entremos neste mérito ... Quando adulto, Iglésias fez um abecedário de todas as lendas, crendices e músicas que ouviu “com o precioso socorro dos irmãos e irmãs”, salienta.

Interessante é ver que desde o lançamento do livro até hoje, alguns conceitos mudaram. Como por exemplo, o “véu da noiva” que é confundido com aquela canalização que percorre o Mirante e deságua próximo a ponte pênsil. Na verdade, o véu é a bruma que cobre o leito do rio Piracicaba de madrugada, em determinadas épocas do ano.

O sono do salto, o rio que seca, o coqueiro assombrado, a matriz sobre um vulcão, Nossa Senhora dos Prazeres X Santo Antonio ... São contos acrescidos de vertentes pessoais que Waldemar Iglésias Fernandes nos presenteia neste livro que tem uma necessidade de ser reeditado, haja visto o interesse e sucesso pela “Coleção Lendas de Piracicaba”, livros lançados por Ivana Maria França de Negri ilustrados por sua neta Ana Clara de Negri Kantovitz. “A Cobrona” lançado recentemente na Biblioteca Municipal e outros espaços tem atraíram o interesse dos petizes que ainda não se iniciaram no mundo digital.

Uma ótima pedida para que lendas e crendices não se afastem de nosso tão rico folclore e, tristemente, um dia virem lenda !