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quinta-feira, 31 de agosto de 2023

O rei não está nu. Está com roupa de gala

Edson Rontani Júnior – jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

A idade chega. A coluna começa a reclamar. A necessidade de inovação se torna um desafio. Mas, o riso ... este nunca esmorece. E nosso ícone nacional chega à sua edição de número 50, em ritmo de festa, pois o Salão Internacional de Humor merece louros e elogios por ser um dos mais longevos deste país, passando por décadas nas quais tivemos mudanças e convulsões sociais, políticas, econômicas ... enfim, situações vistas coo prato cheio para aqueles que através do traço desenham o avançar da vida, seja no país ou no globo.

Sua história é notória e não me compete aqui relembrar de relance tudo o que ocorreu no passado, mas cito que convivi e conheci alguns dos criadores deste ícone, como Alceu Marozzi de Righetto, Adolpho Françoso Queiroz, Cerinha, Fausto Longo, Fagundinho e tantos outros. Fui pupilo de Adolpho na graduação em comunicação social quando este coordenava a área de jornalismo na Unimep. Sempre estive ao lado de Righetto nas décadas de 1980 e 90 por força profissional e pessoal. Uma pessoa irrequieta, contestadora, que muito me ensinou sobre o lado crítico da vida. Citar nomes é uma forma de cometer lapsos. Sabemos que o time de criadores, defensores ou expositores do humor é grande, mas a lembrança muitas vezes nos prega peças.

Assim como compete lembrar da geração atual que, quando o Salão brotava, nem nascida era ou ainda estava na tenra infância, como Baptistão, Spadotto, Grosso, Paffaro, Hussar, Boligan etc etc etc ... De novo, cometo a falta de ética de citar nomes de extensas listas. Teve também o pessoal dos bastidores, aqueles que “carregam o piano” ou abrem e fecham as cortinas. Afinal, meio século de vida merece muito mais que uma determinada quantidade de toques neste matutino.

O Salão de Piracicaba buscava ser uma forma de escapismo à mordaça da censura existente na época. O Brasil vinha de Atos Institucionais que tiraram a voz da população, reprimenda que deixou manchada de sangue nossa história. Se buscarmos o humor na segunda meta dos anos 1960, tínhamos nas bancas de jornais, reproduções de charges norte-americanas, as chamadas “piadas de salão” ou “piadas de papagaio”, algo chato para os dias de hoje com humor lusófonos ou contados da boca de um papagaio. Surge “O Pasquim” como porta-voz de muitos brasileiros, inclusive os piracicabanos que por aqui fizeram uma versão pamonhesca chamada de “Aldeia”, nome para relatar aquilo que passava por nossa “tribo”. O que não era possível se falar através de artigos ou matérias jornalísticas era retratado através dos traços com dúbias interpretações. Me lembro que charge mostrava um pássaro ressabiado numa gaiola com a porta aberta. Estava chegando o fim a censura. Mas, o pássaro relutava em sair da gaiola. O que o esperava lá fora ? Interpretações a parte ... Oras ! Era apenas um pássaro numa gaiola que agora tinha liberdade. Ou, convenhamos... quando Chico Buarque de Hollanda cantava o seu “Cálice, de vinho tinto de sangue” ele estava segurando uma taça na mão ou afastando uma mordaça que na boca o impedia de falar ?!?

O Salão de Humor passou por vários locais até que o Teatro Municipal foi aberto e lá reuniu gente dentro e fora de seu hall. As noites de abertura eram concorridas. Expandiu-se para outras paredes com suas exposições paralelas. Umas das exposições que visitei ocorreram na Pinacoteca Municipal. Sim no espaço de exposições da alta classe como a Arte Contemporânea e Belas Artes, salões também tradicionais da cidade.

Em 11 de agosto de 1974, “O Estadão” trouxe artigo de meia página escrito e ilustrada por Zélio Alves Pinto, fazendo um paralelo da primeira caricatura publicada no Brasil, num livro editado em 1837 e a criação do Salão de Piracicaba.


Quem viveu os anos 1970 tem em mente outra publicação alternativa chamada MAD, inicialmente publicada pela Vecchi Editora. Entre vários expoentes de então, Sergio Aragones era um nome forte tanto na MAD americana quanto nacional. Ei-lo em Piracicaba em 21 de agosto de 1976, noticiado também pelo “Estadão”. O mexicano que completava 12 anos de atuação nos desenhos desembarcava em terras piracicabanas para dar um ar internacional no Salão. Aliás, Internacional nosso salão só viraria em 1979 quando a edição daquele ano foi realizada de 18 de agosto a 3 de setembro no Teatro Municipal. Cem trabalhos de 800 inscritos fariam a primeira retrospectiva dos seus cinco primeiros anos de vida.

O acervo do “Estadão” é rico quando o assunto é Salão de Humor. Tanto que em sua edição de 24 de agosto de 1978, o general João Figueiredo, cotado para ser o próximo presidente da República (Ernesto Geisel era o mandante então), comenta em entrevista, o pronunciamento feito por Henfil durante o Salão de Piracicaba sobre uma possível exposição pública de sua personalidade como forma de tornar sustentável a abertura política no jargão entoado na época pelos brasileiro : “ampla, geral e irrestrita” ...

Assim sendo, a exemplo de uma das mais clássicas artes expostas neste Salão Internacional, feita por Laerte parodiando conto de Hans Christian Andersen, o rei não está nu. Está em traje de gala para comemorar este meio centenário de vida.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 27 de agosto de 2023 e na Tribuna Piracicabana de 02 de setembro de 2023)

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

O peso de 256 anos

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

“Melhor lavar as mãos. Estão acinzentadas de tanto folhear jornais”, pensei. Quando me dei conta, passaram horas folheando jornais impressos de décadas passadas... Opa ! Décadas, não. Vamos ser sinceros. Séculos passados... “A rinite atacou ? Deveria ter usado uma máscara...”. E assim a história foi se desenrolando dias destes quando adentrei ao acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, em sua sede situada no Jaraguá, perto da Praça Takaki, onde a vizinhança tradicional permanece e nos acolhe como amigos da região, tais quais os irmãos Abdalla (Jorginho e Marcos), entre outros que ajudam o comércio a florescer. Agora a região tem até uma grande rede supermercadista para o café da manhã e a prosa com os amigos.

Mas de história e memória vive o homem. Alguns o denominam de “guardião da história de Piracicaba”. O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, ao completar seus 56 anos de fundação, neste mês de agosto, carrega nas costas a função essencial de cuidar de tudo o que Piracicaba foi no passado e divulgar para as gerações atuais todo este conteúdo que soma quase uma tonelada de materiais, entre livros, jornais, disquetes, filmes em celuloide, peças físicas e itens audiovisuais, entre tantos outros. É um peso imenso pois nesta quase uma tonelada estão vidas, dedicação e amor pela “Noiva da Colina”.

O jornal ao qual me referi no primeiro parágrafo é “A Gazeta de Piracicaba”, matutino que circulou de janeiro de 1881 a julho de 1938. Uma das primeiras edições que o acervo possui é de 1883, a qual necessita de total cuidado para ser manuseada tamanha a fragilidade que o papel jornal sofreu com a ação do tempo nestes 140 anos. “Ora, por que guardar papel velho?”, dirão alguns. Nestas páginas está a real história da cidade. Nada inventado. Sem “fake news”. São os relatos de uma sociedade, de uma economia, de uma política ... de pessoas que fizeram esta cidade a qual hoje usufruímos. Mais que base para estudos sociais e acadêmicos, são obras para conhecer o passado e – aí uso um jargão desgastado – evitar que venhamos a cair em erros já vividos pela humanidade.

Como escrevi, o peso deste acervo é intangível. Mais que representam os quilos e quilos de papel ou outro material que relega ao futuro o seu conteúdo. Peguemos por exemplo, o acervo deste Jornal de Piracicaba. Em seus 123 anos de circulação, quantos nomes não passaram por eles? Quantas alegrias proporcionaram às famílias piracicabanas? Quanta surpresa nos trouxeram? Quantas tristezas foram motivadas pelas notícias policiais ou pela necrologia? Quem não esperou pelo resumo da novela da semana ou pelas cruzadas para passar o tempo? O jornalismo se torna mágico na informação, no entretenimento e no conhecimento. Esta memória viva não foi construída sozinha. Precisou da mão e do pensamento do ser humano, para o bem ou para o mal. Mas aí, a história é outra.

O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba foi idealizado na primeira metade dos anos 1960, a exemplo de outros institutos históricos que eram criados no país. Muito se teorizou. Mas, às luzes dos 200 anos de Piracicaba, no ano de seu bicentenário, 1967, o sonho se concretizou. Não à toa a data de primeiro de agosto foi escolhida para sua fundação. Aniversário da cidade...

José Edmar Kihel, que viveu por longos 100 anos, foi nosso primeiro mentor a presidir a entidade. O professor Kiehl era um exemplo de dedicação à vida. Engenheiro agrônomo – assim como os primeiros presidentes e diretores da entidade, todos provenientes da ESALQ – e adorava magia se apresentando em espaços como o Grande Hotel de Águas de São Pedro. Idealizou o “Paraíso da Criança“ e dirigiu por uma década o Zoológico de Piracicaba. Há que diga que travava os animais de lá como crianças ... ou mais, como seres humanos, tamanha a bondade de seu coração.

Deram sequência a este sonho diversas outras personalidades. Muitos com notoriedade na sociedade como Nélio Ferraz de Arruda, radialista e prefeito da cidade. O IHGP entrou neste século atual com desafios, caminhando para o mundo digital numa era pré Orkut (já extinto) e antes mesmo dos smartphones, mídias sociais ou aplicativos de comunicação. Fizeram parte de “cabo de guerra” com os avanços tecnológicos pessoas como Haldumont Nobre Ferraz, Pedro Caldari, Vitor Pires Vencovsky, Valdiza Maria Capranico e Pedro Vicente Ometto Maurano.

O IHGP possui em suas mãos a história local. E visa passar este conhecimento para outras mãos. Afinal, não adianta guardar conhecimento na gaveta ou no armário pois cupim e traça não sabem ler, apenas devorar o papel. O desafio hoje é a propagação deste material, aliando-se à tecnologia digital cuja história vem sendo escrita. Para tanto, vários canais foram criados na última década para que todo este bem material e imaterial seja disseminado como informação, para estudo e conhecimento. Os livros desta entidade propagam conhecimento e, na sua maioria, desconhecida pelo piracicabano. Uma preocupação que universidades “estrangeiras” querem guardar para si como a de Harvard e do Congresso Norte-Americano, que possuem em suas respectivas galerias sobre a história da América Latina nossas publicações.

Mas as gerações vão e vem. É preciso surtir o interesse pela história e criar novas lideranças para carregar estes fardos tanto físicos como de conhecimento intelectual. Vamos pensar nisso ?

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Livro "A Foto e a História - Piracicaba Antiga"


O livro "A Foto e a História - Piracicaba Antiga" foi lançado em 21 de julho de 2022 no Museu Prudente de Moraes, com casa lotada. Esgotou na noite de lançamento. A publicação foi realizada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e contempla cerca de uma centena de fotos antigas de Piracicaba publicadas desde 2006 nas páginas de A Tribuna Piracicabana (aos sábados) e neste blog, além dos perfis no Facebook e Instagram.

No início de 2023 o IHGP reimprimiu mais 200 unidades do livro. O próprio Instituto está disponibilizando a edição digital em seu site que pode ser lido e baixado gratuitamente clicando aqui.


domingo, 20 de agosto de 2023

Oppenheimer e Fabelmans

 Edson Rontani Júnior, cinéfilo e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 


O desconcertante som do tragar o charuto de John Ford mexe e instiga com o silêncio que reina. Mexe também com a dúvida de Burt Fabelman. “O que você vê ali ? O horizonte ? Se está acima, o horizonte é interessante, se está abaixo também é interessante”, diz Ford (vivido pelo diretor David Lynch) em “Os Fabelmans”. Conclui que, se o horizonte está no meio, é normal, trivial, comum, sem sentido ... “Chato prá cacete”, diz ele. John Ford foi um dos mais icônicos cineastas norte-americanos numa carreira de quase 70 anos com filmes que vão de “Nos tempos das diligências” a “O homem que matou o facínora”, entre tantos outros.

“Albert Einstein ? Ele era bom no tempo dele, 20 anos atrás ...”, diz Robert Oppenheimer, no filme que relata a vida do criador da bomba atômica que acabou com Nagasaki, Hiroshima e a Segunda Guerra Mundial. “Mas quem soltou a bomba fui eu, ninguém se lembrará de você”, disse a ele o presidente Harry Truman (vivido por Gary Oldman).

O cinema busca com estas duas obras superar a si mesmo. Cem anos atrás, Fritz Lang era “a bola da vez” com filmes como “Metrópolis”. Alfred Hitchcock, depois, virou o “mestre do suspense” sendo um autor “fora da curva”, mas com a retórica de sempre : o homem errado levava a culpa por algo que não cometeu. A premissa está em maioria das suas obras. Depois vieram tantos outros que enxergaram o horizonte acima ou abaixo ou que superaram as ideias de Einstein, Edison ou Tesla. “Com isso estragamos o mundo”, confessa Oppenheimer a Einstein, que sai emburricado.


“Os Fabelmans” e “Oppenheimer” tomam quase seis horas de atenção do expectador, seja na telona ou no streaming. O primeiro é a mais recente obra de Steven Spielberg, depois de um interessante mas apagado “Amor, Sublime Amor”. É um filme para quem entende e gosta de cinema. Basicamente é sua biografia quando criança e adolescente, na qual ele retrata seu amor pelo cinema e as agruras em ser judeu. Seus pais não viam futuro no cinema. Mas, foi realizando filmes em casa, na bitola 8 milímetros que ele enxergou além do horizonte e descobriu a traição da mãe com o melhor amigo do pai. Fez até um filme com estes melhores momentos e o exibiu no escuro do seu closet para uma plateia seleta: sua mãe, protagonista da obra (e da traição). Em pouco mais de duas horas e meia, Spielberg fala do relacionamento humano, do crescimento de um sonho de criança que mexe não apenas com a fantasia através do cinema, e também enxerga além do horizonte. Esse sim é um cara de visão. Ficou milionário, criou linguagens imaginárias com o fantástico (“E.T.” ou “Inteligência Artificial”, por exemplo) e conseguiu calar a boca dos pais que o viam, quando fazia cinema, estar apenas matando o tempo.

Robert Oppenheimer era um desastrado e desatencioso quando jovem. O filme que leva seu nome é uma biografia maçante, utilizando um enredo detalhadíssimo sobre o pai da bomba atômica, durante a Segunda Guerra Mundial. Estranho é Robert Downey Júnior (o Tony Stark / Homem de Ferro) como o ancião almirante Lewis Strauss. Trata-se de uma obra para a qual deve-se entender o que foi a “Guerra Fria” entre Estados Unidos e União Soviética e, antes de mais nada, é preciso compreender o que foi a “Caça às Bruxas” coordenada pelo senador Joseph McCarthy. Se você pensa que verá explosões, nazistas ou ação à lá Marvel, esqueça .... É um filme muito bem pontuado pela trilha e efeitos sonoros, o qual necessita de acompanhamento histórico e esforço cerebral para entender tantas idas e voltas, numa sequência frenética de flash backs. Peca a obra ao final (faltando 20 minutos para acabar – depois de quase 2h40 minutos), quando vemos o próprio Almirante e outros personagens elucidando o caso numa sucessão frenética desnecessária, como se lembrasse o “Sherlock Holmes” (olha aí Robert Downey Jr. de novo) ou que nos remete ao final de “Assassinato no Oriente Express”. Aliás, Kenneth Branagh, diretor mais recente desta obra de Agatha Christie, também está em “Oppenheimer” como Niels Bohr e, como sempre, impecável. Aliás, Christopher Nolah, seu diretor, é uma das mais novas revelações da década atual e impressiona a cada produção desde a trilogia Batman, passando por “Interestelar” e “Dunkirk”.


“Falbemans” e “Oppenheimer” são obras distintas. Uma feita em 2022 e outra estreada há cerca de 15 dias. São para públicos diferentes. Decepcionantes ? Sim e não. Deve-se saber o que esperar quando o objetivo é assistir à um filme biográfico. É preciso conhecer a situação histórica e a(s) personalidade(s) retratada(s). O segundo foi páreo para “Barbie” (sem comentários ...) chegando a superar bilheterias ao redor do mundo. Tirou a luz do novo “Indiana Jones” – que já saiu de cartaz – e era esperado pelos marmanjões que outrora foram aos cinemas e às locadoras de VHS. Mas ambos valem como o despertar de algo que transcende a cada dia : olhar para além do horizonte.

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Entrando no cinquentenário

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Com imensa curiosidade iniciei-me na comunicação social ainda muito criança. Com sete anos fazia jornais em mimeógrafo como lição de casa. Em 1965 meu pai, Edson Rontani, criava o primeiro fanzine brasileiro impresso num mimeógrafo a tinta. Isso me espelhou na divulgação do conhecimento e da cultura. Já aos 11 anos, em 1979, comecei profissionalmente como um dos responsáveis pela página infantil de um jornal local, “Jornal do Povo Piracicabano”, que a cidade legou ao esquecimento. Foi lá que conheci personalidades como Emílio Moretti (diagramação), Christiano Diehl Neto (fotografia) e Paulo Markum (diretor de redação), entre outros.

Desde criança acompanhava os passos de meu pai que constantemente visitava o Isidro Polacow e Geraldo Nunes no Jornal de Piracicaba, Cecílio Elias Netto no Diário, e Evaldo Augusto Vicente, na Tribuna Piracicabana. Se não os visitava pessoalmente, deixava nas respectivas redações envelopes com suas charges, cartuns ...

Evaldo é uma pessoa ímpar. É aquele visionário incansável à quem a sociedade deve muito respeito. Pense num clássico do cinema. Lá está o jornalista como Kirk Douglas em “A Montanha dos Sete Abrutes”, ou redator Cary Grant em “Jejum de Amor”. Idealistas que fizeram o jornalismo no século passado como uma arma da comunicação, ou como se dizia até outro tempo, moviam o “quarto poder” no país.

Nascido em Laranjal Paulista, Piracicaba o adotou há várias décadas e aqui nos proporcionou amizades com toda sua família que labutou neste matutino, desde a esposa Astir Valim, e os filhos Evaldinho, Erick e Érica. Confesso que o jornalismo fez ídolos na cidade. Cecílio Elias Neto, querido “tio”, é um exemplo. Inconteste. Evaldo encaixa-se nesta galeria de baluarte da imprensa provinciana.

Quando tomei contato a primeira vez com Evaldo – não canso de repetir isso – foi em agosto de 1974. Tinha eu meus sete anos de idade. Passávamos pela Loja da Lua, no cruzamento da Alferes com Prudente e víamos – boquiabertos – uma pequena vitrina, que estampava os principais desejos de consumo da molecada. Dois quarteirões a frente, estava a redação da Tribuna – hoje é um laboratório de análises clínicas. Foi lá que Evaldo mostrou ao meu genitor, acompanhado de mim, a primeira edição de “A Tribuna”, com notas de falecimento de meu avô Humberto D’Abronzo, que partira meses antes, e do visionário Lélio Ferrari, da Rede Brasileira de Supermercados.

Na mão, um clichê. Um metal pregado a um pedaço de madeira. Coisas do século passado. A clicheria antecipou a fotolitagem posterior e o processo digital que temos hoje. Aí entra Evaldo. Passou da clicheria, do past-up e outras linguagens que não se ensinam mais nas cadeiras de graduação, para o off-set e hoje para programas como Corel Draw, InDesign, Photoshop e tantos outros que não deixam morrer a comunicação social impressa. Cabe ao dia a dia desbravar uma selva de pedra. 

Até então tínhamos pouco mais de 100 habitantes. Hoje – ou daqui a pouco – estaremos na casa do meio milhão de pessoas habitando nossa amada “Noiva da Colina”. O papel deste matutino que completa hoje seus 49 anos – ou como me disse Evaldo pelo What’s no domingo passado – entra nos seu 50º. ano de vida – é superar as mudanças tecnológicas, é criar novidades, é prender o leitor, assim como eu, ainda gosta do papel impresso e atrair leitores que já nasceram com leitores digitais como o Kindle, iPad ou até mesmo pelos aplicativos de conversação através das edições em PDF.

Outro dia, li na Veja que o papel é o meio mais fácil de se propagar a escrita. E o mais fácil de ser preservar e serem estudados. Vejam os documentos do Egito. Não importa o tipo de papel – sulfite, papiro, pele de carneiro... –, o que merece atenção é sua preservação ou conservação de sua escrita. Não apenas a mensagem e também o meio, como aprendemos na faculdade. Assim, vida longa ao papel, a Tribuna e Evaldo. E, claro, grato por todo ensinamento proporcionado a nós jornalistas ... e leitores !

(Artigo publicado na Tribuna Piracicabana de 01/08/2023)



Diz que é de Piracicaba, mas ...

 

Edson Rontani Júnior, piracicabano, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

Diz que é de Piracicaba, mas nunca andou de elevador panorâmico na ponte arquiteto Caio Tabajara... Diz que é de Piracicaba, mas nunca visitou o Salão de Humor ... Diz que é de Piracicaba, mas nunca foi a Esalq ...

Tiradas como estas povoaram o Facebook anos atrás e, se a memória não atrapalhar, foi antes da pandemia, possivelmente em 2018, perpetuando-se por meses. Era um jogo de adivinhação salutar, com as lembranças sendo expandidas pelos comentários nas postagens. Atrás destes comentários, fazíamos a massa cinzenta cerebral reviver momentos gostosos do passado. Chegamos a mexer em coisas da tempo do Zagaia ! Quem ?!? Ora ! Que adianta dizer que é piracicabano e não conhecer Zagaia ? Aliás, usamos este termo sem saber quem foi distinta pessoa. Eu, confesso, não uso, mas ouço muita gente usar esta frase.

Bom. Este preâmbulo serve para dizer que, com mais de 400 mil habitantes, Piracicaba, acolheu muita gente que encontrou a “terra arada, semeada e com plantação dando frutos”, desconhecendo aqueles que por aqui lutaram, deram suor e sangue. Piracicaba como conhecemos é uma. Piracicaba como ela é realmente, torna-se outra. Os mais antigos e tradicionais a enxergam de uma forma diferente da visão dos “estrangeiros” que por aqui se aportaram.

É a “síndrome da ponta do nariz”. Pois, bem. Por mais que a ponta do nariz esteja diante de nosso olhar, nunca a notamos. Piracicaba é assim. Está na ponta do nariz e muitas vezes não damos valor aos pontos turísticos, à sua gastronomia, à sua riqueza cultural. Saímos do pejorativo “quintal de Campinas” para sermos o jardim de nossa própria cidade. Exemplos disso ? Vejam os motociclistas que, de outras cidades, vem a rua do Porto no final de semana ... Os pontos atrativos e turísticos cheios de pessoas durante as férias de julho, as movimentações em pontos de caminhada como o Parque da Rua do Porto ou a Estação da Paulista. Até outro dia saíamos no Shopping Center lendo as cidades de onde vieram o veículos – agora, com o novo design das placas do Mercosul, sabemos apenas que ele são do ... Brasil. Querer enxergar além da ponta do nariz exige um exercício que nos perpassa o estrabismo ou miopia, com grande ganho cultural.

Até os anos 1980, não tínhamos um centro cultural na Estação da Paulista. Tínhamos trens de carga que impossibilitavam nossa entrada no espaço. Hoje caminhamos, andamos de bicicleta, utilizamos equipamentos (com acessibilidade, inclusive)... O Engenho Central era tão fechado quanto a Chácara Nazareth ou o Casarão de Luiz de Queiroz. Eram pontos particulares. E hoje ? O Salão Internacional de Humor, que entra em agosto na sua 50ª. edição, é um bom exemplo desta ocupação.

Com a criação do calçadão da praça José Bonifácio, no início dos anos 1980, o piracicabano ganhou um moderno centro de lazer, muito além da ESALQ que proporcionava até então piqueniques, passeios de bicicleta ou empinar pipas. Os “Domingões” chamavam as famílias para a praça. Foi lá, aliás, que, com meus quase 10 anos, aprendi a jogar xadrez.

E a gastronomia ? Quem viveu os anos 80 comia o sanduíche churrasquinho do Bar do Décio, o prensadão da avenida Armando de Salles de Oliveira ou a canja ou sopa de cebola do Saravá. Que mais ? Tínhamos de esperar um ano todinho para provar uma esfirra aberta na Festa das Nações que ocorria no Lar Franciscano de Menores. Pastel, então, apenas no Mercado Municipal, consumido somente no horário comercial – impróprio para quem trabalha o dia todo. Churros ? Apenas na Eletroradiobraz (atual Pão de Açúcar da Cidade Alta). E hoje ? Compramos churros e esfirras a qualquer momento e por aplicativo ! Muitas famílias iam para Campinas visitar o Makro, primeiro atacadão da região. E ter a carteirinha desta rede era símbolo de status. “Fui a Campinas e comprei galão ou pacote de tal produto, algo inacessível a você” ... Era o “ó do borogodó” ... Ostentação para poucos. O Makro abriu em Piracicaba fechou suas portas em abril passado e ninguém deu conta ...

Melhorou ou não ? Muitas outras referências tivemos ao longo deste período, claro. Destaco aqui alguns poucos, devido à limitação do espaço.

Vivemos períodos pós pandemia, voltando a circular pelos pontos turísticos. O fato não é conhecer o que já se conhece e sim enxergar além da ponta do nariz. Ver a beleza de pontos como o Aquário Municipal – recentemente reaberto –, os Teatros Municipais, saborear uma boa gastronomia à beira do rio Piracicaba ... Enxergar com amor é acabar com estereótipos e principalmente preconceitos.

Pois, bem. Nos últimos dias, o poder público municipal nos deu a chance de conhecer ou revisitar locais. Um ônibus colocado a disposição, levou as pessoas para subir o elevador ao lado da Ponte do Mirante ! Isso, durante a semana e em horário comercial ! O piracicabano teve a chance de conhecer ou revisitar a história da Estação da Paulista (que já foi um sambódromo na segunda metade da década de 1990 – e ninguém lembra disso !), Estádio Barão da Serra Negra, Cemitério da Saudade, Esalq, Museu da Água, Aquário Municipal, Engenho Central, Ponte Pênsil, Casa do Povoador ... Ufa ! Além disso, pôde ver como é a logística da Polícia Militar no hangar do helicóptero Águia e as obras de Volpi nas paredes da capela do Monte Alegre.

Ou ainda partir para os redutos dos tiroleses em Santana e Santa Olímpia, onde souberam que Olímpia não é santa e sim diaconisa. Existe vida além da cucagna e também da Festa da Polenta. Enxerga quem quiser.

Aliás, confesso que vivi míope por muitos anos. Por 37 anos morei a três quadras da Estação da Paulista e nunca vi um trem na vida. Apenas conheci a Maria Fumaça quando fui para Jaguariúna proporcionar ao meu filho algo que eu nunca tinha visto ou vivido. Também nunca pisei no Barão mesmo sendo neto de um dos presidentes do XV (Humberto D’Abronzo) e filho do criador do Nhô Quim (Edson Rontani). Neste tempo todo, eu devia usar um “fundo de garrafa” e não sabia ...

Finalizo parabenizado a Semdettur pelo projeto Férias – Visite Piracicaba, encerrado sexta-feira passada. Consegui mais uma vez tirar meu estrabismo e minha miopia e enxergar além do nariz, vendo uma Piracicaba tão bela quanto ela é. Parabéns à equipe – Fernanda (coordenadora), Júlia (guia turística) e Reinaldo (motorista), além da Patrícia guia em Santa Olímpia. Que venham mais ações como estas em dezembro/janeiro. Feliz 265 anos, Piracicaba !

(Artigo publicado na Tribuna Piracicabana em 02/08/2023 e, de forma resumida, no Jornal de Piracicaba em 30/07/2023)