Edson Rontani Júnior, jornalista
Virou
meme nas redes sociais digitais a manifestação do papa Francisco dizendo que o
brasileiro não tem jeito: “é muita cachaça e pouca oração”. A frase, feita em
tom de brincadeira, pegou de surpresa até o interlocutor que solicitou sua
intervenção pela situação atual. Esta imagem da cachaça está enraizada na
cultura popular e ... Piracicaba tem sua inegável contribuição! Produtores das
famosas caninhas e pingas ao longo do século passado, chegamos a ser referência
da aguardente extraída da cana de açúcar.
Originária
do sul da Ásia, a cana de açúcar chegou ao solo americano importada pelos
europeus que aqui nos colonizaram. Sua fermentação era moeda de troca no
império português.
O
historiador Luis Felipe de Alencastro diz que a cachaça era a moeda mais
valorizada na época do Brasil colônia para o escravagismo. Em “O Trato das
Viventes – Formação do Brasil no Atlântico Sul – Séculos XVI e XVIII” ele
afirma que os portugueses proibiram a comercialização do produto para garantir
ao mercado europeu o consumo da bagaceira e do vinho. A cachaça virou, então,
uma moeda no mercado paralelo para a compra de escravos negros para o Brasil.
Angola e Luanda foram os países que mais comercializavam a mão de obra escrava em
troca da bebida. Um em quatro negros trazidos destes locais eram trocados pela
cachaça.
Aguardente
é a bebida conseguida com qualquer vegetal doce. Cachaça é a aguardente obtido
exclusivamente através da cana de açúcar. Pinga é o nome popular da cachaça. No
início, o seu processo de fabrico era um constante pingar em um grande coador.
Caninha ou aguardente de cana doce são variações do linguajar.
Todos
eles foram cultivados, produzidos ou envasados em Piracicaba no século passado.
A memória mais recente remonta às marcas Cavalinho e Tatuzinho, esta última
ainda produzida em Rio Claro pela empresa Três Fazendas, da família Almeida.
A
história pela produção da caninha tem ligação direta com as antigas
cervejarias, como subproduto fabricado então pelas famílias Wagner, D’Abronzo,
Carmignani e outras.
Caetano
Carmignani era italiano, chegando ao Brasil em 1887. Em Piracicaba, no ano de
1904, criou a Cerveja Cavalinho, seguida dos refrigerantes da mesma marca. A
fábrica estava instalada na avenida Dona Francisca, Vila Rezende, produzindo a
Caninha Cavalinho a partir de 1910. A industrialização da marca ocorre em 1934,
após o falecimento do patriarca Caetano. Produzia também bebidas conhecidas do
piracicabano como a gengibirra e cotubaína.
Ainda
em atividade, a Destilaria Capuava foi fundada em 1886 por imigrantes
dinamarqueses, acostumados com a aquavit, bebida bem consumida nos países
escandinavos, proveniente de cereais ou tubérculos como a batata, acrescidos de
ervas aromáticas. Porém, foi com a cana de açúcar que a empresa se tornou notória
no mercado.
Jacob
Wagner, avô do artista plástico Renato Wagner, foi produtor de cerveja em
barril, o chope. Não se arriscou com a aguardente, mas possuía uma famosa
cervejaria no Centro de Piracicaba, com garrafas lacradas com bolinha de gude
no seu gargalo.
A
fama de cachaceiro talvez tenha chegado ao papa através de um forte marketing
realizado nos anos 1960 pela Caninha Tatuzinho, produto da empresa criada em
1910 por Paschoal D’Abronzo, também imigrante italiano que incialmente veio
colher café na fazenda dos Amaral (da família da artista plástica Tarsila) em
Mombuca. A empresa tentou exportar a aguardente adoçada com o nome Samba’s
Rhum, nos anos 1960.
Piracicaba
teve usinas, destilarias, revendedores e consumidores que criaram esta exótica
visão que possuímos. Mas como todo pecado reverte-se em penitência, oremos ...
E não nos esqueçamos de um gole para o santo ...
(Publicado no Jornal de Piracicaba dia 2 de junho de 2021 e na Tribuna Piracicabana dia 4 de junho de 2021)
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