Páginas

sábado, 31 de dezembro de 2022

A Piracicaba de 2022

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Olhar para o passado. É nisso que este artigo se propõe. No passado podíamos tentar enxergar o presente. Pelo menos é o que se propôs o professor Honorato Faustino, quando, em 1922, teve a ideia de criar uma cápsula do tempo. Instalada no centenário da independência brasileira e acoplada à parede da hoje Escola Estadual Sud Mennucci, ela manteve-se intacta – uma caixa de cobre – por cem anos.

Seu teor foi revelado em 15 de novembro passado, no auditório do Museu Prudente de Moraes, embora ela tivesse sido retirada do local depositado no feriado anterior, 7 de setembro. Na revelação, os presentes acompanharam momentos preciosos como as palavras de Roberto Faustino, bisneto de Honorato, que emocionou a todos ao contar que sua alfabetização começou antes dele frequentar as cadeiras escolares, lendo e decorando um livro que seu bisavô fez com o alfabeto e imagens, para as crianças assimilarem cada vogal e cada consoante. Outros se deleitaram com o violino de Luis Fernando Fischer Dutra que executou pela primeira vez uma composição de seu bisavô Benedito Dutra Teixeira enclausurada por 100 anos na cápsula. Ocorreram outros momentos, como a fala de Carlos Beltrame sobre a carta de seu avô, professor da então Escola Complementar, ou algumas leituras feitas pelo historiador Maurício Beraldo, sendo muitos relatos pessoais de alunos, professores e membros da comunidade piracicabana de 1922.

Piracicaba respirava ares pós Primeira Guerra Mundial e saía aos poucos da pandemia da gripe espanhola. Aliás, nesta convulsão sanitária, cabe ressaltar que a Escola Sud Menucci serviu de hospital de campana para as dezenas de pessoas afetadas pelo vírus influenza entre 1918 e 19.

Foram mais de 600 documentos colocados na cápsula. Isso mostra a força que possui o papel. Dentre tantos outros meios é o que mais resiste com o tempo, seja em décadas, séculos ou milênios. Boa parte já foi catalogada e está sendo gradualmente divulgada pelo setor de Gestão e Documentação e Arquivo da Câmara de Vereadores de Piracicaba, através das mídias sociais.

Dentre as cartas lidas por Beraldo uma me chamou a atenção. Uma pequena jovem dizia que a cidade estava em polvorosa com a vinda de aeroplanos (o primeiro avião que aqui pousou veio em 1º de maio de 1922) e a inauguração da Estação da E. F. Paulista. Ela mandava seu recado esperando que em 2022 a cidade tivesse muito mais aviões pelos céus, bondes e trens pelas ruas e que os jornais pudessem ter uma circulação de 90 mil exemplares para informar a cidade. Piracicaba contava com cerca de 30 mil habitantes na ocasião. Os desejos acabaram não atendidos com o passar do tempo ...

A cápsula tenha receita do dr. Honorato – além de professor, ele era médico – para acalmar os nervosos. Também foram deixadas fotografias inéditas até novembro passado. Muitas delas curiosas. Uma das cartas escritas pela jovem Aracy de Almeida comenta sobre a moda do piracicabano que, a exemplo do resto do país, tinha forte influência da França (o inglês só teve sua participação cotidiana no Brasil após a Segunda Guerra Mundial), na qual predominavam vestido longo para mulheres e ternos para os homens enfrentarem o calor que por aqui ultrapassa aos 35 graus em pleno verão !

Raridade foi encontrar um original de Archimedes Dutra na cápsula, em papel timbrado da escola com o esboço do perfil de um crânio. Como deve ter se deliciado os historiadores ao abrirem esta caixa !!!

Piracicaba respirava ares cosmopolitas em 1922, equiparando-se a Nova Iorque ou Rio de Janeiro. Pelo menos é o que diz carta de Alzira de Souza Gabbi (4º ano), endereçada ao atual prefeito da cidade, encerrando com uma interrogação: “conterrâneos de 2022! A fantasia idealizada pela minha imaginação ter-se á realizado? Oxalá que sim!”.

O presente está aí. Que tal comparar com o que era esperado cem anos atrás ? Boas festas de virada de ano !  

Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 28 de dezembro de 2022

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Fantasmas do passado e do presente

* Edson Rontani Júnior

Acordo assustado com o primeiro badalar da madrugada do sino da Catedral de Santo Antonio. Ensonado, abro os olhos. Vejo uma presença estranha em meu quarto. “Que faço?”, pensei. Será que eu continuava dormindo ou isso fazia parte real do meu sonho?

“Olá ! Sou o espírito do Natal passado”, me disse numa voz lânguida. Pronto ! Estava eu viajando nas páginas do clássico de Charles Dickens quando, de forma nada sorrateira, o Natal passado me leva lá por volta de 1690. “Aqui é a cidade que vocês no futuro chamarão de Piracicaba”. Estranho tudo. Era só matagal. Sesmaria dada a Pedro de Morais Cavalvanti que nunca ocupou a região. Passeamos pelo lado direito de um rio. A natureza em sua mais bela exuberância. Animais e mato. Sem a presença do ser humano. Por décadas a região ficou assim, ora servindo de entreposto por aqueles que buscam destinos como Itu ou as minas de ouro de Cuiabá, entre outros.

Num grande salto, o fantasma passado me leva para quase 50 anos depois. Era 1767. Encontro-me com um certo capitão denominado de povoador. Homem ranzinza, bravo e autoritário. Estava em briga com os religiosos. Tentava habitar uma vila.

Evidente que ninguém podia nos ver. Nem eu nem o fantasma do passado. Me senti como se fosse o próprio Ebenezer Scrooge, quando a nossa frente passa Antonio Pacheco da Silva, sargento-mor de Itu, com uma lista feita a mão, talvez escrita com bico de pena, com aquelas tintas que borram com o simples passar dos braços suados. Foi aí que descobri para o que servia o “mata-borrão”... Pacheco se aproxima e conversa com o capitão, um tal de Antonio Correia Barbosa: vos lhe apresento o censo de Piracicaba: “crianças do sexo masculino desde a primeira idade até 7 anos = 37; crianças do sexo feminino da mesma idade = 26; rapazes desde 7 anos até 15 = 21; raparigas desde 7 até 14 = 17; homens desde 15 a 60 = 61; mulheres de 14 até 50 anos = 61; velhos de 60 anos para cima = 3; velhas de 50 anos para cima = 5. Total - 231 habitantes. Fogos (casas) – 45”.

Rapidamente, voamos por décadas mais tarde e vemos a cidade receber a denominação de Vila Nova da Constituição. Justa – na época – homenagem à Coroa Portuguesa que elaborava nova Constituição para o país ibérico. Como o tempo e o espaço eram curtos naquela noite, o fantasma do passado me apresenta uma série de fatos e pessoas as quais não conheci fisicamente mas ouvi muito falar e cujas histórias li em algum lugar ... Luiz Dias Gonzaga, Honorato Faustino, Mario Dedini, Luciano Guidotti, Mazzola, Alberto Vollet Sachs, Caetano Rosa, Castro  Mendes, os Dutra, os Chiarini, os Gurerrini, alguns barões ... Me apresentou até o primeiro prefeito da cidade, um tal de José Machado, que não tem nada a ver com aquele que você está pensando .... Tanta gente que fez parte da cidade, semeou um campo fértil do qual muitos hoje desfrutam.

Bléim, bléim ... Acordo assustado novamente. O segundo badalar da madrugada me assusta. Pensei que tudo tivesse sido um sonho. Viro o rosto para o criado-mudo e vejo uma figura, tipo bonachão sentada. Pensei ser o fantasma da Natal presente. “Sou o fantasma do Natal presente”, disse. Eita madrugada longa ! Cadê aquele matagal no entorno do rio ? Cadê aquela vastidão verde que vi com o fantasma passado? “O ser humano ... Mais de 90% daquela mata foi consumida pelo ser humano nestes 255 anos”. Me calo. A consciência dói. Talvez por isso que faz tanto calor na cidade, como bem atestamos no dia a dia. Dos 231 habitantes vamos para quase 420 mil pessoas na cidade. Outras coisas me foram apresentadas pelo fantasma do presente. Prefiro ficar quieto, pois ainda estava ensonado e não sabia se aquilo era realidade ou estava eu em devaneios pelos braços de Morfeu...

Caio no sono de novo. Terceiro badalar do sino da Catedral. “Pronto ! Lá vem o fantasma do futuro”, pensei. Enfio a cabeça embaixo do travesseiro e me recuso a levantar. Afinal, futuro a gente constrói ... ou foge dele ...

Publicado no Jornal de Piracicaba em 14 de dezembro de 2022 e na Tribuna Piracicabana de 24 de dezembro de 2022

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Memórias de infância

Edson Rontani Júnior, jornalista

 

Nada como ter sido criança nos anos 1970 e não esquecer a doce recordação que traz Piracicaba daquela época. São várias as lembranças e a nostalgia floresce à memória. Uma das lembranças, por exemplo, é a loja do seu Passarela, situada ao lado do Cine Politeama, em plena praça José Bonifácio, próximo à esquina com a rua Moraes Barros. Era o Willy Wonka piracicabano. E não apenas de chocolates, mas com imensos baleiros em várias prateleiras, com todo tipo de guloseimas que comprávamos antes de ver um filme na telona.

Foi tradição nesta mesma década o passeio às lojas da rua Governador Pedro de Toledo. As vitrines geravam concursos de decoração, comunicação assertiva e atraíam as famílias nas tardes de sábado que as visitavam para conhecer as novidades da moda ou dos eletrodomésticos. Havia até o segurança responsável por baixar suas grades como também os desenhistas que faziam do vidro sua tela. As lojas tinham um vão onde o consumidor circulava mesmo com as lojas fechadas. Às 21 horas, cerravam-se estas portas. Antes de voltar para a casa, era possível, nos tempos mais frios, comprar pinhão quente vendido numa das equinas que minha memória recorda ser nas proximidades da rua Pudente de Moraes, em frente ao Clube Cristóvão Colombo.

“O ‘seu’ Armintos recebeu novos brinquedos...”. Creio ter ouvido isso lá por volta de 1975 ... 76 ... O dono da Casa Raya estava sempre à busca de novidades para o dia das crianças e para o Natal. Sua loja, a Casa Raya, situava-se ao lado da sede do Jornal de Piracicaba, na rua Moraes Barros. Lá por volta de 1974 tornou-se icônico o Papai Noel colocado em uma bicicleta ergométrica pedalando através de um mecanismo inovador para a cidade. Muita gente ia fazer suas apostas de loterias e levava os petizes para admirar o velho São Nicolau. Anos depois, o “seu” Armintos construiu uma loja atrativa para os olhos das crianças e nem tanto assim para os bolsos dos pais. Situava-se bem em frente a sede anterior, na própria Moraes, onde encontra-se hoje o estacionamento do Santander. Ali foi que ganhamos um rema-rema, brinquedo de locomoção que em muito ajudava o desenvolvimento muscular e respiratório das crianças. Os mais antigos devem ter à mente o que era este brinquedo enquanto os mais jovens poderão matar a curiosidade através de um buscador de internet. Brinquedo simples, que entretia, estimulava hábitos saudáveis e competições, mas totalmente sem as exigências de segurança de hoje em dia (não possuía nem freio!).

A infância era melhor ? Não posso afirmar. Eram outros tempos. Era um tempo em que o Natal era esperado para se ganhar uma espingarda destinada às crianças e que com uma leve pressão soltava uma rolha alocada em sua ponta e presa por um barbante. Tempos em que não tínhamos shopping center nem celular. A distração era a rua. E com segurança. Disputas de bolinha de gude ou andar de rolimã. Andar de bicicleta era um dos atrativos, com bicicletas básicas, e, muitas vezes sem marcha para facilitar o pedalar.

Em 1980, com a elaboração do calçadão na praça José Bonifácio, o poder público passa a criar a ocupação daquela área que anteriormente servia para a circulação e estacionamento de veículos. Foram criados os “Domingões” pela COOTUR – Coordenadoria de Turismo. Aos domingos de manhã e tarde, monitores da secretaria faziam atividades físicas, promoviam disputas de xadrez e outras ações, hoje desenvolvidas em locais como a Estação da Paulista e Parque da Rua do Porto. Outra opção me vem à memória eram as “sessões zigue-zague” do Cine Rivoli, com meia dúzia de curtas do Tom & Jerry e outros personagens.

O tempo mudou. A evolução trouxe a mutação natural da sociedade. Os dias são outros. Nostalgia é algo de quem tem certa idade e vivência, mas nunca deixa de ter um espírito infantil. Se você é assim ... feliz dia, criança !

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 12/10/2022 e na Tribuna Piracicabana de 15/10/2022)


quarta-feira, 5 de outubro de 2022

A Foto e a História vira livro impresso

O blog "A foto e a história - Piracicaba Antiga" acabou virando livro. O blog segue a coluna de mesmo nome publicada todo sábado, desde 2006, nas páginas do jornal A Tribuna Piracicabana. Este blog virou fan page no Facebook, perfil no Instagram, canal no YouTube e agora teve uma coletânea em livro impresso publicado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba.

O lançamento do livro ocorreu no auditório Helena Rovay Benetton do Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes, na noite de 21 de julho de 2022. Cerca de 160 pessoas compareceram. 

A solenidade foi apresentada pelo cerimonialista Alexandre Neder, que chamou para compor a mesa o autor da obra jornalista Edson Rontani Júnior, a vice-presidente do IHGP professor Valdiza Maria Capranico e o editor da Tribuna Piracicabana jornalista Evaldo Augusto Vicente.

Valdiza fez as apresentações da noite. Evaldo Vicente comentou sobre a coluna e o autor. Edson Rontani Júnior fez uma explanação sobre a história da fotografia e com ela o desejo do homem de eternizar aquele momento vivido em determinada situação. Também ocupou a palavra o arquiteto Walter Naime.

O livro foi distribuído em sua totalidade esgotando-se naquela noite.

 







domingo, 2 de outubro de 2022

Efemérides

 

Edson Rontani Júnior, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

Foram muitas as idas, lá nos anos 1970, à Farmácia do Povo, à Agência de Revista Cury e Agência Gianetti buscar os famosos almanaques anuais. As três empresas aliás, ficavam próximas uma da outra, num raio máximo de 300 metros, perto ou na própria praça José Bonifácio. Essas idas hoje vivem presas ao passado.

Mas isso era motivo de uma incansável busca para matar a curiosidade ao estilo de conhecimentos gerais, diferente do que temos hoje com o buscador Google que nos traz tudo mastigado, sem esforço ou coloquemos a “massa cinzenta” para trabalhar, motivando à época um raciocínio aprofundado que hoje é jogado à berlinda.

Os almanaques de farmácia traziam as fases da lua, a época cerca de pescar, o que plantar em determinado mês, dias propícios para cortar cabelo e muitas anedotas. Santa ingenuidade ! Algo que hoje não faria arrepiar nem os pelinhos do braço de uma criança. Mas os mais vividos terão, com certeza, um ar de nostalgia ao lembrar do cheio da tinta destes almanaques. Digamos assim, era uma cultura inútil, mas gostosa de se cultivar.

Com o passar do tempo, o chiclete passou a perder o sabor, o cheiro de pastel nos enjoa, o saudosismo passa a ser uma folha do diário a cada amanhecer, as dores começam a aparecer e as idas à farmácia são mais constantes. Deixo claro aqui que estas idas são para comprar remédio, pois nem mais existem os almanaques que aqui relato. Aliás, muita gente era envolvida em sua confecção. Desde grandes pensadores como Sérgio Porto até Aurélio Buarque de Hollanda, entre outros. “O Guia dos Curiosos”, de Marcelo Duarte, reviveu isso nos anos 1990. Teve reedições e até site para aprimorar o antigo conhecimento analógico ao mundo digital.

Muitas destas curiosidades foram estampadas nas páginas deste JP de 1989 a 1997 e depois de 2002 a 2008 com a curiosa página “Você Sabia?” veiculada no suplemento infantil “Jornalzinho”. Esta memória ainda hoje permanece viva para muitas pessoas.

Piracicaba, em seus 255 anos, também teve curiosos que registraram efemérides, fatos ocorridos diariamente numa vida individual ou social. Curioso é ver como no passado,  nos relacionávamos e como fatos chulos mereciam ser registrados.

Com outubro chegando, consegui separar alguns desses fatos antigos registrados neste mês e por alguém anotados num caderno. Vamos a eles.

- No dia 4 de outubro, em 1841, nasce Prudente José de Moraes Barros, depois doutor e primeiro cidadão civil que ocupou a presidência da República.

- Em 1869, no dia 28, chega de Itú um trole (carroça) para Gabriel Eugenio de Camargo. Segundo o "Almanak de Piracicaba para o Anno de 1900", nesta época a notícia parece ser irônica, sendo que Piracicaba é que "exportava", então, os troles para Itú.

- Dia 29 de outubro de 1873, infelizmente morreu o cavalo que a prazo de casamento comprou o dr. Melchert para Bento Barreto.

- Dia 11 de outubro de 1876 surge "O Piracicabano", jornal de Joaquim Moreira Coelho.

- 27 de outubro de 1889 inaugura-se a linha telefônica para Rio das Pedras.

- Em 4 de outubro de 1894, parte para o Rio de Janeiro o dr. Prudente de Moraes para assumir a presidência da República.

- Dia 27 de outubro de 1895, no jardim público (Praça José Bonifácio), houve um tiroteio. Mas, felizmente erraram o alvo, segundo o "Almanak de Piracicaba para o Anno de 1900". Nenhum detalhe a mais.

- Em 1898, dia 4, inaugura-se o trabalho de esgoto da cidade na Rua do Porto.

E assim por diante. “Bora” escrever a história no dia de hoje ?!?

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Como era verde o meu vale

 * por Edson Rontani Júnior, jornalista

 

“Como era verde o meu vale”, de John Ford. premiado em 1942 com o Oscar de melhor filme, sempre foi um de meus filmes preferidos. Na minha infância e adolescência, um de meus sonhos era assistir filmes preto e branco na telona do cinema, para notar detalhes que a televisão não proporcionava.

Aficionado pela sétima arte, sempre alimentei uma paixão de assistir obras clássicas às quais tinha que me privar do sono e passar madrugadas diante das “sessões corujas”

Me lembro que nos anos 70 e início dos anos 80 Piracicaba me proporcionou ver obras até então acessíveis apenas em cinemas.

Me lembro das idas ao Cine Politeama, situado em plena Praça José Bonifácio, onde hoje encontra-se o estacionamento do Bradesco. O rememorar não cheira a pipoca ou Coca-Cola que hoje infestam os cinemas. Aliás, refrigerante só entrou na sala dos cinemas em Piracicaba na segunda metade dos anos 80. Antes, tínhamos de nos contentar com a água encanada do bebedouro e algumas balinhas. Me recordo como se fosse hoje o cheiro das revistas novinhas que a criançada comprava antes das sessões na Banca de Revistas do Gianetti, situada embaixo da Rádio Difusora. Outra nostalgia que ainda hoje me remonta é o cheiro da doceria do “seu” Passarela, situada onde hoje está a porta de entrada do Banco Itaú. Ficava maravilhado com tantos baleiros de vidro, tantas guloseimas…

Me recordo de algumas passagens que o Politeama proporcionou na infância, pois foi ali que nos anos 70 fui testemunha da composição de “Os Trapalhões” iniciando-se com a dupla Dedé e Didi e finalizando-se como quarteto auxiliado pelo Mussum e pelo Zacarias. Foi lá também que vi o “rei” Roberto Carlos correndo a 300 km por hora ou em busca do diamante cor de rosa.

Nesta época, a Praça José Bonifácio era o ponto de lazer do piracicabano. Era o nosso “shopping center”. Nos anos de 1980 e 1981, quando foi realizado o calçadão da Praça, quem não chegou a andar de bicicleta, jogar pingue-pongue ou xadrez no “Domingão” organizado pela Coordenadoria de Turismo (COOTUR) ?

O Politeama também me frustrou, pois, se não me engano, em 1977, fui assistir ao filme “Sansão e Dalila” - isso mesmo, aquele com o Vitor Mature de 1949! - e o bilheteiro não me deixou entrar por considerar o filme impróprio para uma criança ! “Em que uma história bíblica pode ferir a ingenuidade de uma criança de dez anos?”, pensei ?

Afora do meu tempo, acredito que ocorreu no início dos anos 60, uma história clássica que muitos piracicabanos já ouviram, quando alunos da ESALQ levaram um corvo em uma sacola de compras e, durante a exibição do filme, o soltaram no Politeama. Se é lenda ou não, eu não sei dizer. Não estava lá para confirmar. Mas, sei que o filme parou e foi uma arruaça para pegar a ave, a qual só foi dominada quando caiu ao lado da tela de exibição.

O Politeama se foi. Tínhamos o Cine Rívoli, na rua Benjamin Constant, como a maior sala da cidade. Foi lá também que vi os primeiros filmes de sagas como “De Volta para o Futuro” e “Indiana Jones”, nos anos 80.

Ver filmes clássicos na grande tela continuava sendo minha obsessão. Só consegui matar esta vontade, acredito que entre 1982 e 1983, quando foi reinaugurado o Cine Broadway, na rua São José, ao lado do atual PoupaTempo Estadual. Me lembro que, quando reinaugurado, a cidade toda foi assistir ao filme “A Lagoa Azul”, o filme mais água com açúcar da época, que emocionou plateias em todo o mundo.

São saudades de um tempo que não volta mais. Nos cines Paulistinha ou Colonial nunca pisei. Cheguei a ir aos saudosos Cine Arte (no Teatro Municipal) e ao Cine Center 1 e 2 do Shopping Piracicaba.

Os tempos hoje são outros. É … Como era verde o meu vale …

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Jornal de Piracicaba - 122 anos

 Edson Rontani Júnior, leitor do Jornal de Piracicaba desde os anos 1970


O primeiro contato que tive com um jornal foi em meados dos anos 1970. O mesmo foi por mim criado quando ainda criança, em mimeógrafo a álcool e distribuído entre os familiares. Na segunda metade da mesma década, a vida profissional se aproximava de forma tímida. Passei a colaborar com o suplemento infantil de um jornal local que teve vida curta.

No início dos anos 1980, na Escola Estadual Jorge Coury um professor queria incentivar a leitura. E a lição de casa era trazer, toda segunda-feira, na primeira aula que começava às 7h10, o resumo de uma matéria jornalística publicada no final de semana num dos jornais da cidade. Confesso que aquilo era considerado um martírio para mim, por pura preguiça e dificuldade de escrever. Com o passar dos tempos percebi que aquilo era uma fisioterapia mental, que proporcionava viajar para locais nunca imaginados, expandir a mente e propiciar leitura e uma escrita concisas. O professor, para tirar a timidez dos jovens na faixa de 12 anos, escolhia alguns alunos e os chamava à frente da sala solicitando que estes lessem um resumo do artigo. O coração acelerava. Hoje sou grato ao doutor Orlando Veneziano, advogado e presidente do Lar dos Velhinhos, por ter dado este empurrão que trilhou meu destino profissional no qual abracei o jornalismo.

O Jornal de Piracicaba passa, então, a ser uma leitura obrigatória para mim. Os artigos que eu lia e resumia vinham deste matutino que completa 122 anos de atividade.

Em 1983, ainda pré-adolescente, fui chamado pela dona Antonietta Rosalina da Cunha Losso Pedroso para ocupar uma vaga no matutino. Apreensão ! Alegria ! Euforia ! Em sua sala situada no prédio da Moraes Barros, dona Antonietta pede para eu afiar o bico de pena e assumir uma prancheta de desenho. “Epa !”, pensei. “Dona Antonietta: é para eu desenhar?”. A resposta: “claro, você não é filho do Edson Rontani, o desenhista?”. Bom, refleti muito e discordei do ditado que “filho de peixe, peixinho é”, pois a única iniciação artística que tive foi em duas medíocres telas a óleo em um curso oferecido gratuitamente no Mobral, então na Tiradentes, perto da creche onde hoje está a praça da Biblioteca Municipal. Bola prá frente.

Anos depois, já trabalhando profissionalmente em comunicação, veio a ordem do gerente Luis Gonzaga Hercoton, para que fizéssemos uma programação suave e sem agressividade nas ondas das rádios Difusora AM e FM, pois falecera o doutor Losso Netto, defensor por anos do jornalismo aqui estampado. Uma perda que parou Piracicaba.

Mais tarde, o JP volta a cruzar minha vida. Ganhei com minha equipe o Prêmio Losso Netto de Jornalismo no Curso de Comunicação Social da Unimep categoria rádio. Um orgulho.

Semana passada numa bicicletaria, o atendente confunde os Rontani e disse-me que lia muito meus desenhos no JP. Ficou impregnado na história da família e da sociedade a coluna “Você Sabia?” publicada inicialmente aos domingos no “Jornalzinho”, suplemento infantil, num gentil convite feito em 1990 pelo Marcelo Batuíra. Houve um rapaz que muitos anos atrás instalou uma parabólica em casa e me agradeceu pois tinha tirado uma boa nota na escola com base nas curiosidades que ele leu nesta coluna. Até explicar a diferença entre Alexandre Dumas e Alexandre Dumas Filho, o abismo era grande ... Esse reconhecimento funciona como uma herança que carrego com muito orgulho, pois, o velho Rontani já se foi há 25 anos atrás e a memória perpetuada por estas páginas é uma dádiva intangível. Aliás, foi nestas páginas que o velho Rontani iniciou carreira como publicitário e desenhista com seus desenhos sendo publicados em 1952, quando estreou o Nhô Quim do XV de Novembro desenhando-a até falecer em 1997.

Completar estes 122 anos é motivo de festa. É manter uma marca consolidada e notória mais que no jornalismo e na comunicação, na vida de nossa sociedade. Parabéns !

(publicado no jornal de Piracicaba de 03/08/2023)


terça-feira, 26 de julho de 2022

Retratos e retratistas

 * Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Houve um tempo em que as famílias se reuniam para ver “retratos”. Também houve um tempo em que as famílias registravam seus piqueniques na ESALQ com “retratos”. E esses retratos não eram instantâneos. Demoravam dias para serem revelados. Iam para São Paulo onde concentravam as grandes máquinas de revelação. Isso foi nos anos 1960 e 70. Já nos anos 80, a evolução chega a Piracicaba através de famosas redes e as fotografias tinham seus negativos revelados em ampliados em nossa terra. Você levava numa loja, dava um passeio e em uma hora estava pronto. E levava um álbum de cortesia. A agonia pela espera terminava aqui e começava o horror ao ver fotografias borradas, tremidas, fora de foco ou de pessoas com os olhos fechados ou boca aberta.

Tudo isso soa de forma estranha no mundo moderno em que vemos na tela do celular o resultado de uma foto. Tão estranho quanto falar para a geração atual o que é um LP pulando ou sobre o som de um disco riscado.

Já são quase 200 anos que a fotografia foi inventada pelos franceses. Chegou ao Brasil pelos europeus e dom Pedro 2° foi seu grande incentivador. Piracicaba nunca ficou distante dos “retratos” e dos retratistas. João Cozzo é considerado como um dos importantes fotógrafos paisagistas da cidade, tendo criado dezenas de cartões-postais com cenários da cidade. Suas fotos possuíam assinatura, tal qual um artista plástico faz com sua tela a óleo. Cartões-postais, aliás, formaram colecionadores, recordações e fizeram negócio em todo o mundo. A Foto Rápido Cozzo, já em meados do século passado, era uma empresa de revelações expressas de filmes fotográficos. Mas, não tão rápidas como as que me referi no início do texto. Não demoravam tanto quanto a tal uma semana para ir a São Paulo e retornar. Cabe lembrar que o processo era manual e o filme era monocromático.

Contribuiu em muito para o surgimento de fotógrafos profissionais a mudança tecnológica de impressão de jornais. Até o início dos anos 70 as fotos precisavam virar peça de clicheria, grandes carimbos de metal que formavam a prensa e davam o resultado final no papel jornal.

Já nos anos 50 e 60, a cidade possuía renomados profissionais como Cantarelli, Lacorte, Isolino Nascimento, Idálio Filetti e Cícero Correa dos Santos. Cobriam os fatos na imprensa e também atuavam como retratistas de eventos sociais de forma particular.  Foram os magos da inovação química, com retoques feitos com pincel, coloriram fotos preto e branco, embaçavam o que aparecia em segundo plano e recortavam objetos indesejados captados pela angulação ou foco.

Os jornais passam a ter novas gerações nos anos 70 e 80 como Henrique Spavieri, Pauléo (cuja foto de Chico Mendes visitando o CENA é icônica e foi uma das últimas antes do ecologista ser assassinado), Christiano Diehl Neto, Davi Negri, Diógenes Banzatto e outros que a memória não me deixa recordar. Nos anos 90, ainda a imprensa, nos proporciona presenças como Bolly Vieira, Marcelo Germano, Alessandro Maschio, os irmãos Victor (Haroldo e Aristeu), Claudinho Coradini, Matheus Medeiros e tantos outros. Alguns destes começaram bem antes na profissão. Como disse, a memória falha, mas não deixo de registrar também a contribuição dos retratistas Antonio Trivelin, Del Rodrigues e das Isabela Borghesi e Amanda Vieira – que representam o universo feminino na arte da fotografia.

E com a ação destes fotógrafos a memória “retratista” nunca morre e permanece registrando a história de Piracicaba.

(Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 20 de julho de 2022 e na Tribuna Piracicabana de 28 de julho de 2022)

domingo, 17 de julho de 2022

Piracicaba Antiga – livro resgata passagens da cidade



O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP) lança na quinta-feira, 21 de julho, o livro “A Foto e a História - Piracicaba Antiga”, de autoria do jornalista Edson Rontani Júnior, presidente da entidade. A obra reproduz cerca de 100 fotografias históricas de Piracicaba acompanhadas de um breve texto sobre seu significado histórico.

O livro é uma coletânea da coluna “A foto e a história” publicada por Rontani desde 2006, os sábados, no jornal Tribuna Piracicabana. Tal coluna recebeu, em 2009, o Prêmio Garcia Netto de Comunicação – Categoria Documentário Jornalístico, outorgado pela Câmara de Vereadores de Piracicaba em parceria com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Em 2008 virou blog e depois fan page no Facebook e perfil no Instagram.

Rontani conta que a ideia da coluna veio em decorrência de centenas de fotografias antigas que possuía e achava interessante contar a história envolvendo cenários como a sociedade, o esporte, artes e outros setores de Piracicaba. As fotografias reproduzidas dão ênfase ao século passado, como a arquibancada do Estádio Dr. Koch, na Vila Rezende, dos anos 1940 de autoria de Idálio Filetti. O livro também relata curiosidades como a visita do escritor Rudyard Kipling a Piracicaba, no início do século passado, quando foi recebido no Palacete de Luiz de Queiróz. Kipling, de origem britânica, foi autor de livros como “Mogli” e “O homem que queria ser rei”, além de ter recebido o Nobel da Literatura em 1907.

“Quando criança, lia muito a revista ‘Fatos e Fotos’, publicada pela Editora Bloch, na qual passávamos vários minutos nos deleitando com os detalhes das fotografias, acompanhada de uma breve legenda explicando do que se tratava tal fato”, diz Rontani. Em época de leitura rápida, o autor uniu fotos e textos curtos que contam a história de Piracicaba através de fatos curiosos.

O lançamento contará com a presença do jornalista Evaldo Vicente, editor da Tribuna Piracicabana além de uma palestra sobre os fotógrafos de Piracicaba como Izolino Nascimento, Cantarelli, Cícero Correia dos Santos, Idálio Filetti, Henrique Spavieri e outros profissionais que cobriram jornalisticamente a cidade durante o século passado.

Edson Rontani Júnior, autor do livro


Serviço – Lançamento do livro “A foto e a história – Piracicaba”, de Edson Rontani Júnior. Dia 21 de julho, quinta-feira, às 19h30 no Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes (Rua Santo Antonio, 641 – Centro). Distribuição gratuita limitada a 100 exemplares por ordem de chegada (um exemplar por CPF).  Apoio: Prefeitura Piracicaba, Secretaria Municipal de Cultura e Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes.


quarta-feira, 6 de julho de 2022

Viver para morrer aos 17 anos

 Edson Rontani Júnior – presidente da Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e estudioso da Revolução de 1932

 

- Tem saúde. É jovem. Não vai prá guerra ? Volta prá casa e bota uma saia, seu maricas.

Isso ecoou na cabeça daquele jovem de 17 anos. Cronologicamente, estávamos em agosto de 1932. Ou seja, quase 90 anos atrás.

Ele remoeu por horas e pensou em seu papel na sociedade. A época era outra. A vida social não sofria interferência do rádio, da televisão e muito menos da internet. Era uma época em que a comunicação se dava através das conversas nos jardins, nas residências ou através do telégrafo. Bom, existiam ainda as cartas escritas em sua maioria à mão. Também tínhamos os jornais, verdadeiros porta-vozes da sociedade com seu elevado grau de confiabilidade. No entretenimento, teatro e cinema (este estava começando a falar...). Rádio local apenas um ano depois.

Retrocede ! Voltemos ao jovem de 17 anos que não conseguia tirar de sua consciência que ser chamado de maricas era uma ofensa que mexia com sua virilidade. Ele que fora instrutor no Tiro de Guerra de Piracicaba e exímio nadador no Clube de Regatas. Chegou a participar de concursos tendo vencido um deles de mais “soberbo adolescente” de Piracicaba. O prêmio, me foi falado, que seria um carro. Algo ostentoso para a época. Se é verdade, não sei. Só sei que foi assim.

A consciência doía. Pegou uma troca de roupas e rumou para a Estação da Paulista, linha divisória do Centro para bairros que então se formavam desde a inauguração do terminal em 1922, como Paulista, Jaraguá, Paulicéia e outros. O objetivo era ir para São Paulo, Quitaúna talvez.

- Ahh, moleque safado ! – bradou Josué, seu pai. Foi a Paulista e trouxe o jovem de 17 anos puxado pela orelha. “Filho meu fica em casa, não coloca a vida em risco”, teria dito.

Mas era um infortúnio ter de ouvir que deveria se vestir com saias ou ser zombado na rua. Já era meados de agosto de 1932 quando foge de novo de casa. Chega a São Paulo ! Parte para Silveiras. Envia uma carta para seus pais, Josué e Bianca, que atônitos não encontram solução a não ser orar para que ele seja protegido durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Houve sim aceitação paterna pelo voluntariar do jovem. Mas foi uma aceitação dura, de amargar o coração.

Vivo e ativo aos 17 anos. Integrou o Batalhão de Funcionários Públicos. Pegou em armas. Lutou contra as forças federais. Passou maus bocados. Passou frio em pleno inverno paulista no alto das montanhas da divisa de São Paulo com Minas Gerais. Às três da madrugada, ao relento, os termômetros podiam chegar a quase zero grau. O jeito era esconder dos ventos cortantes nas trincheiras feitas para evitar o avanço das tropas do governo federal que pretendiam tomar São Paulo.

Mas, no meio da história havia uma missão. Tola, por sinal. Era preciso montar uma barraca. A mesma estava um tanto quanto distante, em outra trincheira. Eis que o jovem valente de 17 anos é acompanhando por três amigos de farda. Saem das trincheiras. Passam por um bambuzal. São vistos pela Polícia do Pernambuco fiéis às forças federais. Uma rajada de metralhadora é mirada contra o grupo. Eis que o jovem de 17 anos tomba. Uma bala lhe atinge parte da jugular. É levado para o Hospital do Sangue na cidade de Registro. O dia fatídico foi 28 de agosto de 1932. Acaba aí, a história que poderia ser próspera. Muito próspera. Morrer aos 17 anos. Concebido no dia de Natal, recebeu o nome em homenagem a data máxima da cristandade. Natal Meira Barros é um dos exemplos de piracicabanos que há 90 anos lutaram contra a ditadura de Getúlio Vargas e queriam democracia plena com a Constituição aprovada em 1934. Não viveu, como outros, para ver triunfar o ideal da Revolução Constitucionalista. Mas provou que não era maricas.

P.S.: Ao Roberto Crivellari que nos deixou recentemente e que, se aqui estivesse, me ligaria hoje para eu explicar mais detalhes sobre tudo isso que escrevi.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 6 de julho de 2022) 

domingo, 19 de junho de 2022

Corpo de Bombeiros


 


O local passa impercebível nos dias de hoje. A primeira unidade do Corpo de Bombeiros de Piracicaba surgiu em decorrência de um grande incêndio que atingiu, em 1955, o Supermercado Munhoz (ou Casa Munhoz), estabelecimento este situado à margem do córrego do Itapeva, hoje cruzamento da avenida Armando de Salles Oliveira com a rua Moraes Barros. Piracicaba não contava na época com serviços de combate a incêndio, dependendo de cidades como Campinas para controle do fogo. Em agosto de 1956, a cidade ganhou esta primeira unidade com uma pequena torre para observação de fumaça, algo nada útil para os dias atuais numa cidade tomada por grandes edificações. Talvez vocês nem saiba, mas o prédio da foto continua intocado, situado hoje em área ocupada pela Semutri e Sema, na avenida doutor Paulo de Moraes, bem em frente á saída do Varejão da Paulista. (Edson Rontani Júnior)

quinta-feira, 9 de junho de 2022

23 de maio

 

Edson Rontani Júnior, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

O triste resultado da manifestação ecoou de forma tímida em Piracicaba. No dia 23 de maio de 1932, portanto, há 90 anos, a mídia local nada informou sobre o embate armado ocorrido na praça da República. Talvez não pela distância de 160 quilômetros entre nossa cidade e a capital paulista. Talvez porque a informação viesse de forma mais lenta que nos dias de hoje. A distância não era percorrida, à época, nas duras horas e pouco que levamos atualmente. Já a comunicação à distância tinha rápida (para a época) condução com o telégrafo, o qual necessitava de interpretação pelos que conhecessem o código morse.

Aquele 23 de maio, perpetuado depois como o Dia da Juventude Constitucionalista, foi o estopim para a Revolução de 1932 que dentro de um mês terá lembrado seus 90 anos. O cenário à época era de descontentamento com a Constituição em vigor, datada de 1891, a qual não delimitava os poderes do presidente da República que, por sua vez, governava o país como queria. Contra este autoritarismo, manifestantes vão às ruas da capital de São Paulo e, em certo momento, pretendiam invadir a sede no PPP (Partido Popular Paulista), simpatizante ao governo Getúlio Vargas. Membros do partido se municiam de armas e granadas. O resultado a história definiu como MMDC, sociedade então secreta que eclodiu com a insurreição civil contra o governo federal. MMDC foram perpetuados nas carteiras escolares do passado e muitos sabiam na ponta da língua que eram Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, mortos no 23 de maio.

Piracicaba possuía o “Jornal de Piracicaba”, “O Momento” e “Gazeta de Piracicaba”, jornais quase diários. Cada um composto por parcas quatro páginas. A cidade possuía cerca de 20 mil habitantes que se informavam por estes veículos. A reviravolta na capital paulista sequer saiu na imprensa daqui. O mesmo ocorreu com o fim da Revolução de 1932, no dia 2 de outubro, quando toda a imprensa paulista se calou diante deste fato visto que grande maioria de seus defensores foi deportada para Portugal.

O 23 de maio se tornou conhecido como a data dos jovens que clamavam pela liberdade e por direitos garantidos numa constituição. Foram jovens que partiram às ruas solicitando esta liberdade que hoje possuímos, sendo que os MMDCs tinham 14, 21, 25 e 30 anos. O mais moço era Dráusio Marcondes de Sousa (o D do MMDC), 14 anos, alvejado pelo PPPistas, falecendo dia 28 de maio. A juventude é também lembrada na Revolução de 1932 como o caso do escoteiro Aldo Chioratto morto em Campinas aos 9 anos depois de alvejado por uma granada lançada de um avião. Já em Piracicaba, o registro de jovens espelha-se em Natal Meira Barros, atingido no pescoço por uma rajada de metralhadora na cidade de Cruzeiro aos 17 anos, falecendo dias depois.

O Dia da Juventude Constitucionalista precisa ser lembrado com carinho o tanto quanto os paulistas olham para o 9 de julho. A Constituinte saiu em 1934, dois anos depois do embate. Nesta nova carta magna foram implantados direitos que ainda hoje usufruímos como a dissociação dos poderes executivo, legislativo e judiciário; defesa judicial com direito ao “habeas corpus”; ensino gratuito para adultos inclusive na zona rural e tantos outros.

A mídia impressa de Piracicaba passou a dar ênfase à causa constitucionalista a partir do 9 de julho, ecoando por aqui os ares paulistas. Este JP na edição de 12 de julho de 1932 entoava uma retórica que funcionou nos três meses da Revolução: “Matto Grosso ao lado de São Paulo. Enorme affluencia de civis aos postos de alistamento. Minas, Rio Grande e Santa Catharina integrados na arrancada paulista. Innumeras adhesões”. Com o tempo o governo federal esmagou as forças de oposição. Foi-se a causa, ficaram as memórias dos jovens do 23 de maio.

(Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 08 de junho de 2022)


quarta-feira, 4 de maio de 2022

Bairros e distritos

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

Piracicaba 255 anos. A vila, criada à margem do rio Piracicaba, tinha, em um dos primeiros censos demográficos, realizado há 230 anos, seus 250 habitantes. Hoje supera os 400 mil. Expandiu-se de norte a sul, de leste a oeste. A princípio “subiu ladeira” para definir a área urbana conhecida por Centro, onde estão a Igreja Matriz, a praça, e os poderes constituídos à época, como delegacia, prefeitura, câmara de vereadores e delegacia. Áreas extensas daqui que se desmembraram como Americana, Santa Bárbara D’oeste, São Carlos, Rio das Pedras e Saltinho, hoje municípios.

Nestes dois séculos e meio, muitos contribuíram para a formação de seus bairros e distritos. Foram descendentes europeus, asiáticos e africanos, numa constante evolução que vemos na contemporaneidade com as empresas que por aqui se instalam trazendo novos hábitos à nossa realidade.

A história foi contada em diversos livros, citando como exemplo as memórias de Alcides Aldrovandi em “A Vila e seus vilões”, obra reeditada em 2009 pelo Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. Tais “vilões” não levam fama no sentido da vilania e sim no ímpeto de criar uma Vila Rezende trabalhadora, com as instalações da Metalúrgica M. Dedini, a Igreja Matriz Imaculada Conceição, ou as indústrias Cavalinho Carmignani e Tatuzinho D’Abronzo Sociedade Anônima. Além desse processo comercial, o livro também cita passagens curiosas de fatos e pessoas que viviam à margem direita do rio Piracicaba.

Pedro Caldari também foi responsável pela história da Vila Rezende na sua trilogia “Memória da Vila Rezende”, obra sempre atual. Já “A síntese urbana”, da professora Marly Therezinha Germano Perecin é um relato esmiuçado sobre nossa tão querida “Noiva da Colina”, passando por fases de 1822 a 1930.

Eis que em 2013, João Umberto Nassif lança dois volumes de “Paulistenses”, sobre famílias que construíram o bairro Paulista, derivado da Estação Férrea Paulista, cuja obra comercial delimitou o bairro a partir da avenida doutor Paulo de Moraes. A partir daí, vieram o Jaraguá, a Paulicéia e tantos outros.

Os bairros de Piracicaba também foram descritos por outros moradores, estudiosos e escritores como Luiz Nascimento que publicou “Memória do Bairro Alto”, 2009, detalhando como subtítulo: ruas, comércios, indústrias, escolas, tipos populares, famílias, hábitos e tradições. Geraldo Ermo Fischer também contribuiu para a história local em 2015 quando lançou “Jubileu áureo da criação da paróquia de Santa Cruz e São Dimas”, citando famílias que habitaram o bairro.

No início de 2022, duas obras resgatam outros bairros: “Acervo do Monte Alegre – excerto da massa documental dos engenhos de Piracicaba”, de Marilda Soares, falando sobre o importante engenho que motivou o livro “Til” de José de Alencar, publicado em 1872, homenageando o rio Piracicaba pelas suas curvas como se fosse a acentuação conhecida por til. Edilson Rodrigues da Silva nos brindou este mês com “Centenário da Estação da Paulista”, mostrando como o transporte férreo foi importante para o desenvolvimento da cidade.

Os próximos passos são resgatar a história de Artemis com o lançamento em maio do livro “50 anos da Escola Professor José Martins de Toledo”, de William Rodrigues da Silva, um relato com pesquisa e imagens sobre essa área rural e seus tradicionais ícones como o porto João Alfredo, a ponte de ferro e a Estação de Trem Sorocabana, além da escola que chega ao seu cinquentenário. Ainda este ano, Antonio Carlos Angolini deve finalizar seu livro sobre os 100 anos do distrito de Tupi. É história que não acaba mais !

Todos estes livros contribuem para a história de Piracicaba. Alguns estão esgotados fisicamente, mas podem ser baixados gratuitamente em formato digital pelo site do IHGP (ihgp.org.br).

Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 27/04/2022 e na Tribuna Piracicabana de 3/5/2022

domingo, 1 de maio de 2022

Dez cruzeiros

 Edson Rontani Júnior, jornalista

 

   - Tome dez cruzeiros. É para investir em você. Não gaste em bobeira. Compre um livro !

   Recebi então os tais dez cruzeiros. O local foi um apartamento na capital paulista. O ano creio que tenha sido 1979. Estava no apartamento de meus tios Franklin e Ivana quando isso ocorreu. Numa das descidas do prédio fui à banca de jornais em busca de um livro. O dono da banca tinha um nome que soava estranho para mim, totalmente ingênuo. Era o “seu” Carolino, algo inconcebível para quem até aquela idade só conhecia Carolinas, uma delas a mãe do Antonio Carlos.

   Devido à proximidade de nossas famílias, conheci um lado muito humano de Antonio Carlos que depois teria apenas o Thame como nome popular. Íamos por diversas vezes à sua residência situada na rua Boa Morte, em frente ao “Piracicabano” como, por exemplo, para ver em sua calçada o Carnaval de 1980 passar pelo Centro da cidade. Ou nas festas de fim de ano, saborear as delícias preparadas por seu cunhado, o professor Ercílio Denny, casado com Valderez e pai e Danielle. Ercílio era dono de uma mão mágica que tornava a gastronomia em algo peculiar. Foi pouco antes que mantive contato com o “seu” Juca, pai de Thame, pessoa sempre bem humorada. De longe a memória me leva a um passado em que o via sentado numa cadeira de rodas, vitimado pelo diabetes. A mesma cadeira de rodas emprestada numa noite fria pelo Antonio Carlos e que abrigou meu pai, Edson Rontani, nos últimos anos de vida, após amputar uma das pernas também motivado pelo diabetes.

   Lá por volta de 1982, Thame sai candidato a prefeito por Piracicaba. Perde para Adilson Maluf. Investe mais em seu nome. Em 1984 volto a cruzar com ele, desta vez de forma profissional. Eu como sonoplasta da Rádio Difusora FM e ele como apresentador e radialista da Rádio Difusora AM tendo ao seu lado como fiel assessor o jornalista César Costa. Foi mais ou menos nesta época que Thame empreende-se num estabelecimento que foi o point na cidade, na década de 1980: Jardin’s, uma moderna lanchonete que anunciava sua especialidade o “capitão”, hamburger com tenra carne e ingredientes que lembram hoje os lanches gourmets... Ficava no cruzamento da Moraes com a Bejamin, antes o Posto de Combustíveis Santo Antonio da família Degaspari.

   Antonio Carlos volta a cruzar meu caminho por diversas vezes na década de 1990, quando coordenei o jornalismo da Rádio Alvorada A. M. Em todas, ele gostava de lembrar – em tom de brincadeira – que o dia 13 de junho não era feriado por ser seu aniversário e sim por ser dia de Santo Antonio, padroeiro de Piracicaba. Aprendi muito com ele. “Entenda que eleitor vota com o coração e não com a razão”, foi uma de suas máximas. Me recordo que nas eleições de 1992, prometeu muitas coisas e as cumpriu: instalar a Casa do Diabético, realizar a integração dos ônibus urbanos com os terminais, ampliar os prontos-socorros, entre outros. Gostaria de não entrar no cenário político. Ter lembranças tão e somente do homem gentil que conheci. Mas não poderia deixar de anotar aqui algo que tem muita razão, tendo proferido nos microfones da Alvorada: “se eu chego segunda-feira de manhã na prefeitura e meus secretários dizem que está tudo bem, alguém está mentindo, pois uma cidade com 200 mil habitantes não ter problemas é impossível”. Em 1996 me proporcionou algo ímpar para a vida de um piracicabano: entrevistar o ex-prefeito Salgot Castilon, cuja compilação ainda devo ter esquecida numa VHS que nem tenho mais onde assistir. Thame me contratou para auxiliar na campanha de seu sucessor, o professor Humberto de Campos, e deu a função à equipe de tv de ouvir o conceituado Salgot. Que honra ser recebido em seu apartamento no edifício Rio Negro, Centro da cidade.

   Thame como pessoa é unanimidade pelo estilo pacífico, dono de uma retórica impecável.

   Sobre os 10 reais do início, foi mais que um presente. Confesso que não comprei um livro. Adquiri na banca de jornais do “seu” Carolino a edição número 1 da revista Cinemin que passava a ser reeditada por Aldofo Aizen em sua EBAL. Tive a coleção completa com mais de 100 edições. Menos de dez anos após ter ganho tal dinheiro, já atuava como jornalista, inclusive como crítico de cinema em “O Diário”, à época comandado por Alfredo Barbara Neto e depois com a volta de Cecílio Elias Neto. Creio, então, que não gastei os dez cruzeiros em bobeira, Antonio Carlos ... 

Artigo publicado na Tribuna Piracicabana de 30/04/2022 e na Gazeta de Piracicaba de 5 de maio de 2022.

domingo, 3 de abril de 2022

A comunicação melhorou

 Edson Rontani Júnior, jornalista 

Interior de São Paulo. Ano de 1932. Estava deflagrada uma guerra civil que se tornou conhecida por Revolução Constitucionalista. O cenário era a cidade de Campinas. O dia 18 de setembro daquele ano. Período da manhã. Uma importante mensagem deveria ser entregue. Seu conteúdo estava anotado em um pedaço de papel. Não se sabe se escrito a mão, por telegrama ou datilografado. A incumbência foi dada a um escoteiro, o estafeta do dia, que deveria percorrer alguns quarteirões para entregar a mensagem a alguém. Eis que no trajeto, um teco-teco sobrevoa os céus campineiros, lança uma granada e estilhaços atingem o mensageiro. Aldo Chioratto (foto abaixo) falece em seus tenros nove anos de idade. Pertencia ao Grupo de Escoteiros que auxiliava na Epopeia Paulista, a qual clamava por uma constituição atualizada e revista. A Constituição de então tinha ares do império.


Uso essa premissa para evocar G. K. Chesterton (foto abaixo), influente intelectual britânico na virada do século retrasado, para demonstrar sua máxima de que “não foi o mundo que piorou; as coberturas jornalísticas é que melhoraram muito”. Então, um questionamento: em época de What’s app ou Telegram, teria sido poupada a vida do pequeno Chioratto ?


Ao longo do tempo, as mensagens caminharam em vários formatos. Mensageiros andaram longas distância a pé, no lombo do cavalo, a bordo de naus ... criando um hiato entre o acontecimento e seu reconhecimento. Tiradentes amargou três anos na cadeia após ser preso e julgado esperando clemência da rainha D. Maria I. Isso porque as mensagens iam e viam cruzando fisicamente o Oceano Atlântico.

Chesterton, portanto, tem razão ao dizer que a cobertura das notícias melhorou. Hoje temos conhecimento quase instantâneo do ocorrido. Algo que, num passado não muito distante apenas rádio e televisão possuíam. Jornais, revistas e cinema tinham a lacuna de dias. Não muito raro era acompanhar o resultado do XV de Piracicaba nas páginas deste jornal dois dias após a partida disputada. A equipe jornalística tinha de acompanhar pessoalmente o jogo, pegar longa estrada, texto a ser escrito, fotografia ser revelada, isso na madrugada ou no dia seguinte da partida normalmente realizada durante a noite.

A cobertura jornalística da Guerra do Golfo (1990/1991) proporcionou imagens ao vivo do Oriente Médio. Porém, os jornalistas não estavam preparados para narrar tais acontecimentos. Pensemos que temos um padrão para a narração de uma partida de futebol. Trinta anos atrás não tínhamos algo assim na CNN ou na Aljazeera no que se tratava de uma guerra.

O atual conflito escolhido pelas mídias envolve Rússia e Ucrânia. Dezenas de outras ações militares ou civis ainda estão em curso (alguém se lembra do Afeganistão ou da Síria?). Tornou-se comum o ucraniano estar em uma live e uma bomba explodir à sua cabeça. E de imediato esse tipo de informação chega ao ocidente ou qualquer outra parte do mundo. A reportagem é completa, com imagem e áudio, feita por pessoas que sequer são profissionais da comunicação. Mas são pessoas que estão no “aqui agora”, real on time. Dias atrás, um tradicional jornal da capital paulista reportou que a guerra da Ucrânia está ditando novas narrativas jornalísticas, citando o aplicativo TikTok como seu fiel mensageiro. Mídias digitais, aliás, foram banidas na Rússia. Isso incomoda o poder. Tempos atrás perseguia-se a pessoa para calá-la fisicamente. Hoje para evitar a propagação de uma mensagem é mais simples: desconecta-se o fio da tomada e ninguém tem conhecimento de um fato.

Tempos atrás tínhamos um deserto de informações. Os acontecimentos ocorriam e não sabíamos. Hoje temos um excesso de informações, que nos chegam de forma caótica. O filtro disso é a cabeça de cada qual. Mas que a maneira de fazer jornalismo, melhorou ... isso é fato. E salve Chesterton !

(publicado no Jornal de Piracicaba de 30 de março de 2022 e na Tribuna Piraciabana de 5 de abril de 2022)

O bicentenário de Piracicaba

quarta-feira, 9 de março de 2022

O legado de Chiarini

 * Edson Rontani Júnior, jornalista

 

Era uma noite fria. Sala lotada. Local : um dos prédios centenários da Unimep, Centro, hoje Instituto Piracicabano. O ano era 1988. Graduandos em comunicação social se acotovelaram numa sala que se tornou pequena para ouvir os estudos do folclore brasileiro. Era inverno. Era agosto, mês do folclore. A plateia ouvia silenciosamente as palavras de um senhor de estatura mediana, calvo. João Chiarini se apresentava na ocasião para estudantes de jornalismo e publicidade/propaganda. Talvez tenha sido esta uma de suas últimas (ou última) aparições públicas, já que Chiarini faleceu no mês seguinte, em 18 de setembro.

Foi um dos únicos contatos que mantive com tão impoluta personagem de Piracicaba. Irriquieto diriam uns. Controverso diriam outros. Comunista, apregoava ele com muito orgulho. Deixou amigos, deixou desafetos. Gerou admiradores. Plantou uma sementinha que agora gera sombra em seus 50 anos de vida. Esta árvore que traz frutas e sombra é a Academia Piracicaba de Letras, criada em 11 de março de 1972, durante solenidade realizada na Faculdade de Odontologia de Piracicaba, quando esta ainda funcionava na rua Dom Pedro II esquina com a rua Alferes José Caetano. Entre idas e vindas, sem local definido para funcionar, a Academia tinha – e ainda hoje tem – o objetivo de estimular a escrita e a leitura. O desafio hoje é criar leitores para obras que sejam “fast food” como as mídias digitais apregoam mundo afora. No último final de semana, um tradicional jornal da capital paulista, manchetou “TitkTok vira trincheira digital e molda narrativa da guerra”. Difícil é ser erudito numa ferramenta digital em que dedilhamos com os polegares e recebemos informações sem qualquer tipo de filtro criterioso.

A Academia Piracicabana de Letras, ao contrário da Academia Brasileira, não possui imortais. São associados que gostam de prosa, poesia, literatura, história, jornalismo ... Não tomam o chá das cinco, muito menos recebem os jetons propagados durante as recentes posses de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil. Seguem a estrutura primordial de propagar a escrita, renovar a leitura, reler para os mais jovens antigos escritos numa linguagem que atinja de crianças a adultos. A literatura mudou. A escrita mudou. Informa-se hoje mais pelo digital que no papel. Mas é bom lembrar que os pensamentos mais aprofundados ainda se encontrem na velha folha branca.

Chiarini sempre buscou ser inconteste. Mas precisava do apoio da sociedade. Partia em busca dos mecenas que patrocinassem as atividades da Academia Piracicabana de Letras. Nos anos 1970 e 80, a entidade chegou a ter cerca de 350 membros, incluindo Jorge Amado (padrinho de casamento de Chiarini) e o ex-presidente JK. Chiarini partiu e o ideal foi seguido por pessoas como Miguel Ciavarelli, Henrique Cocenza, Haldumont Ferraz e Maria Helena Corazza. Foi na gestão do Cocenza, na década de 2000, que a Academia reforma seu estatuto e passa a seguir moldes internacionais como a Academia Francesa de Letras. Estipula 40 cadeiras, com patronos falecidos, ocupadas por 40 membros que dedicam àquilo que se propõe a entidade: leitura e escrita. Os membros não entram por querer. São convidados devido à sua atividade diante da sociedade.

O cinquentenário deveria ser mais longevo. A Academia poderia estar com seus 60 anos de vida. Isso porque a sessão magna de sua criação ocorreu em 1972, mas extra oficialmente ela já existia nos corredores de “O Diário”. A história mostra também que o anseio de cria-la remota os estudos comemorativos ao bicentenário de Piracicaba em 1967, quando surgiram entidades como o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e atividades culturais como a EXFINUPI (Exposição Filatélica e Numismática de Piracicaba). Antes mesmo, Chiarini montava grupos literários em sua Livraria Pilão, na Galeria Gianetti. O certo é que a sombra da semente plantada por Chiarini criou ramificações que propagam e perduram o jeito piracicabano de ser.

(publicado no Jornal de Piracicaba de 09/03/22 e na Tribuna Piracicabana de 10/03/2022)

 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Televisão em cores e som estéreo

 Edson Rontani Júnior, jornalista e radialista

 

Poucos dão a devida importância à determinados pioneiros e pioneirismos. Digamos que é uma ótima ideia a roda ter sido criada, mas até chegar a ela e descobrir sua funcionalidade, a história é a outra. Não é o propósito aqui discorrer sobre quem inventou a roda, mas recordar dois fatos que pouca gente dará sua devida importância nos dias atuais.

A primeira foi a chegada da cor na televisão brasileira ocorrida há 50 anos, em 1972. Uma revolução para um aparelho que dominaria a vida do brasileiro, regeria horários como o jantar ou a reunião familiar. Foram 22 anos de programas monocromáticos desde que ela surgiu com a TV Tupi em 1950. A TV em cores, uma ostentação cara para a época, era vista como algo sem futuro por outras indústrias como o cinema que se valia de inovações como o technicolor, tela widescreen, cinemascope e o som estéreo. O widescreen chegou a ser filmado com várias câmeras ao mesmo tempo, marcando algo próximo a 180 graus da cena, enquanto a televisão possuía um formato que lembra o quadrado. Era comum até anos atrás, assistir na tv em tubo filmes do cinema em que você só enxergava o meio da tela – se dois atores conversavam um a frente do outro, não apareciam na tela. Isso era o widescreen cinematográfico que hoje cabe na palma da mão de um smartphone.

Em Piracicaba, a festa pelo consumo de tv em cores tomou corpo nos anos 1970. Me lembro de ter assistido jogos da Copa do Mundo de 1974 no televisor Philips com madeiramento de pinho, na casa de minha avó. Era um presente de casamento desejado à época. O ruim era o sinal das repetidoras que proporcionava ruído no som, fantasmas e chuviscos na tela, condições desconhecidas da geração atual, assim como o pulo do LP riscado. Não à toa, sintonizávamos a emissora mais potente, no caso, a Globo.

A partir de então, a televisão moldou a vida do brasileiro. Horários da rotina caseira eram por ela regidos. Não existia o salvar e assistir depois. As reprises ocorriam vários anos depois. Almoçar diante da telinha, jantar antes do jornal da noite, silêncio na sala para ver a novela das 20h30 e assim por diante. Tinha de ser naquele dia e naquele horário. Até festas de aniversário eram interrompidas para ver a novela da noite num capítulo que não acrescentava nada à trama.

Em paralelo à TV, o cinema nos anos 1980 criou o dolby sorround, marca registrada que proporcionava uma fidelidade na música, no diálogo e principalmente nos efeitos especiais. O outro ponto que gostaria de discorrer é o som stereo, que perdeu em dezembro, mas só divulgado no início de fevereiro, seu maior estudioso e empreendedor, John C. Koss, também desconhecido de grande maioria das pessoas. Foi ele quem dedicou sua vida para colaborar na apresentação do som ouvido em duas caixas, ao invés do som monofônico que perpetuou até o início dos anos 1970. O som estéreo separa canais e com isso, isola, vozes, instrumentos e efeitos. Algo hoje que não damos conta quando nos divertimos com um game ou ouvimos um jogo de futebol. O ouvido humano passou a educar-se com a estereofonia ao perceber que o som andava de um lado para o outro no momento em que um ator no cinema perambulava em cena.

Koss foi o empreendedor do fone de ouvido estéreo, dando a possibilidade de transportar músicas e gravações até então restritas a grandes aparelhos fixos. Com seus fones de ouvido, criou um universo ainda hoje usufruído. Chegou a ser unido à televisão para não atrapalhar o/a companheiro/a que dormia ao lado durante as noites de insônia ou durante o “Corujão” da Globo.

São pioneiros e pioneirismo que nos ensinam a pensar como é que surgiu a roda ...

(Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 16 de fevereiro de 2022)


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Quadrinhos para quadrados

 Edson Rontani Júnior, jornalista, membro do IHGP e da Academia Piracicabana de Letras

 

A memória é única. Olho para cima e cumprimento um jovem com feições quase orientais. “Este é o Maurício, o criador da Mônica”, disse alguém ao me apresentar a Maurício de Souza, na primeira metade dos anos 1970. Não dá para forçar muito a memória, pois tinha eu lá pelos meus seis ... sete anos de vida, e o criador da dentuça dos quadrinhos viera de São Paulo visitar meu pai. Ambos trocavam telefonemas e correspondências, como um cortejar pelos traços do velho Edson Rontani. As cartas trocadas foram muitas. Todas catalogadas e guardadas a sete chaves. As assinaturas de Maurício são verdadeiras obras de arte.

Maurício de Souza veio a Piracicaba por diversas vezes. Estava criando uma produtora própria associada à Editora Abril de Victor Civita, depois de atuar alguns anos na imprensa, em especial na Folha de São Paulo. Uma das visitas era para convidar o velho Rontani a compor sua equipe. Convite recusado. Mesmo caminho tomado anos antes quando, no Rio de Janeiro, fora cotado para ocupar uma cadeira na EBAL – Editora Brasil América Ltda., de Adolfo Aizen, a qual publicava os medalhões que hoje pertencem a Marvel e DC Comics, anteriormente distribuídas pelos Syndicates em todo o mundo. Rontani recusou trocar a “Noiva da Colina” pela “Cidade Maravilhosa”, mas deixou um legado de capas (publicadas ou não) com Namor, Spirit, Batman, Superman e outros.

Maurício, Civita, Aizen, Rontani e tantos outros não devem ser esquecidos no Dia Nacional dos Quadrinhos, lembrado esta semana (30 de janeiro), assim como outros grandes expoentes como Ivan Saidenberg, que povoou o imaginário dos quadrinhos, este, porém, na franquia Disney, com seus derivações do Peninha: Peninha Kid, Morcego Vermelho, Pena da Selva, além dos clássicos Mickey, Pato Donald, Pateta e Zé Carioca. Saidenberg nasceu em Piracicaba e faleceu em Santos, atuando no auge dos quadrinhos nacionais (anos 1960) nas editoras Outubro, Taika, Penteado e La Selva, as quais publicaram obras-primas, cujas edições hoje valem peso de ouro.

O dia nacional dos quadrinhos foi criado para homenagear desbravadores que enfrentam as mídias digitais de uma forma brava e constante. Claro que Piracicaba foi celeiro para muitos desenhistas (Lancast, os irmãos San Juan, Spadotto, Hussar, Edu Grosso, Longo, Douglas Mayer, e muitos outros resgatados por Adolpho Queiroz nas duas edições de “Piracartum”). Tem um salão internacional que premia aqueles que se dedicam às tiras, de onde vieram os principais personagens dos quadrinhos e do cinema.

“Para ler pato Donald” foi um dos primeiros itens teóricos a criar o negacionismo nas HQs. Todo mundo ria com Mickey. Todos riam com Pica-Pau. Mas, houve filósofos que viam nas gags apresentadas uma mensagem subliminar para dominar o coletivo. Ué ... As mídias digitais não ditam estas regras atualmente ?!? A obra questionava a democratização da liberdade. Algo para se reler, rever e repensar, numa época em que antigos pensamentos se atualizam, como Dale Carnegie que ainda aparece entre os mais vendidos com seu “Como fazer amigos e influenciar pessoas” escrito há 86 anos atrás.

Já Marcelo Maiolo e Rafael de Latorre são artistas renomados internacionalmente. Dedicaram muito à DC e à Marvel, com obras publicadas nos EUA, África do Sul e outros países. Trabalham à distância. Facilidade que não tínhamos quando Maurício de Souza veio a Piracicaba nos anos 1970, obrigando o presencial e impedindo o celeiro de criadores crescer. E viva Angelo Agostini, homenageado por este dia nacional dos quadrinhos !

(Artigo publicado no "Jornal de Piracicaba" de 02 de fevereiro de 2022 e na "Tribuna Piracicabana" de 04 de fevereiro de 2022)

sábado, 22 de janeiro de 2022

Piracicaba escrita

 Edson Rontani Júnior, jornalista, vice-presidente do IHGP e tesoureiro da Academia Piracicabana de Letras

 

Foram comuns os almanaques explorados comercialmente em Piracicaba ao longo dos últimos 150 anos. Era livros bem acabados que traziam as curiosidades corriqueiras daquilo que se conhece por almanaque: efemérides, censo populacional, fotos, locais turísticos, negócios e publicidades. Algo muito comum com os almanaques anuais de farmácia, os quais traziam datas para pesca, plantio e fases da lua. Algo sem muito interesse hoje.

Mas, estas publicações deixaram pegadas em Piracicaba. A história da cidade foi escrita por muitas estas obras. Os almanaques podem ter caído em desuso, mas seus verbetes estão sempre em voga nas mídias digitais. Não muito distante foram publicados livros que bebem nesta vertente como “O Guia dos Curiosos” (Marcelo Duarte), “A Casa de Mãe Joana” (Reinaldo Pimenta) ou o espetacular “Como Fazíamos Sem...” (Bárbara Soalheiro). Revistas de renomadas editoras também aproveitaram o nicho, como “Mundo Estranho”, “Galileu”, “Super Interessante” e “Aventuras na História”.

A história escrita de Piracicaba está impressa em almanaques lançados por Roberto Capri ou Mario de Sampaio Ferraz, que na década de 1910, publicaram catálogos curiosos os quais mostraram como nossa cidade vivia no século anterior, chegando a citar, como exemplo, o retorno do padre Galvão, em 3 de agosto de 1868, que havia partido para a capital paulista a fim de providenciar uma dentadura ... Futilidades ? Sei, não ... Conhecimentos gerais são primordiais em qualquer exame escolar como o ENEM ou vestibulares. São utilizados até em provas para concursos públicos.

Quem teve acesso a “Piracicaba e sua Escola Agricola”, de Mario Ferraz, impresso em 1916 pela Typographia Rothschild, fica maravilhado com as fotos impressas em couchê de uma Piracicaba hoje desconhecida, menos urbanizada, mais arborizada e mais curiosa. Nostalgia pura.

Outros exemplos recentes que ajudam a compreender nosso crescimento foi a coleção “Patrimônio Cultural de Piracicaba”, com volumes sobre escolas e igrejas, lançada em 2012, pelo IPPLAP (Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba). Cecílio Elias Netto também deu – e muito ! – sua contribuição para propagar os conhecimentos históricos de Piracicaba em muitas de suas obras. Assim, como João Umberto Nassif dedicou uma incansável luta para falar sobre os moradores do bairro Paulista em seus dois volumes “Paulistenses”, lançados em 2013 pelo Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba.

A mais recente publicação, embora lançada no final de 2020, mas que pode ser considerado como o melhor lançamento de 2021 foi “A Passagem da Cidade”, de Francisco Ferreira. O autor já havia nos brindado com “Noites de Pira – O Sonho da Boemia”, em 2005, mostrando a efervescência cultural e social da cidade nos anos 1960 e 1970, com grandes shows (Johnny Mathis, uma das principais estrelas da CBS, se apresentou no Clube Coronel Barbosa!), agregados por fotos às quais nos deliciam e nos tomam incansáveis minutos olhando cada detalhe delas.

Francisco Ferreira dedicou-se com muito afinco para uma obra que todo piracicabano merece ter. É uma obra primordial para os nostálgicos, para os que não conhecem e devem/querem conhecer nosso passado. Um livro que ficará marcado para o futuro. Repleto de fotos que mostram um passado desconhecido da maioria, na condição de não termos tido contato pessoal com o que em suas páginas são relatados. Uma história que se escreve de forma bem feita e que ficará registrado para a eternidade.