* Edson Rontani Júnior –
jornalista e cinéfilo
Com a telona, ele teve um romance
secular. O cigarro e o cinema foram o par perfeito para o merchandising. Teve
penetração mundial e só dividiu espaço, a partir dos anos 40, com a televisão. Por mais algumas décadas, esse romance caminhou a passos largos. Foi, então,
que a consciência do homem doeu e a separação tornou-se inevitável.
A lei anti-fumo, em vigor no
estado de São Paulo faz recordar o quanto unidos
estiveram o cinema e o cigarro. Desde seus primórdios, o cinema já utilizava o
fumo como artefato de glamour, já associava o ato de fumar à celebridade, à
fama e ao dinheiro. As principais estrelas do cinema apareciam em fotos sempre
segurando um cigarro ou charuto. Algumas com longas piteiras para ficar mais
chique. Cachimbo foi pouco explorado, tendo em Basil Hathbone , na
série “Sherlock Holmes” seu expoente máximo.
No cinema em preto e branco a
fumaça exalada numa sala fechada criava uma aura mágica aos olhos do espectador
sentado no escuro do cinema. O cine noir, aquele estilo clássico nos anos 40 e
50, era feito em preto e branco no qual mocinhos e bandidos empunhavam, além de
armas, o cigarro (o qual também não deixa de ser uma arma).
Aliás, o filme que inaugurou o
estilo noir, “Relíquia Macabra” (ou “Falcão Maltês”, duas traduções recebidas
no Brasil), escrita em 1930 por Dashiel Hammet, foi o ícone do mocinho fumante.
Humphrey Bogart, no papel de Sam Spade, empunhava um cigarro atrás do outro.
John Huston neste filme rodado em 1941 conseguiu unir a escuridão necessária
para o cine noir com baforadas brancas que geravam um contraste interessante.
Spade gostava da marca Lucky Strike, perpetuada depois em série para a
televisão que levava o seu nome e mostrava o mundo do suspense.
Um ano depois, no drama “Estranha
Passageira” (Now, Voyager) temos o mais clássico exercício do fumo associado à
virilidade masculina e à meiguice feminina. Quase ao final do filme, ao
som da trilha do mestre Max Steiner, Paul Henreid acende de uma só vez dois
cigarros. Fica com um em sua boca e coloca o outro nos lábios de Bette Davis. “Não
vamos pedir a lua. Nós temos as estrelas”, diz Henreid. Cinéfilos de todo
canto do mundo cultuam essa cena, mesmo sabendo do perigo que o cigarro sempre
representou.
No cinema, na tela, no set, nos
bastidores, nos encontros sociais ... No clássico “Casablanca”, 75% de suas
cenas possuíam alguém com um cigarro na mão, um charuto na boca ou um narguilé
na mesa. E isso mexia com o consciente coletivo. Foi a associação de um símbolo
ao status, que dava força ao oprimido, unia corações e celebrava uma glória.
Nos anos 90, a
indústria cinematográfica fez acordo com os órgãos de saúde, principalmente nos
Estados Unidos, com o objetivo de diminuir a exposição do fumo na telona. Isso
é praticado até hoje. Mas por outro lado, foi necessária uma compensação. Ou não ?
Vemos hoje nas produções de Hollywood grifes e mais grifes, seja de relógio,
bebidas, roupas, carros, celulares e notebooks. Não é verdade ? O consumismo
está mais que ativo !
O jornal inglês The Lancet
publicou, em 2003, pesquisa dizendo que o fumo nos filmes é responsável por
cerca de 52% da iniciação ao tabagismo entre jovens de 10 a 14 anos. Lembremos que
hoje os filmes feitos para o cinema vão para a TV e estão disponíveis em
locadoras ou via streaming para qualquer faixa etária expondo essa incitação a qualquer público,
seja infantil, adolescente ou adulto.
“Obrigado por fumar”, do diretor
Jason Reitman feito em 2006, mostra a manipulação do merchandising pelo
interesse da venda. Os interesses de um país são corrompidos pela indústria
tabaqueira que consegue mudar a opinião de senadores prestes a votar uma lei
banindo o fumo. Dá para se pensar no que acontece ...
Da televisão, os cigarros já
sumiram. Nas disputas de Fórmula Um também. A lei estadual quer isso. Quer
economizar dinheiro com os tratamentos necessários para a recuperação de um
fumante e suas consequências. Busca também criar conscientização para que
vigiemos nossos amigos e quem é fumante passivo não tenha que enfrentar as
baforadas daquele que é fumante ativo. Em breve chegaremos numa época em que a
fumaça de um cigarro nada mais será que um efeito especial criado por
computador.
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