* Edson Rontani Júnior é
presidente da comissão organizadora do 39°. Salão Internacional de Humor de
Piracicaba
Em conversa com Alceu Marozzi Righetto, lá
pelos idos de 1989, me lembro dele comentando sobre a censura no Salão de Humor
de Piracicaba. Fazia eu um trabalho sobre a repressão aos jornalistas para
minha graduação em comunicação social. Righetto me relatou, não me recordo ao
certo se foi no Salão de Humor ou em outra exposição local, que um militar
chegou a cobrir com fitas as “partes pudendas” de mulheres seminuas, como os
seios à mostra. Na verdade, a “falta de pudor” nos salões de arte de Piracicaba
espelha a liberação sexual vivida a partir dos anos 60 reprimida pelos censores
nos anos seguintes.
Rubem Fonseca, na edição especial da
centésima edição de “O Pasquim” discorria sobre o tema “palavrão não é
pornografia”, comentando que, na literatura, pode-se utilizar palavras ditas “à
boca suja”, incitando o ato sexual, sem que isso fosse uma ofensa moral, ou
seja, nada a ver com a pornografia.
Aos escolher “Intolerância” como prêmio
especial na sua 39ª. edição, o Salão Internacional de Humor de Piracicaba
procura fazer um balanço sobre suas quase quatro décadas de vida. Aliás, o
Salão surgiu como forma de arrancar a mordaça sobre as manifestações culturais,
sociais e políticas das quais os brasileiros sofriam cada vez mais com a
reprimenda militar. O Salão de Humor foi a ferramenta para que artistas se
expressassem diante da liberdade da comunicação. Ao longo deste tempo, muitas
charges e cartuns buscavam um segundo sentido sobre o que realmente queriam
dizer seus autores. Poderia haver mais de uma interpretação sobre o mesmo
desenho. “O rei estava vestido”, primeiro prêmio do Salão, desenhado em 1974
por Laerte, espelhava o conto de Hans Christian Andersen ou era uma crítica aos
porões da ditadura ? Taí a dúbia interpretação ...
Roberto Marinho e Adolfo Aizen
A inteligência peculiar do jornalista
Gonçalo Júnior reuniu em 2004 um senhor livro lançado pela Companhia das Letras
intitulado “A Guerra dos Gibis”, relatando a formação do mercado editorial
brasileiro e a censura dos quadrinhos de 1933 a 1944. Ler quadrinhos, nos anos
40 e 50 causava doenças mentais, falta de evolução cerebral e atentava a moral
e os bons costumes. Quadrinhos americanos incitavam a violência. O relato de
Gonçalo mostra a intolerância comercial com forma de formar leitores de
desenhos em quadrinhos. Essa guerra de gibis foi travada por Roberto Marinho e
Adolfo Aizen, antigos amigos e ferozes concorrentes através de O Globo e da
EBAL (Editora Brasil América Ltda.). Além disso, mostra o caminho seguido pelo
mercado editorial para se adequar às regras sociais dos bons costumes com
publicações como “História Sagrada” e “História Monumental”, e outros ícones ufanistas
da EBAL. Aí é que surgem valores nacionais como Maurício de Sousa (com a HQ
“Bidu”), Ziraldo (com “Saci Pererê”), Max Yantok, Jayme Cortez e tantos outros.
Fizeram estes o quadrinho acadêmico, depois contestado por vanguardistas como
Millor, Glauco Rodrigues, Watson Portela, Gedeone Malagola...
Em 1969 surge “O Pasquim”, grande opositor
ao regime militar. A vanguarda do humor se instala mesmo com a ação dos
censores, que buscavam mais que “partes pudendas” nas páginas do semanário. “O
Pasquim” foi a base para que jovens piracicabanos criassem na cidade um salão
pioneiro no país cujo negro do nanquim contestava a ordem social estabelecida. Carlos
Colonnese, Righetto, Fagundinho, Fausto Longo e Adolpho Queiróz deram a cara
para bater. Conseguiram. Enfrentaram a intolerância política com muita
seriedade, transformando o Salão de Humor na casa da expressão do brasileiro e,
depois, do mundo.
Nada mais justo que escolher “Intolerância”
como o tema especial desta 39ª. edição do Salão de Humor de Piracicaba. Afinal,
Piracicaba tem de prezar em ser intolerante é com ... o mau humor !
Matéria publicada no dia 25 de agosto de 2012, dia de abertura do 39°. Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no jornal "Gazeta de Piracicaba".
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