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quinta-feira, 3 de julho de 2025

A montanha dos abutres

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba


 

Uma pessoa curiosa fica presa numa caverna ao procurar relíquias indígenas. Soterrado, ele tem o auxílio de desconhecidos para se alimentar. Mas as rochas que caíram sobre ele impedem seu resgate. A história ocorre na cidade de Albuquerque, estado do Novo México, Estados Unidos. Um jornalista aproveita a situação para fazer o que se chamou em outras época de “jornalismo marrom”, ou seja, tirar proveito da situação para alcançar leitura e venda do material impresso.

Claro que a época é outra. No caso do curioso a ser resgatado, estamos na virada da década de 1940, quando os jornais tinham milhões de exemplares por dia, em que não existia concorrência da televisão muito menos da internet. As pessoas se informavam com o papel impresso, como este jornal. Um repórter que estava buscando um “furo jornalístico” e, quem sabe, reascender profissionalmente, vê no caso da caverna uma chance de brilhar. Como será feito o resgate? A vítima passa bem? O que ela pensa sobre seu futuro? Tudo era um capítulo atrás do outro, como vemos em novelas ou seriados. O jornalista nota que isso aumenta a venda do jornal impresso e eleva seu faturamento publicitário.

Porém, ele pensa: quando acabar, tudo volta ao normal. Minha reputação retorna à estaca zero. Meu ganho financeiro, também. Por que, então, nos postergar o resgate? Assim, ele começa a impedir o avançar da retirada do indivíduo do buraco.

Este é o filme “A montanha dos sete abutres”, de 1951, estrelado por Kirk Douglas como o inescrupuloso jornalista, dirigido pela batuta do polonês Billy Wilder. Ele foi um dos melhores diretores norte-americanos do cinema. Toda sua carreira é permeada por sucessos comerciais e filmes que colocam nossa mente em parafuso.

Bom, de 1951 para 2025 são 74 anos de distância. A sociedade mudou. O jornal impresso mudou. O engajamento em mídias digitais é algo contemporâneo que alterou o meio que vinha numa boa cadência desde os anos 1800.

Dias passado chegou a nós a informação da publicitária paulistana que caiu na boca de um vulcão na Indonésia, resgatada dias depois sem vida. Alguma similaridade com o filme anteriormente citado? Entre sua queda e seu resgate, foram poucos dias. Mas o engajamento nas mídias sociais mexe com algoritmos que interessam aos processos midiáticos atuais. Tanto que o assunto ainda é pautado, semanas depois. No mesmo final de semana, um balão com mais de 20 pessoas pega fogo, em Praia Grande, Santa Catarina, e eleva os algoritmos digitais.

A curiosidade do ser humano hoje é guiada por altos e baixos do Instagram, Tik Tok e outros. A curiosidade em ver “o circo pegar fogo” com os outros é peculiar do ser humano. Nelson Rodrigues já falava que é mais curioso ver o que ocorre na esquina de casa do que nos Estados Unidos. Não à toa criou seu espetacular “O beijo no asfalto”. George Orwell em “1984” ditou regras que hoje movimentam milhões de dinheiro com a fórmula do “grande irmão”, ou o big brother como conhecemos. Olhamos pelos canais disponíveis o que as pessoas fazem trancafiadas numa casa.

O voyeurismo passou a ser palavra de ordem. Celular na mão e o processo midiático passando na nossa frente. Risada daqui, comoção dali ... alimentos que movem o ser humano.

Submarino russo que submergiu e nunca mais voltou a tona em 2000. Mineiros soterrados no Chile em 2010. O padre que saiu voando com bexigas. Avião que caiu na Índia em junho. Avião com o time do Chapecoense que caiu em 2016. Estes são exemplos de recordações que fixam em nossa mente e nunca mais desgrudam. Precisamos disso?

Assim como a jovem de 25 anos que caiu na boca de um vulcão indonésio, fica a reflexão passada por Amir Klink, durante navegação que ele fez em águas antárticas: o silêncio. Ele é ensurdecedor pois não se ouve nada entre geleiras. E com isso ele olhou para seu interior e descobriu a solidão fazendo desta força uma forma de buscar e garantir a vida.

(Publicado no Jonal de Piracicaba de 29 de junho de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 5 de julho de 2025)