Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo
A
teledramaturgia e o cinema parecem estar andando de mãos dadas à qualidade,
coerência e na infinitude de ideias. Pouco antes da pandemia surgiram produções
biográficas sobre expoentes de nossa música popular brasileira, a famosa MPB,
termo que surgiu nos anos 1960 contrapondo à bossa nova. Muitas destas
produções superaram expectativas. Podem não ter rendido o esperado na
bilheteria, mas se destacam como excelentes peças na telona ou no streaming.
Eis
que aparece “Raul Seixas – Eu Sou” lançado em março pela Globoplay e exibido a
partir desta semana em sinal aberto pela TV Globo. São oito episódios que relatam
a vida deste ícone do rock brasileiro e figura inconteste da sociedade
brasileira. Vale destacar que o seriado é mais que Raul, é Ravel Andrade na
pele do personagem principal, numa surpreendente interpretação aliada à
fantasia como os brainstorms com Paulo Coelho na criação de letras das músicas.
A
cada capítulo um espelho crescente como uma opereta maluca na qual sua infância
na Bahia nos leva ao Raul criança, sonhador com extraterrestres, iludido com
livros com conteúdo fantásticos que reverberam Jules Verne, Alexandre Dumas,
Edgard Alan Poe e outros. De terno, gravata e pasta 007, ele perambula pelos
escritórios da CBS do Rio de Janeiro mostrando seu desconforto em ser um
“cidadão respeitado que devia estar alegre e satisfeito por morar em Ipanema”,
como dizia seu hit “Ouro de Tolo”.
O
seriado passa de meados dos anos 1960 até 1989 quando o ídolo morreu aos 44
anos de idade. Tem cenas surreais como a do elevador no qual encontra-se com
Jesus Cristo e Elvis Presley. São ícones de sua fase grã-cavernista na qual procurava
uma sociedade alternativa em plena ditadura militar. Até explicar que esta
sociedade era uma religião e não uma ordem social, houve um hiato imenso, pago,
aliás, por Paulo Coelho, comunista de carteirinha e autor de mirabolantes
letras cantadas pelo mago do rock brasileiro.
É
nesta ligação que cito outras obras do cinema nacional como “Tim Maia” (2014),
“Elis” (2016), “Minha Fama de Mau” (2019). Todos mostram astros ricos,
populares, rodeados de tietes, donos de sucessos musicais, porém presos a drogas
e ao álcool. Raul era mais. Seguia o bordão: “drogas, sexo e rock’n’roll”.
Vivia de festas até com estranhos. Bebia o dia todo além de atirar-se como
corpo e alma no fumo e nas drogas. Mas é inconteste a capacidade de criar
música, arranjos e, principalmente, letras em sucesso que lhe renderam shows e
discos de ouro na época em que eram conquistados a cada 100 mil LPs vendidos.
Subiu rapidamente e caiu rapidamente. Passou a ser contratado com desconfiança
de que não terminaria seus shows de forma sóbria.
Era
um “maluco beleza” no jeito de se vestir. Teve esposas e mulheres, assim como
filhas. “Raul Seixas : Eu Sou” deixa evidente sua necessidade de estar presente
no passado, como espelho ideal de sua vida. O pai ausente que esteve compondo,
tomando suas “biritas” ou procurando seu ego enrustido numa religiosidade
extraorbital. “Carimbador Maluco” foi o início da queda. “Eu gravando uma
música para um programa infantil?”, chega a dizer. Rendeu-se à sociedade
convencional para não morrer de fome.
A
obra merece mais que ser vista e revista. “Raul Seixas: Eu Sou” é uma concepção
concreta de que a teledramaturgia já segue os passos dos seriados americanos
anos dos anos 2000 e 2010 e dos doramas coreanos da atualidade. Ou seja,
estamos em plena sintonia com o streaming mundial ofertando bons produtos,
consumidos facilmente, mesmo que Donald Trumpo invente de taxar nosso cinema e
nossa televisão.
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