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domingo, 26 de novembro de 2023

O embrião da Boyes

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba


Pegou fogo no vagão 22 da Cia. Férrea Ythuana. Nele estava uma carga de algodão em rama, adquirida por Luiz de Queiroz que seria manufaturada para criar tecidos em sua fábrica Santa Francisca. Esse era o teor de uma manchete do jornal “Gazeta de Piracicaba” de 6 de abril de 1878.

Tal fato mereceu destaque na imprensa local tamanha era credibilidade que possuía a empresa inicialmente denominada Santa Francisca, depois Arethusina e finalmente Boyes. Era uma das três principais indústrias da cidade, junto à Usina Monte Alegre e Engenho Central.

Este princípio serve para relatar a importância que teve na cidade o empreendedor Luis de Queiroz que, embora tenha vivido pouco – faleceu aos 49 anos – deixou grandes marcadas na cidade.

Nascido em um bom berço, Luiz Vicente de Souza Queiroz (nasceu e faleceu em São Paulo, 1849/1898) vinha de família abastada sendo filho do barão de Limeira - Vicente de Souza Queiroz - e de Francisca de Paula Souza, filha do conselheiro senador Antônio Francisco de Paula Souza, o criador da Escola Politécnica de São Paulo. Era o quinto de 15 filhos. Casou-se com Ermelinda Ottoni de Souza Queiroz, filha do conselheiro do Imperador, senador do Império e engenheiro Christiano Benedicto Ottoni.

Sua saga começa quando parte para a Europa aos oito anos, permanecendo no exterior por 16 anos, nos quais estudou agronomia e veterinária na França e Suíça. Em 1873 ele regressou ao Brasil para tomar posse da herança deixada pelo pai. O processo de herança ocorreu na capital paulista, no cartório 2º Ofício de Órgãos e Ausentes, dando a Luiz a Fazenda Engenho D’Água, na época um mundaréu de capim situado à margem esquerda do rio Piracicaba. Surgia no local o embrião daquilo que conhecemos por Boyes.

A fazenda havia sido comprada pelo Barão de Manuel Rodrigues Jordão e, quando vendida ao barão de Limeira, já possuía moinho, monjolo e serraria, tudo movido com a força da água. Já notou que há um desvio do Piracicaba para dentro da Boyes ? Pois bem, como não existia energia elétrica na época, a força da água era captada para gerar energia. Segundo Maria Celestina Teixeira Mendes Torres em “Piracicaba no Século XIX” (Editora IHGP), foi a primeira usina termelétrica do interior.

A história diz que em 1º de julho de 1874 são iniciadas as obras da empresa que décadas depois seria conhecida por Boyes, data em que foi colocada a pedra fundamental do empreendimento, abençoada pelo reverendo padre João de Almeida. A cidade parou. Houve música tocada por uma banda e servido “refresco” a determinados convidados numa casa próxima à fábrica de tecidos. Luiz de Queiroz foi recebido na mesma noite para uma ceia animada acreditando no benefício que a nova indústria viria a trazer a Piracicaba. “Um brinde ao amante do progresso” teria dito alguém. Oficialmente, a data de inauguração da Fábrica de Tecidos Santa Francisca ocorre em 23 de janeiro de 1876.

Em 23 de setembro de 1876 o jornal “O Piracicaba” publicava anúncio dizendo que a fábrica de Queiróz tinha produtos que se equiparavam ao produzido em Petrópolis e vendia panos de primeira linha dos tipos tinto, riscado e mesclado.

A cidade novamente se desenvolvia à margem do rio Piracicaba. Foi na Boyes que surgiu a primeira linha de telefone na cidade. Ela ligava a empresa de tecidos à Fazenda Santa Genebra, não muito distante dali. O assunto foi noticiado pela Gazeta em 11 de outubro de 1882. Curiosidade: os postes de telefone passaram a ser atração aos moradores.

Outro pioneirismo: a instalação da luz elétrica. Na época, os postes era acessos com querosene e apagados no meio da noite por um funcionário público. A luz elétrica – em residência particular, portanto, não iluminação pública – teve seu auge na cidade durante a visita do Conde e da Consessa d’Eu (ela, a Princesa Isabel). Vieram para Piracicaba em 12 de novembro de 1884 visitando a fábrica de tecidos e o Palacete Boyes.

Capitalista, Luiz de Queiróz era uma pessoa que fazia dinheiro com o próprio dinheiro. Vivíamos numa época em que os tecidos eram comprados por rolos ou como se dizia antigamente por “fazenda”. Não existiam roupas prontas como temos hoje. Eram feitas por habilidosos alfaiates e demoravam dias ... semanas ... para ficarem prontas. Assim, a fábrica de tecido supria o mercado de uma necessidade vital num período em que a moda exigia vestidos longos com mangas compridas para mulheres e paletós para os homens. Tanto que a concorrência botou “zóio gordo” na Santa Francisca. Em 2 de outubro de 1890 a Câmara de Vereadores indefere o pedido de Antonio Teixeira Mendes e Manuel Pereira Granja de construírem uma fábrica de tecidos entre a fábrica de Queiroz e a praça André Sachs. E viva o monopólio !

Em abril de 1893, Queiróz incorpora todo seu patrimônio, depois de quase 20 anos de atividade, à Companhia de Cultura de Tecidos de Algodão S/A, sediada no Rio de Janeiro. Leandro Guerrini em “Piracicaba em Quadrinhos – Volume 2” diz que a incorporação não deu certo. Em 1897 a empresa encerra temporariamente suas atividades. Mas a história continua ...

Publicado no Jornal de Piracicaba de 26 de novembro de 2023 na Tribuna Piracicabana de 2 de dezembro de 2023.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Para Arethusa

Edson Rontani Júnior, jornalista, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 “À Arethusa, meu grande amor, quero dedicar-te esta obra pela devoção de seu amado marido eternizando seu nome para o futuro”. 


Calma ! Peralá ! Claro que isso saiu da imaginação deste autor. Mas pode ter acontecido, já que a Fábrica de Tecidos Arethusina recebeu este nome por admiração que Arethusa Miranda recebia de seu marido, Rodolpho Nogueira da Rocha, fluminense de Rezende nascido em 1860 e falecido em São Paulo em 1941.

Foi ele um dos proprietários daquilo que conhecemos por Boyes. Eram outras épocas, sendo que Arethusina foi a segunda de três denominações que o espaço recebeu. Devoção amorosa de um empreendedor à sua consorte. Anteriormente, o nome comercial do espaço era Fábrica de Tecidos Santa Catarina e depois Companhia Industrial e Agrícola Boyes. Há registros de Samuel Pfromm Neto de que ela teria o recebido também o nome de Tecidos Santa Francisca, quando ainda embrião deste empreendimento industrial.

Começou pequena. Expandiu-se aos poucos até ter sua história encerrada em 2005 devido à abertura do mercado para o comércio chinês: era mais barato importar a sacaria do Oriente que produzi-la por aqui. Assim como a cidade, a empresa surgiu e sua estrutura está fincada à margem – esquerda – do rio Piracicaba, na atual avenida Beira Rio.

De acordo com o Almanaque de Piracicaba para 1955, organizado por Hélio M. Krahenbuhl e editado por João Mendes Fonseca, tudo começou com um engenho d´água propriedade do Barão de Limeira – Carlos Bartolomeu de Arruda –, local onde foi instalada uma serraria, talvez a primeira de Piracicaba.

Em seu auge, a Arethusina, conforme relato de Mário de Sampaio Ferraz em “Piracicaba e sua Escola Agrícola” (1916), produzia ao ano cerca 2 bilhões de metros de tecido. A forma da produção devia-se à três turbinas de 250 cavalos cada uma, além de duas caldeiras. Sua produção era feita com algodão nacional em rama. Produzia fiação e tecidos. Estava entre as 21 maiores indústrias do Estado de São Paulo, empregando 300 funcionários.

Rodolpho Nogueira – o devotado de Arethusa – era filho do barão do Bananal (Luiz da Rocha Miranda Sobrinho). Este foi deputado à Constituinte de 1891 (a segunda do país e a primeira da República) e deputado federal de 1897 a 1909. Tinha força e boa exposição na política, sendo ministro da agricultura em 1909, no governo do presidente Nilo Peçanha.


A Boyes em foto dos anos 1960 (Acervo IHGP)

Seu filho Rodolpho Nogueira produziu na Arethusina um dos melhores tecidos do país, igual ao importado da França. Todo seu tecido era consumido principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Servia de base para alfaiates fazerem ternos, camisas, vestidos e calças.

A empresa utilizou-se da massa falida da Tecidos Santa Francisca que funcionou até 1900. Usou parte inicial da estrutura que conhecemos hoje como Boyes. Na ocasião, foi vendida a um sindicato, do qual fazia parte o engenheiro Buarque de Macedo.

Samuel Pfromm Netto no seu “Dicionário de Piracicabanos” (Editora IHGP) diz que a fábrica foi adquirida e colocada como crédito para uma dívida junto ao Banco da República do Brasil. O banco vendeu-a a Rocha Miranda que a reativou em 1902. Seu filho homenageou a esposa Arethusa com sua nova denominação, numa administração que durou até 1918. Depois virou a Cia. Industrial e Agrícola Boyes, ou simplesmente Boyes, nome perpetuado até hoje.

Nesta transação surge o nome de Buarque de Macedo, que mudou do Rio de Janeiro em 1898 para administrar a Arethusina.

“A Fábrica de Tecidos Santa Francisca (sic), tecelagem de algodão construída em 1874 por Luiz de Queiroz (v.) e inaugurada a 23.1.1876, tinha sido vendida a um sindicato do Rio de Janeiro, do qual Buarque de Macedo participava”, capitula Pfromm em seu “Dicionário”. Alguns dados contestáveis como nome e datas ... Com a aquisição, Macedo foi um dos proprietários e gerente, residindo no palacete situado ao lado da Arethusina, conhecido por Palacete Luiz de Queiroz, propriedade que veio junto na transação. Macedo era empreendedor e adquiriu o Engenho Monte Alegre em 1899 e foi um dos criadores do Jornal de Piracicaba em agosto de 1900.

Piracicaba foi uma das primeiras cidades do país a ter energia elétrica. Não por idealismo, mas por necessidade comercial. Para sua fábrica de tecidos funcionar com equipamentos modernos para a época, precisava de geradores que formaram uma usina hidrelétrica – no seu respectivo porte – fornecendo luz para a empresa e parte da cidade, em 1892. Luiz de Queiróz instalou postes e lâmpadas vindas de Nova Iorque. Crianças a quebravam as lâmpadas durante a noite colocando a avenida Beira Rio na escuridão. Na época, falava-se que os Moraes Barros pagavam para moleques destruí-las pelas divergências políticas que tinham com Luiz de Queiroz. Se foi com bodoque ou não, nem Arethusa sabia responder. Continua ...

Publicado no Jornal de Piracicaba de 19 de novembro de 2023 e na Tribuna Piracicabana de 25 de novembro de 2023.


quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Cartolas alvinegros

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

As estrelas do futebol são aquelas entram em campo. Os jogadores são os nomes mais populares neste esporte. É por estas estrelas que a torcida exprime sua paixão. Mas nos bastidores, muitos jogam as cartas. São dirigentes, treinadores, membros de conselhos etc etc etc... São as pessoas que definem os passos do time.

O primeiro cartola do nosso E. C. XV de Novembro de Piracicaba era o capitão da Guarda Imperial Carlos Wingter (também cirurgião-dentista). Amava o esporte importado da Inglaterra que duelava, à época, com o basquete dos norte-americanos. Ambas as disputas foram incorporadas no cotidiano brasileiro no processo migratório do final do século 19. O próprio Wignter entrou em campo para chutar a pelota. Ele participou do 15 de Novembro, uma agremiação que existiu extraoficialmente em Santa Bárbara D’Oeste, no final da década de 1900. O time jogava em praça de esportes localizada no terreno em que hoje está instalada a Cia. Fiação e Tecelagem Santa Bárbara. Em 1913 ele presidiu pela primeira vez nosso XV que completa 110 anos de fundação.

Além de Wingter, outro dentista presidiu o alvinegro: Luiz Lee Holland, formado pela Escola de Odontologia Washington Luiz. Os mesmos passos foram seguidos por Enéas Lemaire de Moraes, dentista e presidente do alvinegro.

Logo no início de sua criação, os próprios jogadores eram dirigentes, como o caso de Tibúrcio de Oliveira, que além craque da pelota foi vice-presidente do alvinegro da primeira diretoria eleita pelo XV no dia 4 de dezembro de 1913. Era músico (da Banda União Operária) assim como Erotides de Campos, também membro da primeira diretoria do XV.

Entre os técnicos do passado, alguns nomes hoje são pouco lembrados, como Pelegrino Adelmo Begliomine, que antes do XV jogou no Palmeiras, Corinthians e Fluminense. Ficou na cidade no ano de 1954.

Entre os “cartolas” do alvinegro, muitos tiveram posição de destaque na sociedade, com ênfase aos comendadores nos anos 1940 a 1960. Antônio Cera Sobrinho presidiu o XV de 1956/57 e de 1960/61. O belga Louis Clement foi um mecenas para a cidade auxiliando obras como a construção da segunda torre da Matriz de Santo Antonio ou o Mosteiro das Carmelitas Descalças. No esporte, presidiu a Associação Atlética de Vila Boyes e foi conselheiro do XV. Jacob Diehl Netto foi outra personalidade que presidiu o XV. Também dirigiu por dez anos o Clube de Regatas.

O comendador Leopoldo Dedini chegou a ser vice-presidente do alvinegro local. Luiz Dias Gonzaga, prefeito da cidade nos anos 1930, também presidiu o XV (1960/61) e, em 1948, liderou ação na cidade para reforma do estádio do XV (depois Estádio Roberto Gomes Pedrosa).

Luiz De Francisco (1909/1983) atuou como futebolista, dirigente esportivo e jornalista, escrevendo e divulgando sobre o esporte local por 35 anos no JP. José Luiz Guidotti, escritor e árbitro de futebol, em 1965 também esteve à frente da presidência do time.

Cartolas de renome tiveram total envolvimento com a sociedade como Antonio Romano, Romeu Ítalo Ripoli e Humberto D’Abronzo, entre tantos outros.

D’Abronzo teve larga ascensão na cidade como industrial. Junto a Armando Dedini quis elevar o Clube Atlético Piracicabano à divisão principal do futebol, acreditando que a cidade merecia outro time além do XV nesta posição. Não deu certo. Presidiu o XV em 1966/68 quando o time retornou à divisão principal depois de ter sido rebaixado dois anos antes. Foi uma época de ouro, pois o alvinegro ganhava da municipalidade um estádio novo, o Barão da Serra Negra, e Piracicaba estava em efervescência devido às comemorações de seus 200 anos. “O entusiasmo e a dedicação extrema ao clube fizeram dele um verdadeiro baluarte do futebol, chegando a ser cotado para prefeito em 1968”, escreveu Samuel Pfromm Neto. O trabalho dos bastidores também é história.

Publicado no Jornal de Piracicaba de 15 de novembro de 2023 e na Tribuna Piracicabana de 18 de novembro de 2023


domingo, 12 de novembro de 2023

Exaltação aos quinzistas

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Chegando aos seus 110 anos de fundação, o Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba vem sendo exaltado nos últimos dias. Muito de sua história se torna repetitiva e aqui o objetivo é destacar alguns dos “esquecidos” que em muito contribuíram para nosso alvinegro. Esse universo vai além dos comendadores que o dirigiram e dos medalhões que por ele passaram. Para conhecer ou reler estas histórias, basta acessar o Google. Já aqueles que cuja memória foi perdida com o passar do tempo merecem ser relembrados.

O XV estreou no dia seguinte à sua fundação, 16 de novembro de 1913, perdendo por 2 a 0 para o Sport Recreio Normalista. O time era formado por Alberto Franklin Oliveira, Vicente Mastrandéa e Antônio Dihel, Francisco Pelegrino (Paco), Antonio de Laringa e Belmácio Pousa; Edmundo Huffenbacher (Guinho), Milton Salvinho Provenzano, Francisco Pousa e Luciano Servija. No banco de reservas: Laércio e José Pousa de Toledo (Tutu Pousa).

Poucos devem se lembrar. O alvinegro foi campeão do Torneio Interior Paulista de 1935, organizado pela Associação Paulista de Esportes Atléticos. O time possuía em seu elenco os Alcides I e II, Áureo, Godoizinho, Leme, Moacir, Mônaco, Petrônio, Nenzo, Roque e Venerando, numa época que o esporte futebolístico era mais diversão do que profissionalismo. Cabe abrir um parêntese aqui. Na época, o futebol não era visto, remunerado e reverenciado como hoje. As primeiras copas mundiais as quais a Seleção Brasileira enfrentou ocorreram “na raça”: os jogadores viajavam para o exterior em navios cargueiros, e dormiam entre sacos de café, arroz e feijão. A estes heróis é dedicado este texto.

Gente que ficou nos bastidores e sequer entrou para a história, como os responsáveis pela iluminação noturna (uma revolução na época) em 1941 no então Estádio do XV, depois Estádio Roberto Gomes Pedrosa (onde encontra-se hoje o Assaí, Centro).

Vale citar outros pioneiros, como o argentino José Agneli que figura no panteão do alvinegro piracicabano. Foi treinador do XV de 1951 a 1954 criando estrutura e organograma do time que havia subido para a elite do futebol paulista em 1949.

Thales Castanho de Andrade foi além da dedicação à literatura. Com Monteiro Lobato divide o pioneirismo da escrita voltada para as crianças, com obras publicadas nos anos 1920 e 1930 pela Editora Melhoramentos. Também presidiu o E. C. XV de Novembro.

Outro expoente das artes, Erotides de Campos também tem seu espaço no amado XV. Foi um dos fundadores do time em 1913 atuando como primeiro secretário da primeira diretoria do alvinegro.

Silvio Lagreca (1895/1967) foi renomado jogador do XV nos anos 1920, atuando em times de São Paulo e Rio de Janeiro, sagrando-se campeão paulista e brasileiro. Era irmão do poeta Francisco Lagreca.

Outro artista que passou pelo elenco, foi Antônio Osvaldo Ferraz, Tonico, sócio de Haldumont Campos Ferraz (Tico da Farmácia) na Farmácia Coração de Maria, ao lado da matriz de Santo Antonio. Na adolescência defendeu o alvinegro e anos depois dedicou-se ao ensino. Foi colaborador de diversos jornais. Editou “Folclore”, revista reverenciada pelo modernista Mario de Andrade.

A multifuncionalidade era necessária. “Bita” ou Jamil Antônio (1927/2004) atuou como goleiro no time local além de ser árbitro. Algo impensável: trocar o futebol pelo tênis. Isso ocorreu com Júlio Marcos (1911/1998) que jogou no XV de 1941 a 1946 trocando o esporte pelo tênis em 1948, atuando por dez anos na área e considerado o tenista número um da cidade, defendendo a equipe de tenistas do Clube de Campo.

Uma citação a parte é de Belmácio Pousa Godinho (1892/1980), um dos fundadores do XV e ala direita do time. Foi músico na Orquestra Lozano. Além da bola, animava filmes mudos nos cinemas. Foi musicista na época em que partituras musicais funcionavam como presente e discos de 78 rotações por minuto figuravam como elevado sonho de consumo. Em 5 de fevereiro de 1916 a revista “O Malho”, editada no Rio de Janeiro, publicou em suas páginas centrais a letra da música “Sport Club 15 de Novembro, Campeão Piracicabano”.

Gato Preto era a alcunha de João Marques de Oliveira (1923/1995), goleiro do XV estreando no time aos 21 anos em 19 de março de 1944, três anos antes da criação do futebol profissional no estado. Foi campeão do Torneio Início da Liga Piracicabana de Futebol.

“Estrangeiros” que por aqui aportaram também carregam o time no peito, como o caso de Severiano Alberto Ferraz (1869/1951), farmacêutico nascido em Portugal (Madeira) e estabelecido em Piracicaba na Farmácia Neves. Foi diretor de agremiações esportivas e um dos primeiros e maiores compradores de “ações” para criação do XV no ano de 1913.  

Exaltar heróis anônimos ou conhecidos é levar à glória um time centenário amado por toda uma cidade, algo difícil de se ver nos dias atuais. Esporte é uma linguagem universal que anima, envolve e cria emoções, amizade e envolvimento. Parabéns a todos que construíram este século e uma década deste ícone local.

Publicado no Jornal de Piracicaba de 12 de novembro de 2023 e na Tribuna Piracicabana de 15 de novembro de 2023

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Cinemas e cinemaníacos

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba



A arte do cinema sempre foi vista como um escapismo à realidade. É o mundo da ilusão. Foi uma indústria multibilionária que criou consumidores, estrelas, sonhos, desejos ... É um entretenimento que está na moda há quase 130 anos. Ainda temos salas exibidoras com alto investimento, ao contrário de outras formas de exposição cultural, como os teatros, por exemplo. Ano passado, em “Babilônia”, Damien Chazelle fez uma elegia à sétima arte que explica como funciona todo este universo cheio de estrelas. Na sua esteira surgiram outras indústrias riquíssimas como a televisão, o Super 8, VHS, DVD e atualmente o streaming.

Piracicaba sempre foi bem receptiva com esta arte, com cinemas e profissionais da exibição. E, claro, a cidade teve seus amantes da telona. Por aqui funcionou o Clube Piracicabano de Cinema, sendo presidido de 1949 a 1952 por Gastão da Silva Dias (1924/2008). Ele foi um dos fundadores da Sociedade de Cultura Artística.

Outros viram o cinema como fator mercantilista. Influente na cidade, tendo sido seu prefeito em dois mandatos iniciados em 1926 e encerrados em 1932, José Barbosa Ferraz foi proprietário do Teatro e depois cinema São José, cujo prédio ainda existe na rua São José entre a Governador e a praça José Bonifácio. O teatro-cinema possuía poltronas para duas mil pessoas. Foi construído pelo arquiteto Antonio Borja Medina com teto pintado por Bruno Bacelli. Acertou quem pensou que esse proprietário era o Coronel Barbosa, que levou nome no antigo Clube Piracicabano.

Visionário foi Medina (cujo nome chega a ser desconhecido), arquiteto e construtor. A cidade deve a ele suas principais e clássicas salas exibidoras. Nos anos 1930 edificou o cine Broadway na São José (também foi o Tiffany e o Bingo Broadway) ocupado hoje por um templo religioso.

A história remonta a união da imagem em movimento ao som. Com isso, surgem opções de orquestras que animam as apresentações. Entre os músicos que sonorizaram a tela grande está Belmácio Pousa Godinho (1892/1980), também um dos fundadores do XV de Novembro. Integrou a Orquestra Lozano de Piracicaba através da qual criava som aos filmes mudos na década de 1910.


A Orquestra Lozano era capitaneada por Fabiano Sebastian Rodrigues Lozano. Este criou em 1913, a Orquestra do Teatro-Cinema de Piracicaba que contou também com Erotides de Campos como um de seus músicos. Note que estamos referindo aqui à pesos-pesados da cultura local.

A orquestra teve participação de Perfetti, maestro no cinema Íris, Broadway e Politeama. Carlos Brasiliense Pinto e Melita Brasiliense Pinto também tocaram com Perfetti. Outras orquestras que abrilhantaram os cinemas locais foram regidas por Zico Marzagão e Adolfo (ou Adolpho) Silva. Também participaram deste time José de Aguiar (Aguiarzinho), Osório Aguiar Sousa e Totó Carmello.

João Baptista Vizioli (1902/1983) – advogado, vereador e vice-prefeito de Francisco Salgot Castillon em 1959 – participou da orquestra que animou exibições dos cines Íris e Politeama. 

Francesco Stolf foi quem criou o cine Politeama – o segundo – situado à praça José Bonifácio nº 914, funcionando de 1954 a 1981 quando o espaço foi ocupado pelas agências bancárias Itaú e Bradesco.

Se a cidade era um celeiro de amantes do cinema e das salas exibidoras, cabe destacar que também produziu obras. Jaçanã Altair Pereira Guerrini – com o esposo Leandro Guerrini foi uma das fundadoras do IHGP – escreveu o livro “João Negrinho”, adaptado para o cinema na década de 1950. A obra utiliza do escravismo brasileiro para relatar a amizade de um negro e um branco unidos por um padre que prega a igualdade racial e social.

De passado também vivemos e cabe lembrar de Victor Walker, um dos primeiros exibidores fixos de cinema. Foi cenógrafo dos teatros na cidade na década de 1900.

Samuel Pfromm Neto no seu “Dicionário de Piracicabanos” (Editora IHGP) evoca Romeu Cândido Moraes (1918/2006) que dedicou boa parte de sua vida ao cinema. Foi projecionista do Cine Brodway. Era responsável por escolher as músicas executadas antes da exibição dos filmes. Participou do Clube Piracicabano de Cinema lá por volta de 1950 emprestando filmes de sua coleção particular para exibições públicas. O Clube funcionava como uma cinemateca com exibições nos clubes Cristóvão Colombo, Coronel Barbosa e Sociedade Italiana.

Mais recentemente, nos anos 1980, a cidade contava com o cine Broadway (demolido), Rivoli (igreja), Colonial (desocupado), Paulistinha (comércio) e também a Sala Grande Otelo / Cine Arte, no Teatro Municipal Dr. Losso Netto. São locais que reuniram famílias e namorados. Atualmente a cidade consta com salas exibidoras apenas no Shopping Center Piracicaba, com apresentações 2D, 3D e em 4K.

Publicado no Jornal de Piracicaba de 29 de outubro de 2023 e na Tribuna Piracicabana de 09 de novembro de 2023


quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Telas exibidoras em Piracicaba

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Falar em cinema no dias de hoje é evocar a nostalgia daqueles que, nos anos 1980, foram ao Tiffany, Broadway ou Cines Center 1 e 2. É relembrar uma época em que os filmes demoravam para chegar a Piracicaba. Lembrar da bala de menta comprada na bomboniere e ressaltar que a pipoca no cinema surgiu muito tempo depois, não falhando a memória, na segunda metade da década de 80 quando o Grupo Paris Filmes instalou suas lojas exibidoras no Shopping Piracicaba, comandadas pelo CEO Márcio Fracarolli e pelo gerente seu Silvio, figura de extrema educação e finesse.

Samuel Pfromm Neto tem estudo dizendo que os filmes cinematográficos possuem registros de exibição desde 1896. Em outubro deste ano, Klene e H. Mewe apresentaram aos cidadãos o “primeiro cinetógrafo projetando vistas naturais animadas”, em cinco horários seguidos. O ingresso para a novidade – a fotografia em movimento – era de 1 mil réis. E Piracicaba, entre os seus projetos pioneiros – entre eles a iluminação elétrica, a fluoretação da água e outros – fez a exibição dez meses após os Irmãos Lumière realizarem a primeira apresentação pública de cinema que se tem história, em Paris.

O cinema também percorreu pelas mãos de Antônio de Mello Filho que exibiu filmes no térreo do sobrado existente à rua Prudente de Moraes nº 112, com ingresso a 200 réis.

Já em 1901 possuía uma sala exibidora no Restaurante Porta Larga, de José Maria Fernandes, um empreendedor nato, dono de confeitaria, restaurante e uma casa de concertos líricos (ele cobrava ingressos de uma plateia que se reunia para ouvir discos – cada ingresso custava 500 réis). Adquiriu um projetor Lumière, vindo da França, no qual realizava exibições de filmes mudos.


Broadway ou Tiffany na rua São José, ao lado da praça José Bonifácio

O Teatro Santo Estêvão situado na praça 7 de Setembro (hoje José Bonifácio) foi, além de teatro, uma sala permanente de cinema. Criado em dezembro de 1908, o “Cinematógrafo Cháritas” tenha renda revertida à Santa Casa, dona do projetor de filmes. Na mesma época, em barracão situado na rua Boa Morte, tivemos o “Ideal Cinematógrafo”. Nada como conhecemos hoje. Mutas vezes, a plateia assistia em pé aos filmes, que eram curtos, ou ainda sentados em cadeiras de madeira. Os filmes eram mudos e existem registros de que para entender essa nova narrativa (estávamos acostumados com o teatro e com os livros), havia uma pessoa explicando : “olha ! o ator agora vai chorar porque a namorada lhe deu um sopapo!”. Depois veio a sonorização ao vivo com piano ou orquestra. O som só aparece no início dos anos 1930.

Hoje é comum ir às salas existentes no Shopping Piracicaba, propriedades da Cinematográfica Araújo, e ver nas filas pessoas com travesseiro ou almofadas. Sim ! Isso ocorre pois existe um conforto danado nas salas, com poltronas que reclinam como sofás ergométricos ou ficam estiradas como camas. É uma forma de fazer as pessoas saírem de casa e terem acesso a uma experiência diferente. Talvez até uma forma de atrair as pessoas numa época em que predomina o streaming. O mesmo ocorreu nos anos 1980 com as proliferações das videolocadoras. Para que sair de casa se em meu lar posso assistir ao filme que quero ?

Quando o som não era acoplado ao celuloide, a música ao vivo era executava para dar um ar especial ao que ocorria à tela e também para tirar o marasmo de muxoxos, pigarros, tosses etc etc etc. A Orquestra Piracicabana tocava em filmes e também em apresentações solo nos cinemas Íris e Politeama. Osório Dias de Aguiar e Sousa (1869/1937) foi um de seus máximos expoentes, utilizando também o pseudônimo Orênio Sabaúna. Nos anos 20, ainda jovem, Jayme Rocha de Almeida (1907/1964) era flautista nos cinemas. Depois virou agrônomo e professor da Escola Agrícola.

Erotides de Campos foi outro que animou exibições em cinemas. Foi contratado por Antônio Campos para ilustrar as apresentações cinematográficas no seu Polytheama, situado então à rua São José mais ou menos onde está hoje o Poupatempo Estadual. O cinema foi desativado e no seu interior funcionou um rinque de patinação. Os cinemas ocuparam por boas décadas a área central da cidade. O Supermercado Jaú Serve na Governador, já foi Kalunga, Shopping Zilliat, Balas Atlante e nos anos 1920 um cinema.

J. B. Andrade tinha empresa com seu nome a qual administrava os cines Broadway e São José. Um dos seus funcionários, de prenome Max, era um exímio letrista criando cartazes e letreiros. Isso tudo de forma artesanal. Além de acomodações, os cinemas também tiveram pinturas que hoje deixam boquiabertos qualquer um, como o Teatro (depois cinema) São José, cujo interior tem obras de Bruno Barcelli.  Cabe lembrar que as salas de teatro e cinema eram bem rentáveis. Eram diversões que não deixavam as pessoas presas em casa. Anos mais tarde enfrentaram a concorrência do rádio e mais depois da televisão. (I’ll be back)


(Publicado no Jornal de Piracicaba de 25/10/2023 e na Tribuna Piracicabana de 4/11/2023.