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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Televisão em cores e som estéreo

 Edson Rontani Júnior, jornalista e radialista

 

Poucos dão a devida importância à determinados pioneiros e pioneirismos. Digamos que é uma ótima ideia a roda ter sido criada, mas até chegar a ela e descobrir sua funcionalidade, a história é a outra. Não é o propósito aqui discorrer sobre quem inventou a roda, mas recordar dois fatos que pouca gente dará sua devida importância nos dias atuais.

A primeira foi a chegada da cor na televisão brasileira ocorrida há 50 anos, em 1972. Uma revolução para um aparelho que dominaria a vida do brasileiro, regeria horários como o jantar ou a reunião familiar. Foram 22 anos de programas monocromáticos desde que ela surgiu com a TV Tupi em 1950. A TV em cores, uma ostentação cara para a época, era vista como algo sem futuro por outras indústrias como o cinema que se valia de inovações como o technicolor, tela widescreen, cinemascope e o som estéreo. O widescreen chegou a ser filmado com várias câmeras ao mesmo tempo, marcando algo próximo a 180 graus da cena, enquanto a televisão possuía um formato que lembra o quadrado. Era comum até anos atrás, assistir na tv em tubo filmes do cinema em que você só enxergava o meio da tela – se dois atores conversavam um a frente do outro, não apareciam na tela. Isso era o widescreen cinematográfico que hoje cabe na palma da mão de um smartphone.

Em Piracicaba, a festa pelo consumo de tv em cores tomou corpo nos anos 1970. Me lembro de ter assistido jogos da Copa do Mundo de 1974 no televisor Philips com madeiramento de pinho, na casa de minha avó. Era um presente de casamento desejado à época. O ruim era o sinal das repetidoras que proporcionava ruído no som, fantasmas e chuviscos na tela, condições desconhecidas da geração atual, assim como o pulo do LP riscado. Não à toa, sintonizávamos a emissora mais potente, no caso, a Globo.

A partir de então, a televisão moldou a vida do brasileiro. Horários da rotina caseira eram por ela regidos. Não existia o salvar e assistir depois. As reprises ocorriam vários anos depois. Almoçar diante da telinha, jantar antes do jornal da noite, silêncio na sala para ver a novela das 20h30 e assim por diante. Tinha de ser naquele dia e naquele horário. Até festas de aniversário eram interrompidas para ver a novela da noite num capítulo que não acrescentava nada à trama.

Em paralelo à TV, o cinema nos anos 1980 criou o dolby sorround, marca registrada que proporcionava uma fidelidade na música, no diálogo e principalmente nos efeitos especiais. O outro ponto que gostaria de discorrer é o som stereo, que perdeu em dezembro, mas só divulgado no início de fevereiro, seu maior estudioso e empreendedor, John C. Koss, também desconhecido de grande maioria das pessoas. Foi ele quem dedicou sua vida para colaborar na apresentação do som ouvido em duas caixas, ao invés do som monofônico que perpetuou até o início dos anos 1970. O som estéreo separa canais e com isso, isola, vozes, instrumentos e efeitos. Algo hoje que não damos conta quando nos divertimos com um game ou ouvimos um jogo de futebol. O ouvido humano passou a educar-se com a estereofonia ao perceber que o som andava de um lado para o outro no momento em que um ator no cinema perambulava em cena.

Koss foi o empreendedor do fone de ouvido estéreo, dando a possibilidade de transportar músicas e gravações até então restritas a grandes aparelhos fixos. Com seus fones de ouvido, criou um universo ainda hoje usufruído. Chegou a ser unido à televisão para não atrapalhar o/a companheiro/a que dormia ao lado durante as noites de insônia ou durante o “Corujão” da Globo.

São pioneiros e pioneirismo que nos ensinam a pensar como é que surgiu a roda ...

(Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 16 de fevereiro de 2022)


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Quadrinhos para quadrados

 Edson Rontani Júnior, jornalista, membro do IHGP e da Academia Piracicabana de Letras

 

A memória é única. Olho para cima e cumprimento um jovem com feições quase orientais. “Este é o Maurício, o criador da Mônica”, disse alguém ao me apresentar a Maurício de Souza, na primeira metade dos anos 1970. Não dá para forçar muito a memória, pois tinha eu lá pelos meus seis ... sete anos de vida, e o criador da dentuça dos quadrinhos viera de São Paulo visitar meu pai. Ambos trocavam telefonemas e correspondências, como um cortejar pelos traços do velho Edson Rontani. As cartas trocadas foram muitas. Todas catalogadas e guardadas a sete chaves. As assinaturas de Maurício são verdadeiras obras de arte.

Maurício de Souza veio a Piracicaba por diversas vezes. Estava criando uma produtora própria associada à Editora Abril de Victor Civita, depois de atuar alguns anos na imprensa, em especial na Folha de São Paulo. Uma das visitas era para convidar o velho Rontani a compor sua equipe. Convite recusado. Mesmo caminho tomado anos antes quando, no Rio de Janeiro, fora cotado para ocupar uma cadeira na EBAL – Editora Brasil América Ltda., de Adolfo Aizen, a qual publicava os medalhões que hoje pertencem a Marvel e DC Comics, anteriormente distribuídas pelos Syndicates em todo o mundo. Rontani recusou trocar a “Noiva da Colina” pela “Cidade Maravilhosa”, mas deixou um legado de capas (publicadas ou não) com Namor, Spirit, Batman, Superman e outros.

Maurício, Civita, Aizen, Rontani e tantos outros não devem ser esquecidos no Dia Nacional dos Quadrinhos, lembrado esta semana (30 de janeiro), assim como outros grandes expoentes como Ivan Saidenberg, que povoou o imaginário dos quadrinhos, este, porém, na franquia Disney, com seus derivações do Peninha: Peninha Kid, Morcego Vermelho, Pena da Selva, além dos clássicos Mickey, Pato Donald, Pateta e Zé Carioca. Saidenberg nasceu em Piracicaba e faleceu em Santos, atuando no auge dos quadrinhos nacionais (anos 1960) nas editoras Outubro, Taika, Penteado e La Selva, as quais publicaram obras-primas, cujas edições hoje valem peso de ouro.

O dia nacional dos quadrinhos foi criado para homenagear desbravadores que enfrentam as mídias digitais de uma forma brava e constante. Claro que Piracicaba foi celeiro para muitos desenhistas (Lancast, os irmãos San Juan, Spadotto, Hussar, Edu Grosso, Longo, Douglas Mayer, e muitos outros resgatados por Adolpho Queiroz nas duas edições de “Piracartum”). Tem um salão internacional que premia aqueles que se dedicam às tiras, de onde vieram os principais personagens dos quadrinhos e do cinema.

“Para ler pato Donald” foi um dos primeiros itens teóricos a criar o negacionismo nas HQs. Todo mundo ria com Mickey. Todos riam com Pica-Pau. Mas, houve filósofos que viam nas gags apresentadas uma mensagem subliminar para dominar o coletivo. Ué ... As mídias digitais não ditam estas regras atualmente ?!? A obra questionava a democratização da liberdade. Algo para se reler, rever e repensar, numa época em que antigos pensamentos se atualizam, como Dale Carnegie que ainda aparece entre os mais vendidos com seu “Como fazer amigos e influenciar pessoas” escrito há 86 anos atrás.

Já Marcelo Maiolo e Rafael de Latorre são artistas renomados internacionalmente. Dedicaram muito à DC e à Marvel, com obras publicadas nos EUA, África do Sul e outros países. Trabalham à distância. Facilidade que não tínhamos quando Maurício de Souza veio a Piracicaba nos anos 1970, obrigando o presencial e impedindo o celeiro de criadores crescer. E viva Angelo Agostini, homenageado por este dia nacional dos quadrinhos !

(Artigo publicado no "Jornal de Piracicaba" de 02 de fevereiro de 2022 e na "Tribuna Piracicabana" de 04 de fevereiro de 2022)