* Edson Rontani Júnior
Acordo
assustado com o primeiro badalar da madrugada do sino da Catedral de Santo
Antonio. Ensonado, abro os olhos. Vejo uma presença estranha em meu quarto.
“Que faço?”, pensei. Será que eu continuava dormindo ou isso fazia parte real
do meu sonho?
“Olá
! Sou o espírito do Natal passado”, me disse numa voz lânguida. Pronto ! Estava
eu viajando nas páginas do clássico de Charles Dickens quando, de forma nada
sorrateira, o Natal passado me leva lá por volta de 1690. “Aqui é a cidade que
vocês no futuro chamarão de Piracicaba”. Estranho tudo. Era só matagal.
Sesmaria dada a Pedro de Morais Cavalvanti que nunca ocupou a região. Passeamos
pelo lado direito de um rio. A natureza em sua mais bela exuberância. Animais e
mato. Sem a presença do ser humano. Por décadas a região ficou assim, ora
servindo de entreposto por aqueles que buscam destinos como Itu ou as minas de
ouro de Cuiabá, entre outros.
Num
grande salto, o fantasma passado me leva para quase 50 anos depois. Era 1767.
Encontro-me com um certo capitão denominado de povoador. Homem ranzinza, bravo
e autoritário. Estava em briga com os religiosos. Tentava habitar uma vila.
Evidente
que ninguém podia nos ver. Nem eu nem o fantasma do passado. Me senti como se
fosse o próprio Ebenezer Scrooge, quando a nossa frente passa Antonio Pacheco
da Silva, sargento-mor de Itu, com uma lista feita a mão, talvez escrita com
bico de pena, com aquelas tintas que borram com o simples passar dos braços
suados. Foi aí que descobri para o que servia o “mata-borrão”... Pacheco se
aproxima e conversa com o capitão, um tal de Antonio Correia Barbosa: vos lhe
apresento o censo de Piracicaba: “crianças do sexo masculino desde a primeira
idade até 7 anos = 37; crianças do sexo feminino da mesma idade = 26; rapazes
desde 7 anos até 15 = 21; raparigas desde 7 até 14 = 17; homens desde 15 a 60 =
61; mulheres de 14 até 50 anos = 61; velhos de 60 anos para cima = 3; velhas de
50 anos para cima = 5. Total - 231 habitantes. Fogos (casas) – 45”.
Rapidamente,
voamos por décadas mais tarde e vemos a cidade receber a denominação de Vila
Nova da Constituição. Justa – na época – homenagem à Coroa Portuguesa que elaborava
nova Constituição para o país ibérico. Como o tempo e o espaço eram curtos
naquela noite, o fantasma do passado me apresenta uma série de fatos e pessoas
as quais não conheci fisicamente mas ouvi muito falar e cujas histórias li em
algum lugar ... Luiz Dias Gonzaga, Honorato Faustino, Mario Dedini, Luciano
Guidotti, Mazzola, Alberto Vollet Sachs, Caetano Rosa, Castro Mendes, os Dutra, os Chiarini, os Gurerrini, alguns
barões ... Me apresentou até o primeiro prefeito da cidade, um tal de José
Machado, que não tem nada a ver com aquele que você está pensando .... Tanta
gente que fez parte da cidade, semeou um campo fértil do qual muitos hoje
desfrutam.
Bléim,
bléim ... Acordo assustado novamente. O segundo badalar da madrugada me
assusta. Pensei que tudo tivesse sido um sonho. Viro o rosto para o criado-mudo
e vejo uma figura, tipo bonachão sentada. Pensei ser o fantasma da Natal
presente. “Sou o fantasma do Natal presente”, disse. Eita madrugada longa !
Cadê aquele matagal no entorno do rio ? Cadê aquela vastidão verde que vi com o
fantasma passado? “O ser humano ... Mais de 90% daquela mata foi consumida pelo
ser humano nestes 255 anos”. Me calo. A consciência dói. Talvez por isso que faz
tanto calor na cidade, como bem atestamos no dia a dia. Dos 231 habitantes
vamos para quase 420 mil pessoas na cidade. Outras coisas me foram apresentadas
pelo fantasma do presente. Prefiro ficar quieto, pois ainda estava ensonado e
não sabia se aquilo era realidade ou estava eu em devaneios pelos braços de
Morfeu...
Caio
no sono de novo. Terceiro badalar do sino da Catedral. “Pronto ! Lá vem o
fantasma do futuro”, pensei. Enfio a cabeça embaixo do travesseiro e me recuso
a levantar. Afinal, futuro a gente constrói ... ou foge dele ...
Publicado no Jornal de Piracicaba em 14 de dezembro de 2022 e na Tribuna Piracicabana de 24 de dezembro de 2022
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