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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

A história em formato digital

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

Muito em breve deixaremos de ser acumuladores, um vício cultuado como hábito o qual aprendemos com nossos pais, os quais aprenderam com seus pais e assim por diante. Uma tradição que passa gerações.

Um livro que nos agrada, colocamos na estante para ler um dia. E nunca mais o lemos. Uma música que adoramos retemos como aprisionamos um passarinho numa gaiola, seja essa canção em qualquer formato disponibilizado pelo mercado, como CD, LP, MP3. Um filme que nos fez chorar ou aflorar qualquer sensibilidade cultuamos e também o colocamos em uma estante, seja em celuloide, VHS, DVD ... Um imenso álbum de fotografias era aberto e colocado entre as pernas, e ao nosso lado a família se juntava para relembrar fatos passados. Hoje a fotografia é individual, pois fica em nosso bolso, no smartphone e quando você inventa de mostra-la para alguém vem aquele exercício de vai e vem para adaptar o foco à nossa cansada visão.

Assim é com a história, perpetuada por livros físicos, fotografias impressas, filmes e outras formas de guardar para o futuro o momento presente ou passado. Está chegando ao fim ter em casa dezenas de livros que nos tornam mais sábios. Revistas ? Nem falo nada. Sejam em quadrinhos, sobre tricô ou receitas, ou informativas, já tiveram seu tempo, levando à bancarrota diversas de suas editoras.

Bom, tudo isso para dizer que estamos no mundo digital a muito tempo. Lembro que entrei na internet em 1996, poucos anos depois dela comercialmente aportar no Brasil. Não tinha o que fazer com ela. As ferramentas foram se formando aos poucos, moldando o formato que conhecemos hoje. Celular não era smart, servia apenas para ligações telefônicas no local em que você estivesse. Bem ... tinha alguns lugares que não funcionava nem com reza braba, isso é verdade.

O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba tem sua vertente digital sobre a história de Piracicaba. Desde a década de 2000 não mede esforços para propagar fatos que compuseram Piracicaba, na sua ocupação, urbanização, industrialização e tudo mais. É curioso ver fotos do passado e comparar com a atualidade, tirando o pó de nossa “massa cinzenta” resgatando memórias afetivas de locais ou eventos pelos quais passamos. Um homem sem passado, não tem história.

Todo acervo que, além de provocar imensa rinite ou outras irritações alérgicas, embasaram estudos, teses acadêmicas e resgataram o passado. O IHGP tem jornais, livros, filmes, discos em formato físicos. Alguns inacessíveis ao público por conta do desgaste ocasionado pelo tempo, como por exemplo o jornal “Gazeta de Piracicaba” da década de 1880. Impossível abrir tal acervo à sociedade sendo que qualquer folhear irá esfacelar suas páginas.

Dos anos 2000 para cá, e olhe que são 25 anos, vários voluntários se uniram para digitalizar esta história, como o livro de enterramentos do Cemitério da Saudade, que hoje pode ser consultado à distância. Fotografias que definiram a sociedade piracicabana no século passado podem ser vistas e ter download feito pelo Flickr da entidade. E, o melhor, de forma gratuita. São hoje 10.500 registros disponíveis com 3 milhões de visualizações individuais. Nosso Wiki pôde ser consultado com verbetes do “Dicionário de Piracicabanos”, catalogado pelo professor Samiel Pfromm Neto. Quer saber quem foi Fulano de Tal ? Coloca no Wiki do IHGP e você terá sua biografia. O serviço hoje está indisponível. Tal formato vem sendo estudado para 2025 com foco exclusivo para os descendentes de italianos, como forma de celebrar os 150 anos da imigração dos ítalos. Livros, antes restritos ao papel, já podem ser acessados pelo site do IHGP. Não são e-books e sim as versões digitais em PDF do que foi impresso.

Recentemente o IHGP uniu-se a WRPD Informática e criou o Nhô Chat, ferramenta de inteligência artificial que auxilia a inteligência humana. Não é um buscador como foi confundindo por algumas pessoas. Para isso já existe o Google ou o Wikipedia. É uma ferramenta para compor mensagens, buscar informações catalogadas no acervo do IHGP que conta atualmente com cerca de 70 livros publicados. É uma ferramenta que colabora com pesquisas em livros e outros meios. O Nhô Chat é recente. Ainda é um bebê que mama e está formando sua capacidade intelectual. Não é um adulto pós-graduado. Isso forma-se aos poucos, como é a inteligência, seja artificial ou orgânica. Tem chão para engatinhar e futuro para despontar como um bom aluno e, aí sim, virar um mestre.

 

sábado, 11 de janeiro de 2025

Com o fogo fez-se a luz

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Curioso é debruçar-se diante de livros sobre Piracicaba e ver que sua história é repetida por diversos autores. Estes bebem da mesma fonte que ajudaram a propagar a história local. Debruçaram sobre atas da Câmara Municipal, sobre os tradicionais almanaques e principalmente sobre os jornais impressos, entre outros documentos.

Existem outras fontes, distantes, na ocasião, para tais pesquisadores. Leandro Guerrini chega a citar documentos em posse de Portugal sobre a distribuição de sesmarias e povoação daquilo que séculos atrás foi o embrião de Piracicaba. Existem, claro, documentos além destes, alguns acessíveis hoje com facilidade pela rede mundial de comunicação, a internet. Mas a história ainda está restrita ao papel e aos poucos vem sem digitada, digitalizada ou lida pelo sistema OCR dos scaners.

Nada disso tira o mérito do estudo de muita gente que, por exemplo, nos permite falar, pela segunda semana, sobre a iluminação na cidade. Dias atrás, caminhando em frente a Igreja do Frades um caminhão baú passa e leva consigo uma fiação caída do poste. A parte que ele deixou esticou-se e voltou como se fosse uma estilingada. Dos postes vemos um emaranhado de fios soltos que colocam em risco os pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas.

Os postes “raízes” de Piracicaba vieram de doação da capital do Estado. Funcionavam à querosene por cerca de quatro horas. O passado chega a ser curioso e engraçado. Havia uma pessoa (funcionário da Câmara) que com uma vareta colocava fogo e acendia o lampião. Assim, como em terras britânicas, durante a Revolução Industrial, havia o profissional que passava de casa em casa jogando pedregulhos nas vidraças para acordar os trabalhadores para mais um dia de labuta. Isso antes do despertador existir. Bom, claro que já havia galo. Mas aí a história é outra. São profissões que caíram em desuso e se extinguiram. É o caso do “guarda livro”, antiga denominação dos contadores e contabilistas que anotavam o movimento financeiro das empresas em grandes livros, tudo escrito à mão.

Dona Mariinha, Maria Celestina Teixeira Mendes Torres, filha de Otávio Teixeira Mendes, descreve Piracicaba no século 18 com sendo uma cidade sem tecnologia, desenvolvimento e infraestrutura, sendo que “só tomará alento na década dos anos 70”. Dona Mariinha fala que o surgimento da energia e, por conseguinte, a luz, Piracicaba passa a vislumbrar seu futuro. Vendas e tavernas, até 1873, tinham iluminação noturna precária: lanterna presa a um gancho na parede – a querosene ou qualquer outro combustível comum na época. De lampiões ao poste foi um tremendo pulo tecnológico. As pessoas podiam sair à noite ! Podia-se enxergar no escuro. De forma precária, claro.

Depois fomos do lampião para a luz elétrica em poste, Piracicaba passa a ver uma realidade de outro mundo. A iniciativa foi de Luiz de Queiroz, muito tempo antes da doação de sua fazenda para que nela fosse instalada a Escola Agrícola Prática. A inauguração da luz elétrica se deu em 6 de setembro de 1893. Tornou-se fato após assinatura de contrato entre sua empresa e a edilidade. Nos primeiros dias pouco mais de metade das 235 lâmpadas prometidas acabaram acesas. A Gazeta de Piracicaba de 7 de setembro daquele ano garantia que não havia oscilação nas lâmpadas de 32 watts devido a um grande motor hidráulico bancado por Queiróz.

A luz elétrica era novidade. Saímos da iluminação feita pelo fogo e chegamos ao filamento que brilhava com uma bruta incandescência. Era comum sair de casa e ficar vislumbrando os postes. Não falei que ao ver o passado podemos deparar com situações curiosas e engraçadas ? Tamanha era a novidade que bandas (duas) tocaram à frente do Hotel Central, na praça José Bonifácio, onde Queiroz se hospedava. A população saiu às ruas para enaltecer a ação do homem visionário. Meses depois, em 6 de janeiro de 1894, Luiz de Queiroz pede para que a Câmara de Vereadores seja fiadora de um empréstimo altíssimo para que pudesse completar a instalação de sua empresa de iluminação. Tal pedido seria feito junto ao Banco da República do Brasil. Ilustre inovador já estava em delicada crise financeira. De lá para cá, a chama da luz nunca se apagou.

(Publicado na Tribuna Piracicabana edição de 11 de janeiro de 2025)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Piracicaba pós 1932

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Em 2 de outubro de 1932 cessa o conflito civil armado conhecido por Revolução Constitucionalista. A rotina deveria voltar a Piracicaba. Alguns fatos que ocorreram após o armistício ficaram marcados em nossa história.

Rua João Pessoa - Rua do Commércio e Rua Governador Pedro de Toledo. A principal rua do comércio de Piracicaba resiste há muitos anos, tendo sido palco de carnavais, de apresentações da Banda do Bule, de desfiles cívicos como o de 7 de setembro, entre outras atividades. Entre a primeira e segunda denominação foi chamada de Rua João Pessoa, na década de 30.

Porém, os registros históricos são poucos os quais não nos dão certeza de quando houve o início e fim desta denominação. Registros legais podem não existir, visto que a Câmara de Vereadores teve seus trabalhos suspensos por Getúlio Vargas.

É comum em ver nos jornais da época, anúncios de lojas como a antiga Portalarga usando a Rua João Pessoa como referência. Ou a Fábrica de Balas Atlante anunciando que estaria em novo endereço, na Rua João Pessoa no antigo cinema (prédio ocupado nos anos 1980 pelo Zilliat Shopping e atualmente ocupado pela rede de supermercados Jaú Serve).

A mudança para Governador Pedro de Toledo ocorre ainda na primeira metade dos anos 1930, após a Revolução Constitucionalista, em homenagem ao interventor do estado de São Paulo. João Pessoa foi alvo de uma comoção nacional ao ser assassinado em 1930 quando ainda ocupava o cargo de governador (presidente, termo usado na época) da Paraíba. Foi candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, perdendo para Júlio Prestes, que não foi empossado devido à eclosão da Revolução de 1930.

Associação Comercial - O comércio em Piracicaba sempre foi forte. Tanto que uma de seus logradouros principais era denominado de Rua do Commercio até aos anos 1930. Esta rua começa nas proximidades da Estação da Paulista e finda na Curva do S, sobre o Córrego do Itapeva, ao menos no sentido do trânsito. É curiosa a ligação da Rua do Commercio com a sua denominação atual, ou seja, Rua Governador Pedro de Toledo, interventor federal que governou o estado de São Paulo, sendo ele o comandante civil da Revolução de 1932, renunciando ao cargo de interventor e aclamado pela população como o Governador de direito do estado.

Este enunciado demonstra o fervor do comércio local e sua participação para o desenvolvimento do município. Não é à toa, que no memorável 9 de julho de 1933, um ano após o início da Epopeia Paulista, é fundada a Associação Comercial de Piracicaba, hoje Associação Comercial e Industrial de Piracicaba (ACIPI).

Bom Jesus - A Revolução Constitucionalista de 1932 atrasou uma das obras religiosas mais conhecidas da cidade: a Igreja Senhor Bom Jesus do Monte, ou simplesmente Bom Jesus. Sua história foi iniciada em 8 de outubro de 1857, quando foi doado terreno por João Antonio de Siqueira. A Igreja situa-se na rua Bom Jesus esquina com a rua Moraes Barros.

Napoleão Belluco iniciou a construção em janeiro de 1927, com pintura do forro pelo artista Mario Thomazzi. Assim, agenda-se a inauguração oficial da Igreja para a primeira quinzena de agosto de 1932, adiadas para novembro devido à Revolução Constitucionalista. Em 13 de novembro de 1932, domingo, deu-se a tão esperada inauguração.