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quinta-feira, 3 de julho de 2025

A montanha dos abutres

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba


 

Uma pessoa curiosa fica presa numa caverna ao procurar relíquias indígenas. Soterrado, ele tem o auxílio de desconhecidos para se alimentar. Mas as rochas que caíram sobre ele impedem seu resgate. A história ocorre na cidade de Albuquerque, estado do Novo México, Estados Unidos. Um jornalista aproveita a situação para fazer o que se chamou em outras época de “jornalismo marrom”, ou seja, tirar proveito da situação para alcançar leitura e venda do material impresso.

Claro que a época é outra. No caso do curioso a ser resgatado, estamos na virada da década de 1940, quando os jornais tinham milhões de exemplares por dia, em que não existia concorrência da televisão muito menos da internet. As pessoas se informavam com o papel impresso, como este jornal. Um repórter que estava buscando um “furo jornalístico” e, quem sabe, reascender profissionalmente, vê no caso da caverna uma chance de brilhar. Como será feito o resgate? A vítima passa bem? O que ela pensa sobre seu futuro? Tudo era um capítulo atrás do outro, como vemos em novelas ou seriados. O jornalista nota que isso aumenta a venda do jornal impresso e eleva seu faturamento publicitário.

Porém, ele pensa: quando acabar, tudo volta ao normal. Minha reputação retorna à estaca zero. Meu ganho financeiro, também. Por que, então, nos postergar o resgate? Assim, ele começa a impedir o avançar da retirada do indivíduo do buraco.

Este é o filme “A montanha dos sete abutres”, de 1951, estrelado por Kirk Douglas como o inescrupuloso jornalista, dirigido pela batuta do polonês Billy Wilder. Ele foi um dos melhores diretores norte-americanos do cinema. Toda sua carreira é permeada por sucessos comerciais e filmes que colocam nossa mente em parafuso.

Bom, de 1951 para 2025 são 74 anos de distância. A sociedade mudou. O jornal impresso mudou. O engajamento em mídias digitais é algo contemporâneo que alterou o meio que vinha numa boa cadência desde os anos 1800.

Dias passado chegou a nós a informação da publicitária paulistana que caiu na boca de um vulcão na Indonésia, resgatada dias depois sem vida. Alguma similaridade com o filme anteriormente citado? Entre sua queda e seu resgate, foram poucos dias. Mas o engajamento nas mídias sociais mexe com algoritmos que interessam aos processos midiáticos atuais. Tanto que o assunto ainda é pautado, semanas depois. No mesmo final de semana, um balão com mais de 20 pessoas pega fogo, em Praia Grande, Santa Catarina, e eleva os algoritmos digitais.

A curiosidade do ser humano hoje é guiada por altos e baixos do Instagram, Tik Tok e outros. A curiosidade em ver “o circo pegar fogo” com os outros é peculiar do ser humano. Nelson Rodrigues já falava que é mais curioso ver o que ocorre na esquina de casa do que nos Estados Unidos. Não à toa criou seu espetacular “O beijo no asfalto”. George Orwell em “1984” ditou regras que hoje movimentam milhões de dinheiro com a fórmula do “grande irmão”, ou o big brother como conhecemos. Olhamos pelos canais disponíveis o que as pessoas fazem trancafiadas numa casa.

O voyeurismo passou a ser palavra de ordem. Celular na mão e o processo midiático passando na nossa frente. Risada daqui, comoção dali ... alimentos que movem o ser humano.

Submarino russo que submergiu e nunca mais voltou a tona em 2000. Mineiros soterrados no Chile em 2010. O padre que saiu voando com bexigas. Avião que caiu na Índia em junho. Avião com o time do Chapecoense que caiu em 2016. Estes são exemplos de recordações que fixam em nossa mente e nunca mais desgrudam. Precisamos disso?

Assim como a jovem de 25 anos que caiu na boca de um vulcão indonésio, fica a reflexão passada por Amir Klink, durante navegação que ele fez em águas antárticas: o silêncio. Ele é ensurdecedor pois não se ouve nada entre geleiras. E com isso ele olhou para seu interior e descobriu a solidão fazendo desta força uma forma de buscar e garantir a vida.

(Publicado no Jonal de Piracicaba de 29 de junho de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 5 de julho de 2025)

quinta-feira, 26 de junho de 2025

“Meu melhor amigo”

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Domingo. Dia de descanso, do almoço demorado, da televisão à toa e do cochilo a tarde. Não sei porque, mas pela manhã me veio à mente um livreto intitulado “Manuscritos do Mar Morto”, publicado por um jornal local na década de 1950. Confesso que já o folheei mas não o li por completo, isso há cerca de 30 anos atrás. Ainda no domingo, mais a tarde, baixa-me a tristeza, a solidão e o silêncio. Quietude. Algo inexplicável que se encaixa posteriormente. Mas, naquele momento, a distância entre a razão e o coração torna-se imensa e não consigo ligar os fatos. Bola para a frente! Eis que no início da noite me vem a informação de que falecera Oswaldo de Andrade. Explica-se aí esta sensibilidade que tenho, já vivida tantas e tantas outras vezes com a partida de parentes como se eles viessem me dar seu adeus e eu, ingenuamente, não conseguia unir as situações.

Oswaldo de Andrade foi uma referência em toda minha vida. Amigo de infância de meu pai, Edson Rontani, fizeram uma parceria como Oliver Hardy e Stan Laurel ou Ginger Rogers e Fred Astaire, para citar aquilo que eles mais gostavam: o entretenimento. Andrade teve sua profissão como advogado, mas colaborou com a imprensa local por diversas vezes. As mais recentes colaborações foram artigos de cultura em O Diário e também no Jornal de Piracicaba. Quem folhear os arquivos de 50 anos atrás encontrará nas páginas destes matutinos a assinatura deste escritor agora saudoso. Partiu no último domingo.

Encontrei-o pela última vez no jantar pelo dia do cirurgião-dentista em outubro passado, ainda recuperando-se do falecimento de sua filha Fernanda. Estava alegre com uma gravata borboleta ao lado de sua amada Zenaide para a homenagem de gala ao seu filho Oswaldo Scopin de Andrade, profissional de reconhecimento internacional na odontologia, que na ocasião seria homenageado como o Dentista do Ano. Haaa ... se eu soubesse que aquele seria nosso último encontro ... A vida é assim. Temos conhecimento que um dia termina. Pensamos ser forte para encarar a morte, mas quando ela chega, desabamos e chão algum segura.

Rontani pai morava na rua Boa Morte, quase esquina da rua Ipiranga. Eram os anos 1940. Ainda guri, estudou com Oswaldo da Andrade que morava a poucas quadras dali, na rua dom Pedro I em frete à Societá Italiana de Mutuo Soccorso. Quando Rontani entrou pela primeira vez na casa de Andrade, ficou maravilhado. O pai de Oswaldo era gerente da Rede Férrea Sorocabana e tinha em sua casa todo aparato necessário para a rotina administrativa, como papel, lápis, borracha, carimbos ... Rontani já tinha paixão por desenho, arte que o tornou conhecido até as gerações atuais, através do personagem Nhô Quim do XV de Novembro, do fanzine ou da coluna Você Sabia? publicada no Jornal de Piracicaba. O que ele não tinha são estes materiais. “Seu pai ficou admirado quando viu em casa tantos recursos que meu pai dispunha”, disse seu Oswaldo certo tempo atrás durante uma ligação telefônica que fiz a ele. Era muita ostentação para quem desenhava em papel de pão com um lápis para poder usar a borracha, apagar tudo o que tinha feito e desenhar de novo.

Andrade também era fã do desenho. Do cinema também. Rontani e Andrade recolhiam de tudo que era vendável – estamos falando aqui de pequenos petizes de 10 ... 12 anos de idade. Pegavam jornal e vidro (sim era reciclável e bem pago devido à escassez provocada pela Segunda Guerra). Juntavam, vendiam no ferro-velho e compravam ingressos para assistir aos seriados no Cine São José. Estes seriados eram lançados pela Republic, Columbia e outras produtoras americanas, tinham duração de 15 a 20 minutos e apresentavam um episódio por semana (situação depois copiada pela TV). Lá desfilavam Nyoka, Flash Gordon, O Sombra, Superman e tantos outros. Era tanta emoção que existia a vontade de eternizar aqueles momentos. Rontani e Oswaldo desenhavam, assim, seus próprios personagens em revistas de quadrinhos, com base no que viam na telona, que depois eram emprestadas aos amigos das escolas. Estes originais ainda hoje existem. Com o tempo, cada um seguiu seu caminho. Lembro do meu Rontani ainda adulto fazendo almanaques de Natal em nosso sítio do Iteperu-Guaçu para presentear Oswaldo. Todo este conhecimento, trouxe a Piracicaba o título de cidade que criou o primeiro fanzine da América Latina. Feito no fundo de quintal de casa, mas deixou história perpetrados nos anais comunicação.

Confesso que uma das heranças recebidas em vida foram as amizades passadas de geração em geração. De pai para filho. Algo intangível de grande valor sentimental. Foi assim com Oswaldo de Andrade, Waldemar Bilia, Arthemio de Lello, Antonio Oswaldo Storel e tantos outros que foram amigos de meu pai e se tornaram meus amigos. Com isso se fez uma amizade de longa data.

O céu receba seu Oswaldo para que junto ao seu melhor amigo possa continuar a dar sequência nessa fascinação pelo fantástico.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 25 de junho de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 28 de junho de 2025) 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Conversa com a intelectualidade

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Chego, abro a porta e acendo a luz. Vejo longinquamente uma cadeira. Ótimo. Uma mesa grande cheia de quinquilharia. Terei de dividir a mesa com coisas que não deveriam estar ali. Mas, estão ! Assim, o espaço se torna restrito. Porém, isso não me afeta. O foco não é este.

Assento-me não muito confortavelmente, pois a tarefa me obriga a constantemente levantar-me, pegar um punhado de papéis velhos e seguir com meu prazer solitário (no bom sentido). A rinite acaba de ser acionada. Corro ao banheiro para assoar as narinas. Talvez usar uma máscara. Mas lembro-me do incômodo que era a máscara facial durante o auge da pandemia da covid. Hoje, parece que ela me sufoca. Tira minha respiração em sua totalidade. Querendo enganar não sei quem, coloco a mesma sobre parte das minhas narinas para que a respiração ocorra na “maior” normalidade, tampando por completo a boca. Mas o foco não era este.

Na sala que abriga o acervo material do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba olho para minha missão: catalogar pastas e mais pastas doadas por pessoas e famílias. Penso: papel velho ? Não ! História ! Nestas sulfites pautadas e escritas de forma datilográfica estão os intelectos de muitos. Estão vidas, alegrias, sofrimentos e muito conhecimento de vida. Além do tangível, os jornais e a papelada velha trazem uma história não mensurável de riquíssimo conteúdo individual ou social.

Um café cairia bem, penso. Mas, me alimento da informação, do anseio em saber como foi a vida de alguém, como num big brother que tem o prazer em espionar e interpretar as linhas de diários, de artigos em jornais, de pensamentos profundos de outrora. Mas, peralá ! Outrora ? Isso foi escrito em 1970 ! Você já parou para pensar que são 50 anos atrás ? Parece que envelhecemos mas nossa cabeça não acompanhou o processo do envelhecimento físico. A cabeça entra em parafuso. Paro com tudo.

Ao parar com pensamentos que me levam à depressão e me colocam em conflito com meu foco, paro com tudo por instantes. Não sei se caio no cochilo. Mas, num piscar de olhos, vejo ou percebo alguém sentado ao meu lado. Eu e esta figura ficamos calados numa simbiose inimaginável. Não é possível. Já vi esta figura em fotografias lá de 1920 assinadas por J. Cozzo, ou como membro de uma banda chamada Jazz Band Mozart Piracicaba. Tocou com Erothides de Campos nos cinemas na época dos filmes mudos. Nem pestanejo, pois tinha certo que o vulto presente era Leandro Guerrini. Como, assim ? Estava sonhando ou colhendo um pouco de sua vida ? Claro ! O vi consultando no passado as folhas da Gazeta de Piracicaba e no curioso Almanak de Piracicaba para 1900. Ele conta sobre a forca em Piracicaba, o pelourinho como fundamento de justiça para uma Piracicaba do século retrasado. Pirei, pensei. Vendo vultos que nem conheci mas que admiro pelas leituras que tenho. Uma espécie de dejá-vu se apossa de mim. Dou uma chacoalhada na face tentando acordar, num sentimento de que fosse eu um Ebenezer Scrooge que vê o passado circular em sua frente.

Esse cara está doido, alguns pensarão. Mas existem ícones locais que nos fazem ou fizeram viajar, colaborando para uma impressão intimista do que se imagina do passado. Alguns pensarão que tudo é besteira. Fulano era um “zé ninguém” e não merece tanto destaque assim. Mas, por ser um artigo assinado e assim expressar minha opinião pessoal, reservo-me ao direito de vasculhar aquilo que me foi importante no passado.

Desta forma, ainda sentado, com celular na mão fotografando uma página aqui e ali de jornais antigos, passam pela minha imaginação pessoas como Jair Toledo Veiga, Hugo Pedro Carradore, Waldemar Iglésias, Mario Neme e outros nomes os  quais não recorro agora. Muita informação em pouco tempo.

Acabo me levantando vendo no chão pedaços de jornais que amarelaram no físico, mas que na mente continuam como sendo do dia de ontem. Resta apenas a incógnita de que no futuro não serei eu um destes fantasmas que habitam o imaginário coletivo de Piracicaba.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 10 de junho de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 13 de junho de 2025)


quinta-feira, 5 de junho de 2025

No mundo da lua

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Ela já foi cortejada por muita gente, mas continua lá. Por mais que o ser humano tenha nela pisado, ainda é um objeto de obsessão e desejo. Foi cantada por poetas ao longo de vários milênios. A Lua é tão distante e tão próxima da Terra que ainda instiga a ciência e os corações apaixonados.

Aliás, foi um galante Cary Grant ou James Stewart que prometeu laçar a lua para sua namorada num filme do sempre impecável ítalo-americano Frank Capra. No cinema ela inspirou até James Bond e o vilão Gru que a reduziu, trancafiando o satélite natural em sua casa misteriosa. Mas, qual sua influência ? No passado era a guia para as marés, para as plantações e – acho que ainda hoje – serve para agendarmos a visita ao cabelereiro ou barbeiro.

Glenn Miller imortalizou seus vistosos raios romantizados por nós, terráqueos, em 1939 através de sua “Moonlight Serenade”, composição que ele próprio fez com Mitchell Parish. Vira e mexe, a serenata ao luar retorna em novas releituras e volta ao topo das execuções musicais. Pena que Miller não pôde nunca mais pode ver a Lua, já que repousa no fundo das águas devido à queda de seu avião na viagem que ele fazia da Grã-Bretanha para Paris durante a Segunda Guerra Mundial. Triste história para quem fez uma elegia para um dos mais belos fenômenos da natureza.

A Lua também foi motivo de briga política entre as grandes potências internacionais. Era o ponto de chegada dos humanos caso uma guerra nuclear viesse a ser desencadeada, conforme grande corrente dos anos 1950 e 60. Ou você tinha um bunker em casa para enfrentar a radiação ou partia para a Lua na tentativa de colonizá-la como tivemos na Guerra Fria com americanos e russos enviado ao espaço símios e cães, e depois homens. Não deu certo. Tivemos que continuar vivendo em solo terrestre cantando e versejando sobre os raios lunares. Agora por que “lunar” se falamos “lua”? Coisa de nossa língua que sofre forte influência do latim, do grego, do árabe ... É algo como freio e frenagem.

Nossa tão cansada MPB também elegeu a lua para grandes hits. Raul Seixas se enamorou por ela louvando São Jorge montado num jumento. Aliás, foi no dragão que São Jorge combatia que Monteiro Lobato se inspirou para criar sua Cuca que marcava presença em seu Sítio. Guilherme Arantes estava no mundo da lua em “No lindo balão azul”, alegando que era cientista e vivia num papo futurista.

Eis o xis da questão. Devaneios, pensamentos distantes, fases de num namoro ou paixão sempre são interrompidos com um “ei ! tá no mundo a Lua?”. O distanciamento nos coloca em solo lunático.

Porém, a história demonstra outra situação já que “viver no mundo da Lua” veio dos pensamentos pré Revolução Industrial de alguns ingleses não muito bem vistos pela sociedade de então. Os membros da “Sociedade Lunar de Birmingham”, cidade da Inglaterra, eram considerados extremos malucos pois pensavam em criar veículos movidos a motor automáticos e não por animais, ou, ainda, fazer um balão voar pelos ares manuseado por um ser humano. Parecia a mais profunda verve da imaginação de Jules Verne. Mas, não era. Foram eles os criadores dos protótipos do veículo e do avião. Só que ninguém os entendia. A “Sociedade” queria criar melhores condições de vida para a humanidade. Ciência não existia e dogmas religiosos eram contra boa parte das inovações benéficas para a humanidade. A igreja demonizou a criação de garfos por possuímos pinças naturais conhecidas por dedos. O tempo demonstrou que o pensamento de gente que se encontra hoje nos anais da ciência mundial tenderia a prevalecer melhorando nossa vida. Entre os membros da “Sociedade Lunar”, aqueles que viviam com a cabeça na Lua, estavam Erasmus Darwin (avô de Charles), Joseph Priestley (que descobriu o oxigênio – chegando a misturá-lo à água) e James Watt (criador da bomba de combustão que drenava água para minas de carvão depois utilizada em locomotiva e veículos).

Resumindo, se alguém lhe falar que você está no mundo da Lua. Tenha orgulho. As grandes invenções surgiram das mentes de lunáticos.


quinta-feira, 29 de maio de 2025

Imprensa local

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Ainda evocando a mídia local, vários nomes surgem. Muitos deles são dos impressos, tal qual das pessoas que fizeram a arte da escrita diária na Noiva da Colina. Universo estritamente masculino por muito tempo, relembraremos alguns profissionais que escreveram nossa história dia a dia. Outros conduziram a imprensa como diretores ou proprietários. Aliás, rica é a história de Piracicaba contada na época do Império através das páginas da Gazeta de Piracicaba que surgiu em 1882 e até o final do século narrou a rotina local, sendo fonte de pesquisa para os Almanaks posteriores assim como para historiadores como Mário Neme, Leandro Guerrini, Guilherme Vitti e tantos outros aos quais Piracicaba deve se render por ter viva esta tão longínqua memória.

“Piracicaba”, pelos registros existentes, foi o primeiro jornal local. Totalmente precário – era escrito a mão – com textos de Brasílio Machado que aguça a curiosidade de qualquer um para saber como ele enxergava a sociedade no ano de 1874 quando lançou o periódico em 4 de julho. Assim como outros jornais, circulava de quarta e sábado, cobrindo os fatos semanais. Curioso é ver que esta periodicidade reinou na cidade quase até os anos 1940. Quem sabe Piracicaba fosse pacata demais e as notícias não circulavam como na atualidade...

A Gazeta teve como proprietário Mário Arantes, renomado professor do ensino elementar. Antes dele, na sua primeira circulação em 10 de junho de 1882, seus responsáveis foram Vitalino Ferraz do Amaral e José Gomes Xavier. Ferraz era conhecido por seus discursos inflamados sendo orador na inauguração da água encanada e na comemoração pela proclamação da República.

Outro professor de renome nacional foi Alceu Maynard Araújo que por muitas vezes utilizou-se do pseudônimo Almayara, numa corruptela das iniciais de seu nome. Recentemente, a Cinemateca Brasileira resgatou uma obra sua, não impressa, e sim um documentário em celuloide que mostra as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste brasileiro. Foi um expositor exemplar das culturas e do folclore interioranos.

Dias atrás, aqui nestas páginas, foi escrito sobre o vínculo de piracicabanos com Monteiro Lobato, grande inteligência deste país. Pedro Ferraz do Amaral foi um destes nativos que partiu para a capital atuando como secretário de redação nos anos de 1923 e 1924 da “Revista do Brasil”, importante produção de Lobato em parceria com Breno Ferraz do Amaral (seu irmão). Pedro também atuou na imprensa paulistana em “A Tarde”, “Correio Paulistano”, “Gazeta”, “Diário da Noite” e “Diário Nacional”. Breno do Amaral foi levado à capital pelo amigo Léo Vaz. Aqui em Piracicaba ambos assinaram o semanário “A Noiva da Colina”. Na capital atuou no “Estado de S. Paulo”, “Diário Nacional” e “Correio de S. Paulo”.

Se houve quem fazia a matéria-prima do jornalismo, existiu também aquele grupo que colocava palavras e pensamentos no físico, o tangível jornal, ou a revista ou ainda o livro. Um destes que por toda a vida dedicou-se ao texto impresso foi Fernando Aloisi, falecido em 1965. Deixou uma herança ainda viva em muitas hemerotecas e bibliotecas. A Tipografia Aloisi publicou os principais trabalhos dos grandes pensadores locais. Aloisi esteve na fundação do jornal “O Momento” e também no segundo “Diário de Piracicaba”, 1935.

Nas páginas dos matutinos, “Piracicaba não é cidade morta” nominou uma coluna publicada no “Jornal de Piracicaba” por Silvio de Aguiar Souza, pela alcunha de Antônio Calixto. Ironia ácida sobre a sociedade local com direito a colocar o dedo na ferida. Seu pai, Osório Dias de Aguiar e Sousa lhe inspirou a verve jornalística. Este, por sua vez, colaborou com jornais locais e de Capivari, onde nasceu. Escrevia sob o pseudônimo Orênio Sabaúna. Além da escrita de extensa criação de poesias e artigos, foi jurista e juiz de direito em várias cidades interioranas. Rica história.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Imprensa

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

A imprensa local sempre foi fonte de informação e credibilidade. Esta velha imprensa está completando 225 anos. Pelo menos é o que se pode afirmar com base em testemunho dos anos 1970 dado por Jair Toledo Veiga que, na ocasião, disse ter encontrado jornais do início do século 1800. Eram rústicos, escritos a mão, com poucas cópias e entregues aos letrados. Na redação, o depois senador Vergueiro fazia críticas à sociedade que possuía menos de 2 mil habitantes.

Cravado na história ficou o semanário “O Piracicabano”, cujas algumas edições podem ser consultadas online na Biblioteca Nacional. O coronel Joaquim Moreira Coelho era seu proprietário. Respirava ares da monarquia entre 1876 e 1885, mas tinha seu viés crítico contra quem estivesse no poder. Coelho também imprimiu “Lavrador Paulista” a partir de janeiro de 1888.

“O Diário da Manhã” foi outro representante da imprensa noivacolinense, porém, com vida curta, já que circulou de 1928 a 1930. São raras as edições existentes ainda hoje deste veículo mantido por Ernani (Leite do Canto) Braga. Embora formado em farmácia, exercia o jornalismo de forma legal, pois não havia na época estudo acadêmico para isso. Deixou artigos e poesias publicados principalmente no “Jornal de Piracicaba”.

Das prensas locais, conterrâneos também se destacam nos jornais além rio Piracicaba no auge do jornalismo (antes do rádio e da TV). Otacílio Silveira de Barros fez parte de “O Estado de S. Paulo” atuando na época de Monteiro Lobato. Leonel Vaz de Barros ou Léo Vaz também trabalhou neste jornal paulistano. Porém, lá por 1911, deixou suas pegadas em Piracicaba com o semanário “Noiva da Colina”. Foi na cidade de São Paulo que participou da criação da “Folha da Noite” em 1921 e do “Diário da Noite” em 1925. Na época, os jornais chegavam aos leitores no período da manhã. Para atualizá-los mais rapidamente, em todo o país pipocaram jornais a tarde ou a noite. Léo Vaz conheceu Monteiro Lobato e juntos atuaram na “Revista do Brasil”, hoje um ícone da imprensa que reuniu os principais pensadores brasileiros dos anos 1920. Vaz foi supervisor da revista de Lobato.

Bento de Arruda, nascido em Piracicaba, partiu para São Paulo onde também se associou a Monteiro Lobato. Foi na sua editora que ele publicou, em 1924, o livro “Por campos e vales”. Era amantes de plantas e caças. Colaborou como a “Revista do Brasil” e a revista “Chácaras e Quintais”, dois grandes sucessos entre os anos 1920 e 1950.

Um importante jornal local esquecido pelo tempo foi “O Momento” que teve seu peso na balança enquanto circularam o “Jornal de Piracicaba” e a “Gazeta de Piracicaba”. Um de seus proprietários foi Moacyr Amaral dos Santos, de 1931 a 1936, que chegou a ser juiz do Supremo Tribunal Federal nos anos 1960. Neste matutino também escrevia Haruni Al Rachid, pseudônimo utilizado por Elias Barreto, jornalista e escritor que atuou no Jornal de Piracicaba e em Limeira.

A imprensa local também foi trampolim para muitas carreiras políticas. Antonio de Moraes Barros foi redator da “Gazeta de Piracicaba” na década de 1890. Formado em direito, exerceu quatro legislaturas como deputado estadual além de deputado federal. Era sobrinho de Prudente de Moraes.

Cada exemplar, uma voz. Por isso surgiam vários títulos na cidade. Jornais, como expressado anteriormente, sempre foram fonte de credibilidade da sociedade. Neste pensamento, surgiu “O Popular”, que circulou de agosto de 1899 a fevereiro de 1890. José Gomes Xavier de Assis era seu proprietário. Criou-o quando estava na “Gazeta de Piracicaba”, auxiliado por Vitalino Ferraz do Amaral em sua manutenção. “O Popular” tinha como proprietário o Barão de Rezende e na sua tônica, pensamentos monarquistas.

Samuel Pfromm Neto nos ensina que o “Diário de Piracicaba” surgiu na cidade em janeiro de 1935 circulando até maio do ano seguinte. Estavam no comando Jacob Diehl Neto, Octaviano de Assis e Fernando Aloisi. Linotipos e prensas rodaram soltos na cidade. Afinal, são mais de dois séculos de história.  

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Eu, gênio

Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo 

Temente a Deus e com vontade de dormir. Duas condições humanas assumidas por um gênio no filme “Era Uma Vez Um Gênio” (2022). Nesta produção hollywoodiana vemos um George Miller menos comercial, muito intimista, e buscando suas raízes. O australiano de 80 anos consegue colocar nossa cabeça em parafuso ao abordar o tema de um Aladim em tempos atuais. Vai além das concepções profundas do amor, do desejo e da desilusão pregadas por Jung ou Freud.

Miller deu umas derrapadas em sua carreira para o bom amante do cinema, mas que renderam ótimas bilheterias, como “Babe” e “Happy Feet”, filmes para família ou infantis. Começou com uma carreira promissora com a franquia Mad Max em 1979. Era visto como um inovador da sétima arte nos anos 1980.

“Era Uma Vez Um Gênio” não é um estrondo comercial nem um filme feliz. Joga para a atualidade a solidão de um gênio enclausurado diversas vezes em uma garrafa, lamparina ou vidro de perfume por tentar entender o universo feminino ou interferir no mundo das mulheres. Cria-se dó ao assistir à produção, que, como grande estraga-prazeres, digo que termina com final feliz.

Os gênios tiveram vida promissora no ocidente a partir dos anos 1700 quando foram compiladas diversas histórias populares presentes no oriente médio desde os anos 800. Era um folclore riquíssimo que nunca havia sido colocado no papel. Quem contava um conto, colocava um ponto a mais. No dito popular, chegou aos dias de hoje uma conjunção de dramas, comédias, aventuras, romances e tudo mais que no início servia de moral aos costumes sociais. Foi aí que surgem os volumes de “Os contos das mil e uma noites”. Difícil é dizer como Sherazade sobreviveu sendo que os contos chegam a 300 deles o que não daria para completar a quantidade de noites propostas no título.

Muitos contos foram ouvidos na Síria pelo francês Antoine Galland que via nesta história um sucesso maior do que a sociedade europeia consumia nos livros, então um mercado promissor para a imaginação e o entretenimento. A matriz veio do livro Hazār afsāna, ou “Mil contos” no idioma persa. As “Mil e Uma Noites” foi uma coletânea que envolveu árabes, turcos, franceses e sírios.

Galland notou que as veia inspiradora estava se esgotando e incluiu fábulas chinesas como as histórias de gênios. Aladin, portanto, veio da China. No original, o Aladin trazia dois gênios, um preso num anel e outro preso numa lamparina. Gênio vem da palavra jinn (descobriu o porquê da série Jeannie é um Gênio?). Jinns são entidades protetoras presentes em religiões, mas que povoaram o imaginário coletivo como anjos da guarda e realizadores de desejos ocultos. Estiveram na TV e no cinema através da Disney, Hanna-Barbera, Barbara Eden e outros. Eram gênios bons.

É nesta tônica que George Miller envolveu Tilda Swinton e Idris Elba, artistas que formam o elenco principal. Ela, desiludida por um amor não correspondido. Ele, desiludido por ter se dedicado a amores que não geraram frutos e o aprisionaram. Tiraram sua liberdade e o direito de uma vida digna. Um encontra o ombro amigo no outro. Detalham histórias míticas – afinal é um filme de gênios! – envolvendo o expectador até o final.

Crises existenciais fazem deste um filme maduro na carreira de Miller que, nas duas décadas passadas lutou e conseguiu levar pessoas aos cinemas vendo crescer a bilheteria de suas produções, e agora busca seu espaço no mundo do streaming onde determinados filmes podem ser assistidos gratuitamente. Uma fábula do cinema na qual não existe gênio que consiga transpor pessoas nos assentos do cinema e grana no bolso dos produtores. Vale o escapismo.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 14 de maio de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 17 de maio de 2025)

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Contadores de história

Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo 

Versão: seu ponto de vista ou modo de contar o que assimilou sobre determinado conteúdo. Assim Walt Disney fez com “Branca de Neve e os Sete Anões”, de 1937, o primeiro longa-metragem da empresa, feito com tecnologia inovadora à época. Disney adaptou à sua moda a versão clássica de um conto popular. A obra motivou “O Mágico de Oz”, em 1939, pela Warner Bros. Também inovador. Em desenho, carne e osso ou live-action, são versões de contos folclóricos, autorais ou não.

Os Estúdios Disney retornam agora com a franquia das princesas dirigida por Mark Webb a qual teve estreia nacional em março passado. Evite comparações. Assim como os desenhos animados de grande sucesso no passado repaginados como “Rei Leão”, “A Pequena Sereia” ou “Aladim”. O jeito de pensar mudou nas últimas décadas e com isso inovações são necessárias como a inclusão de gêneros sexuais ou empoderamento feminino, ou ainda aversão ao tabaco e a luta na preservação do meio-ambiente.

Branca de Neve era um conto com sua versão original propagada de geração em geração na Europa. Um conto para adultos, aliás. Assim como boa parte dos atuais contos infantis. Você já leu o original de Chapeuzinho Vermelho? Arrepia qualquer um! Já a Branca tem situações aversas à ilusão criada por Disney. Dormia com um dos anões. Não foi salva pelo beijo de um príncipe, que, diga-se, a despertou ocasionalmente quando carregava seu caixão, tropeçando e fazendo, diante da queda, com que ela cuspisse o miolo da maçã que havia comido e entalado em sua garganta.

A nova Branca de Neve da Disney tem pontuações atuais. Branca de Neve sonha em liderar o povo no condado em que vive. Não pregando guerra e sim bondade e generosidade, como fizeram seus pais. O príncipe encantado é trocado por um serviçal do rei que a denuncia quando está roubando mantimentos do castelo real. Os anões também foram adaptados ao politicamente correto contemporâneo: não são anões pois isso geraria apologia ao nanismo. Possuem a mesma altura da Branca de Neve e são descritos como criaturas mágicas com mais de 1/4 de milênio de vida.

As histórias originais nunca foram criadas para acolher corações frágeis. O escapismo é uma alternativa criada pelo cinema como forma de arrecadar bilheteria, através do tal “final feliz”. Contos clássicos foram feitos para assustar os adultos com moral de punição, barbárie social e assim vai.

O cinema prepara a terceira versão Disney – não feita por este estúdio – com tons de horrores. Alladin começa a ser filmado em maio por Charley McDougall. Anteriormente, Ursinho Pooh e Mickey arrepiaram os amantes da sétima arte. Ninguém gostou, claro.

Mas, de onde surgiram essas versões? Os contos da mil e uma noites tem sua origem no Oriente Médio, mas foi somente lá por 1700 que alguém os colheu e publicou numa única produção impressa. Isso graças à prensa criada por Gutenberg lá por volta de 1450. Agora era possível tirar várias cópias de documentos. Era um trabalhão. Mas a matriz era propagada e perpetuada concorrendo com a língua viva.

Foi neste pensamento comercial que surgiram iniciativas como a do francês Antoine Galland que compilou histórias coloquiais árabes como os Contos da Mil e Uma Noites. Não que a cultura árabe detenha o original de certas obras, isso por que na Índia já eram contadas essas histórias, por longos séculos.

Charles Perrault, outro francês, no final do século 1600 teve ideia idêntica e criou o livro “Contos dos tempos passados”, um estrondoso sucesso com Bela Adormecida, O Gato de Botas, Cinderela e outros que caíram no gosto popular.

Já os irmãos Grimm – Jacob e Wilhelm, linguistas alemães, registraram as principais fábulas infantis que conhecemos por livros, revistas ou pelo cinema, utilizando inclusive os originais de Perrault. De originalidade, nenhuma. Colocaram no papel aquilo que era falado no dia a dia, vindo de povos antigos como os indígenas. E, como contaram um conto, acabaram sempre aumentando um ponto. E tire assim, sua melhor versão do que você assimila.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 1º de maio de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 10 de maio de 2025)