Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Olhar
para o passado. É nisso que este artigo se propõe. No passado podíamos tentar enxergar
o presente. Pelo menos é o que se propôs o professor Honorato Faustino, quando,
em 1922, teve a ideia de criar uma cápsula do tempo. Instalada no centenário da
independência brasileira e acoplada à parede da hoje Escola Estadual Sud Mennucci,
ela manteve-se intacta – uma caixa de cobre – por cem anos.
Seu
teor foi revelado em 15 de novembro passado, no auditório do Museu Prudente de
Moraes, embora ela tivesse sido retirada do local depositado no feriado
anterior, 7 de setembro. Na revelação, os presentes acompanharam momentos
preciosos como as palavras de Roberto Faustino, bisneto de Honorato, que
emocionou a todos ao contar que sua alfabetização começou antes dele frequentar
as cadeiras escolares, lendo e decorando um livro que seu bisavô fez com o
alfabeto e imagens, para as crianças assimilarem cada vogal e cada consoante.
Outros se deleitaram com o violino de Luis Fernando Fischer Dutra que executou
pela primeira vez uma composição de seu bisavô Benedito Dutra Teixeira
enclausurada por 100 anos na cápsula. Ocorreram outros momentos, como a fala de
Carlos Beltrame sobre a carta de seu avô, professor da então Escola
Complementar, ou algumas leituras feitas pelo historiador Maurício Beraldo, sendo
muitos relatos pessoais de alunos, professores e membros da comunidade
piracicabana de 1922.
Piracicaba
respirava ares pós Primeira Guerra Mundial e saía aos poucos da pandemia da
gripe espanhola. Aliás, nesta convulsão sanitária, cabe ressaltar que a Escola
Sud Menucci serviu de hospital de campana para as dezenas de pessoas afetadas
pelo vírus influenza entre 1918 e 19.
Foram
mais de 600 documentos colocados na cápsula. Isso mostra a força que possui o
papel. Dentre tantos outros meios é o que mais resiste com o tempo, seja em
décadas, séculos ou milênios. Boa parte já foi catalogada e está sendo gradualmente
divulgada pelo setor de Gestão e Documentação e Arquivo da Câmara de Vereadores
de Piracicaba, através das mídias sociais.
Dentre
as cartas lidas por Beraldo uma me chamou a atenção. Uma pequena jovem dizia
que a cidade estava em polvorosa com a vinda de aeroplanos (o primeiro avião
que aqui pousou veio em 1º de maio de 1922) e a inauguração da Estação da E. F.
Paulista. Ela mandava seu recado esperando que em 2022 a cidade tivesse muito
mais aviões pelos céus, bondes e trens pelas ruas e que os jornais pudessem ter
uma circulação de 90 mil exemplares para informar a cidade. Piracicaba contava
com cerca de 30 mil habitantes na ocasião. Os desejos acabaram não atendidos
com o passar do tempo ...
A
cápsula tenha receita do dr. Honorato – além de professor, ele era médico –
para acalmar os nervosos. Também foram deixadas fotografias inéditas até
novembro passado. Muitas delas curiosas. Uma das cartas escritas pela jovem
Aracy de Almeida comenta sobre a moda do piracicabano que, a exemplo do resto
do país, tinha forte influência da França (o inglês só teve sua participação
cotidiana no Brasil após a Segunda Guerra Mundial), na qual predominavam
vestido longo para mulheres e ternos para os homens enfrentarem o calor que por
aqui ultrapassa aos 35 graus em pleno verão !
Raridade
foi encontrar um original de Archimedes Dutra na cápsula, em papel timbrado da
escola com o esboço do perfil de um crânio. Como deve ter se deliciado os
historiadores ao abrirem esta caixa !!!
Piracicaba
respirava ares cosmopolitas em 1922, equiparando-se a Nova Iorque ou Rio de
Janeiro. Pelo menos é o que diz carta de Alzira de Souza Gabbi (4º ano),
endereçada ao atual prefeito da cidade, encerrando com uma interrogação:
“conterrâneos de 2022! A fantasia idealizada pela minha imaginação ter-se á
realizado? Oxalá que sim!”.
O
presente está aí. Que tal comparar com o que era esperado cem anos atrás ? Boas
festas de virada de ano !
Artigo publicado no Jornal de Piracicaba de 28 de dezembro de 2022