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quarta-feira, 1 de julho de 2020

Sozinho na multidão


Rumo ao estrelado. Fama. Dinheiro. Ascensão profissional. Tudo isso e muito mais... mais e mais! Nunca o que se tem é o suficiente. Assim, pode-se resumir a moral de uma sequência de filmes proporcionados pelo período de confinamento em casa durante a pandemia contra o corona vírus. As emissoras de TV e os serviços de streaming colocam a disposição uma gama de filmes nacionais feitos na década de 2010 mostrando que o cinema brasileiro está seguindo um passo que se iguala à linguagem comercial de Hollywood.


Muitas destas produções foram feitas com recursos públicos, patrocinadas pela Globo Filmes e distribuídas pela Paris Filmes. A Paris aliás manteve em Piracicaba duas salas de cinema no Shopping Center Piracicaba dos anos 1980 aos anos 2000. Foram as primeiras salas exibidoras de um shopping na região. Enfrentou a fuga dos expectadores principalmente na segunda metade dos anos 1980 motivada pela ascensão do home video, ou VHS. Ainda me lembro da gentileza do seu Silvio, gerente do Cine Center, e sua luta para trazer público para produções que se tornaram célebres com o passar dos anos.



Dentre os filmes vistos durante a pandemia, destaco alguns que envolvem artistas como personagens principais. Começando por “Bingo: o rei das manhãs” (2017), narrando a vida do ator pornográfico Arlindo Barreto, filho de Márcia de Windsor, e sua estada como o palhaço “Bozo” no SBT. Bingo foi o nome escolhido para evitar disputas judiciais com os criadores do palhaço norte-americano. Arlindo veio de família abastada mas joga a carreira no ralo por ser usuários de drogas. É uma ótima referência para quem viveu a infância nos anos 80.


Ainda no SBT, a vida de uma das loiras platinadas da tv brasileira foi relatada em “Hebe: a estrela do Brasil” (2019), onde Andréa Beltrão se esforça para tentar (tentar mesmo ...) chegar perto da simpatia de Hebe. A história se passa nos anos 80, quando a apresentadora é despojada pela censura do governo militar, buscando elevar a audiência com várias entrevistas, entre elas, junto à Roberta Close (“a mulher mais bonita do Brasil”) ou quando Dercy Gonçalves mostra seus seios ao vivo dizendo ser mais bonita que o travesti. O filme de afunda na amargura conjugal de Hebe com seu marido Lélio Ravgnani.


Da loira para a pimentinha, “Elis” (2016) é um filme emocionante que mostra o quanto esteve perdida Elis Regina durante toda sua carreira, mesmo amparada pelo caloroso (ao menos no filme) César Camargo Mariano. Andréa Horta consegue convencer, mesmo dublando os originais interpretados por Elis. Bela e emocionante produção.


Na música, de uma forma muito fantasiosa e deixando clara suas mágoas junto a Roberto Carlos, “Minha fama de mau” (2019) torna evidente que Erasmo Carlos quer para si o título de “criador da Jovem Guarda”. Um filme bem feito, bem editado, embora a interpretação das músicas fique a desejar. Mostra o início da vida de Erasmo junto a Roberto e Tim Maia, entre outras situações. Mas, ao final parece uma baita dor de cotovelo.


“Tim Maia” (2014) é um dos melhores filmes nacionais da década de 2010. Vale a pena ser visto. Mostra – também – Tião Maia, Roberto Carlos e Erasmo Carlos na composição inicial dos “Sputniks”, grupo que embalava as noites cariocas em 1957. Depois, cada qual tomou um rumo na vida. Tim vai para os Estados Unidos, acaba preso. Volta ao Brasil e vai de novo para a cadeia. Anos mais tarde alcança o sucesso como o “Rei do soul”. Um filme com muita reviravolta e marcante principalmente pela presença de um convincente Babu Santana interpretando Tim de boca suja, adepto à bebida e às drogas. Angustiante e triste, principalmente numa das cenas mais marcantes: abandonado pelos amigos e drogado, Tim chama a polícia segurando uma metralhadora e pede aos PMs que o levem preso, pois precisa de ajuda e quer se ver livre do vício.



“Chacrinha: o velho guerreiro” (2018) é um ótimo exercício sobre os anos dourados do rádio e da tv. Abelardo Barbosa veio para confundir e não explicar e, claro, distribuir bacalhau. Stepan Nercessian está impecável sob a direção de Andrucha Waddington. Mostra sua longa carreira pelo Rio de Janeiro e São Paulo dos anos 1940 a 1980. É uma obra de arte do cinema nacional. Bem dirigido e com ótimos efeitos que são difíceis de imaginar que o brasileiro vem conseguindo realizar. Mostra entre outros sua relação amorosa com Clara Nunes e Elke Maravilha. Curioso é ver que, no final dos anos 1970, Chacrinha e suas chacretes ficam sem emissora para seus programas. Passam a realizar shows pelo Brasil afora. Foi nesta época que ele visitou Piracicaba na primeira ou segunda AgroFeira, por volta de 1979, na Nova Piracicaba, uma espécie de Festa do Peão para a época. Essa passagem, claro, não é apresentada no filme.

De todas essas produções com artistas brasileiros, algumas lições podemos tomar. Uma delas é Roberto Carlos ter unanimidade como “O Rei”. Ele aparece em todas as obras, com exceção de “Bingo” e “Elis”. Todos os artistas retratados saíram do nada e conseguiram sucesso, dinheiro, diversão. Em todos, a “alegoria” da ascensão e a queda marcam presença no roteiro. Muitos chegam ao “fundo do poço” pelo inebriante desejo de querer mais, seja dinheiro, bebidas ou drogas (lembra como Elis morreu?). Ter tudo o que se deseja como sonho de consumo, fez de todos sozinhos na multidão. Bendita pandemia !

(Publicado na Tribuna Piracicabana e no Jornal de Piracicaba de 22 de setembro de 2019)

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