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segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Cultura de gibi


 

Edson Rontani Júnior, jornalista, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Houve tempo em que os medalhões da Marvel e da DC Comics provocavam filas em bancas de jornais e revistas, tal qual motivam hoje os jovens a irem ao cinema para assistir à produções milionárias cujas rendas ultrapassam os bilhões de dólares. Foi numa época em que os astros das duas editoras eram contados nos dedos, os famosos “meia dúzia”, período em que o Capitão Marvel (conhecido pela geração atual como Shazam) era publicado pela mesma editora do Superman, seu mais direto concorrente. A editora era a EBAL de Adolpho Aizen. Muitos personagens sequer chegaram ao Brasil. E olha que universo não faltava. Só os X-Men, surgidos no início dos anos 1960, somavam várias dezenas.

Pois, bem. Foi lá por 1970 que as filas se formavam em locais como a Agência Cury, na Galeria Brasil, Centro, onde hoje situa-se uma agência lotérica, a Livraria Católica e a AM Banca ambas situadas na rua XV de Novembro próximas a rua Governador, ou a Banca Gianetti embaixo da Rádio Difusora e nos anos 1990 no Shopping Piracicaba.

É nada vaga a recordação do ambiente de ostentação da Agência Cury, com capas de revistas que enchiam nossos olhos com os mais mágicos representantes dos quadrinhos. Formatinho, formato americano, tamanho poster ... publicações que nos deleitavam como a famosa capa do Superman enfrentando Mohammad Ali na “luta do século”. Claro que as atuais influências digitais sequer povoavam a imaginação seja de adultos quanto de crianças. Vamos dar um pulo num passado nada distante e lembrar dos cadernos de “catecismo” de Carlos Zéfiro que alimentaram a imaginação masculina.

Bom... por que todo este enunciado ? Outro dia comentei numa mídia social que eu “sou do tempo em que falar ‘cultura de gibi’ era dizer que a pessoa tinha um QI médio para baixo”. “Cultura de gibi” era uma forma até os anos 1980 de dizer que a pessoa tinha limitações de conhecimento. Eis-me que alguém comenta que hoje gibi é coisa de luxo. E realmente é. Quantos gibis desta década, você, nobre leitor, tem em casa ? Há quanto tempo não compra um gibi atual ? E por aí vai ... Claro que o processo natural de evolução fez com que os HQs perdessem a graça para as gerações atuais. Deve ser horrível enfrentar o entretenimento que fica na ponta de nossos dedos com movimentos e sons no smartphone enquanto os quadrinhos são estáticos e exigem leitura e interpretação.

O dia nacional dos quadrinhos – lembrado dia 30 de janeiro – foi criado para homenagear desbravadores que enfrentam as mídias digitais de forma constante. Claro que Piracicaba foi celeiro para muitos desenhistas (Lancast, os irmãos San Juan, Spadotto, Hussar, Edu Grosso, Longo, Douglas Mayer, e muitos outros resgatados por Adolpho Queiroz nas duas edições de “Piracartum”). Tem um salão internacional que premia aqueles que se dedicam às tiras, de onde vieram os principais personagens dos quadrinhos e do cinema.

Já “Para ler pato Donald” foi um dos primeiros itens teóricos a criar o negacionismo nas HQs. Todo mundo ria com Mickey. Todos riam com Pica-Pau. Mas, houve filósofos que viam nas gags apresentadas uma mensagem subliminar para dominar o coletivo. E “A guerra dos gibis”, de Gonçalo Júnior, mostra que a “era de ouro” dos quadrinhos não era apenas um era nostálgica, e sim um veio de ouro com quadrinhos vendendo milhares e milhares de exemplares, algo que hoje é impossível.

São exemplos para reler, rever e repensar, numa época em que antigos pensamentos se atualizam, como Dale Carnegie que ainda aparece entre os mais vendidos com seu “Como fazer amigos e influenciar pessoas” escrito há quase um século atrás.

E viva Angelo Agostini, homenageado por este dia nacional dos quadrinhos !

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 25 de janeiro de 2023 e na Tribuna Piracicabana de 28 de janeiro de 2023)

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