Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Domingo. Dia de descanso, do almoço demorado, da televisão à toa e do cochilo a tarde. Não sei porque, mas pela manhã me veio à mente um livreto intitulado “Manuscritos do Mar Morto”, publicado por um jornal local na década de 1950. Confesso que já o folheei mas não o li por completo, isso há cerca de 30 anos atrás. Ainda no domingo, mais a tarde, baixa-me a tristeza, a solidão e o silêncio. Quietude. Algo inexplicável que se encaixa posteriormente. Mas, naquele momento, a distância entre a razão e o coração torna-se imensa e não consigo ligar os fatos. Bola para a frente! Eis que no início da noite me vem a informação de que falecera Oswaldo de Andrade. Explica-se aí esta sensibilidade que tenho, já vivida tantas e tantas outras vezes com a partida de parentes como se eles viessem me dar seu adeus e eu, ingenuamente, não conseguia unir as situações.
Oswaldo
de Andrade foi uma referência em toda minha vida. Amigo de infância de meu pai,
Edson Rontani, fizeram uma parceria como Oliver Hardy e Stan Laurel ou Ginger
Rogers e Fred Astaire, para citar aquilo que eles mais gostavam: o
entretenimento. Andrade teve sua profissão como advogado, mas colaborou com a
imprensa local por diversas vezes. As mais recentes colaborações foram artigos
de cultura em O Diário e também no Jornal de Piracicaba. Quem folhear os
arquivos de 50 anos atrás encontrará nas páginas destes matutinos a assinatura
deste escritor agora saudoso. Partiu no último domingo.
Encontrei-o
pela última vez no jantar pelo dia do cirurgião-dentista em outubro passado,
ainda recuperando-se do falecimento de sua filha Fernanda. Estava alegre com
uma gravata borboleta ao lado de sua amada Zenaide para a homenagem de gala ao
seu filho Oswaldo Scopin de Andrade, profissional de reconhecimento
internacional na odontologia, que na ocasião seria homenageado como o Dentista
do Ano. Haaa ... se eu soubesse que aquele seria nosso último encontro ... A
vida é assim. Temos conhecimento que um dia termina. Pensamos ser forte para
encarar a morte, mas quando ela chega, desabamos e chão algum segura.
Rontani
pai morava na rua Boa Morte, quase esquina da rua Ipiranga. Eram os anos 1940.
Ainda guri, estudou com Oswaldo da Andrade que morava a poucas quadras dali, na
rua dom Pedro I em frete à Societá Italiana de Mutuo Soccorso. Quando Rontani
entrou pela primeira vez na casa de Andrade, ficou maravilhado. O pai de
Oswaldo era gerente da Rede Férrea Sorocabana e tinha em sua casa todo aparato
necessário para a rotina administrativa, como papel, lápis, borracha, carimbos
... Rontani já tinha paixão por desenho, arte que o tornou conhecido até as
gerações atuais, através do personagem Nhô Quim do XV de Novembro, do fanzine
ou da coluna Você Sabia? publicada no Jornal de Piracicaba. O que ele não tinha
são estes materiais. “Seu pai ficou admirado quando viu em casa tantos recursos
que meu pai dispunha”, disse seu Oswaldo certo tempo atrás durante uma ligação
telefônica que fiz a ele. Era muita ostentação para quem desenhava em papel de
pão com um lápis para poder usar a borracha, apagar tudo o que tinha feito e
desenhar de novo.
Andrade
também era fã do desenho. Do cinema também. Rontani e Andrade recolhiam de tudo
que era vendável – estamos falando aqui de pequenos petizes de 10 ... 12 anos
de idade. Pegavam jornal e vidro (sim era reciclável e bem pago devido à
escassez provocada pela Segunda Guerra). Juntavam, vendiam no ferro-velho e
compravam ingressos para assistir aos seriados no Cine São José. Estes seriados
eram lançados pela Republic, Columbia e outras produtoras americanas, tinham
duração de 15 a 20 minutos e apresentavam um episódio por semana (situação
depois copiada pela TV). Lá desfilavam Nyoka, Flash Gordon, O Sombra, Superman
e tantos outros. Era tanta emoção que existia a vontade de eternizar aqueles
momentos. Rontani e Oswaldo desenhavam, assim, seus próprios personagens em
revistas de quadrinhos, com base no que viam na telona, que depois eram
emprestadas aos amigos das escolas. Estes originais ainda hoje existem. Com o
tempo, cada um seguiu seu caminho. Lembro do meu Rontani ainda adulto fazendo
almanaques de Natal em nosso sítio do Iteperu-Guaçu para presentear Oswaldo.
Todo este conhecimento, trouxe a Piracicaba o título de cidade que criou o
primeiro fanzine da América Latina. Feito no fundo de quintal de casa, mas
deixou história perpetrados nos anais comunicação.
Confesso
que uma das heranças recebidas em vida foram as amizades passadas de geração em
geração. De pai para filho. Algo intangível de grande valor sentimental. Foi
assim com Oswaldo de Andrade, Waldemar Bilia, Arthemio de Lello, Antonio
Oswaldo Storel e tantos outros que foram amigos de meu pai e se tornaram meus
amigos. Com isso se fez uma amizade de longa data.
O céu receba seu Oswaldo para que junto ao seu melhor amigo possa continuar a dar sequência nessa fascinação pelo fantástico.
(Publicado no Jornal de Piracicaba de 25 de junho de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 28 de junho de 2025)
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