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quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Mensagem para nosso futuro

 Edson Rontani Júnior

Jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Não estou nesta fase, mas preservo as amizades com septuagenários e octogenários. Essas amizades surgiram 30 ... 40 anos atrás. Talvez mais, talvez menos. Eu também era mais jovem. Não faço qualquer diferença. Pelo contrário, mais ouço que falo pois sei que da mente destas pessoas sai muita vivência, história de um longo passado gostoso de ouvir pois confio em tudo e saboreio cada palavra dita.

Henrique Cocenza, escritor e professor na Unimep, escreveu certa feita um livro com o título “Antes que eu me esqueça”, se não me engano, no início dos anos 1990. Sábio título. Sábio pois o ser humano por sua natureza tem o dom de esquecer. Memorizamos apenas aquilo que repetimos sempre. Cocenza colocou no papel passagens de sua vida as quais tinha medo de esquecer com o passar o tempo. Ele faleceu, mas sua palavra e seu pensamento permanecem. Eu próprio, quando pego meus textos de 15 ... 20 anos atrás, estranho algumas passagens. Não me lembro delas. E fico boquiaberto pensando: “fui eu mesmo quem escreveu isso?” ...

Leandro Karnal dias atrás publicou na imprensa um imenso artigo de reflexões voltadas para a sua própria velhice. Mensagens escritas no hoje para ele mesmo daqui 20 anos. O ser humano é mutável, seu pensamento é perecível. É curioso compararmos o hoje em outros tempos. É como ver um caderno escrito por nós mesmos no passado. A gente estranha.

Desta forma, ficam algumas dicas para todos nós seja daqui dez ou 20 anos. Vamos à elas ?

- Espero que eu e você em 2045 tenhamos controlado o tempo. Quando jovens temos tempo, mas falta tudo à nossa volta, desde uma casa, um carro ou o dinheiro. Queremos comer uma pizza com a namorada mas falta a bufunfa. Quando estamos ativamente na vida, o tempo nos come tornando os dias curtos achando chato festas, aniversários, pizzarias, enquanto podíamos estar encolhidos em casa para tirar o atraso do sono ou daquele “não fazer nada” aos finais de semana. Devemos ser sábios em domar o tempo e não deixa-lo nos dominar, assim como devemos aprender com o dinheiro. Não sejamos escravo dele. Tomara que no futuro, tudo isso aqui faça sentido !

- Seja sociável. Com o passar do tempo, trocamos o olhar no olho pela revista, pelo álbum de fotografia, pela televisão e agora pela internet. Mesmo em rodas de conversa, é comum ver as pessoas sentadas ao nosso lado remexendo o Instagram num nocivo stalkear para saber o que fulano está fazendo, o que sicrano está comendo, e assim vai. Isso tem nome, chama-se FOMO, uma síndrome já tratada como doença. Gostoso mesmo, é jogar baralho, um jogo de tabuleiro, independente de fazer calor ou chover lá fora. Importante é sentir pessoas ao seu lado que um dia nos deixarão e, muitas vezes, sem dizer um “te amo” ou um “tchau”. Espero que entendamos isso no futuro.

- Não seja teimoso ! Sim. Você e eu não devemos ser teimosos com o passar o tempo. Parece que isso anda de mão dada na velhice. Semanas atrás estava eu numa farmácia na rua Governador esperando ser atendido. Repentinamente um barulhão. Olho para a entrada, um homem caído ao chão. Celular para cá, documentos para lá e ele estendido no chão com a cara espatifada. Caiu sabe-se lá como. O erguemos, colocamos numa cadeira e o mesmo começou a reclamar que doía sua face, a qual começou apresentar sinais de sangramento. Aparentava ser octogenário. “O senhor quer que avise alguém da família?”, disse minha esposa. A resposta: “eles não ligam para mim, estão passeando e de nada adianta ligar”. Para mim, pura teimosia. Sentimos dó, mas notamos um vazio na vida do mesmo num momento em que quatro ou cinco estranhos o socorreram e o mesmo negava ajuda de pessoas “sangue do seu sangue”, os familiares que estavam passeando.

Fórmula boa e fácil não existe. Talvez daqui uma semana eu leia isso tudo e pense que escrevi a maior besteira. Não sei, talvez leia tudo isso em 2045. Sem pressa, aliás.  

 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

A sopa para a mosca pousar

Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo 

A teledramaturgia e o cinema parecem estar andando de mãos dadas à qualidade, coerência e na infinitude de ideias. Pouco antes da pandemia surgiram produções biográficas sobre expoentes de nossa música popular brasileira, a famosa MPB, termo que surgiu nos anos 1960 contrapondo à bossa nova. Muitas destas produções superaram expectativas. Podem não ter rendido o esperado na bilheteria, mas se destacam como excelentes peças na telona ou no streaming.

Eis que aparece “Raul Seixas – Eu Sou” lançado em março pela Globoplay e exibido a partir desta semana em sinal aberto pela TV Globo. São oito episódios que relatam a vida deste ícone do rock brasileiro e figura inconteste da sociedade brasileira. Vale destacar que o seriado é mais que Raul, é Ravel Andrade na pele do personagem principal, numa surpreendente interpretação aliada à fantasia como os brainstorms com Paulo Coelho na criação de letras das músicas.

A cada capítulo um espelho crescente como uma opereta maluca na qual sua infância na Bahia nos leva ao Raul criança, sonhador com extraterrestres, iludido com livros com conteúdo fantásticos que reverberam Jules Verne, Alexandre Dumas, Edgard Alan Poe e outros. De terno, gravata e pasta 007, ele perambula pelos escritórios da CBS do Rio de Janeiro mostrando seu desconforto em ser um “cidadão respeitado que devia estar alegre e satisfeito por morar em Ipanema”, como dizia seu hit “Ouro de Tolo”.

O seriado passa de meados dos anos 1960 até 1989 quando o ídolo morreu aos 44 anos de idade. Tem cenas surreais como a do elevador no qual encontra-se com Jesus Cristo e Elvis Presley. São ícones de sua fase grã-cavernista na qual procurava uma sociedade alternativa em plena ditadura militar. Até explicar que esta sociedade era uma religião e não uma ordem social, houve um hiato imenso, pago, aliás, por Paulo Coelho, comunista de carteirinha e autor de mirabolantes letras cantadas pelo mago do rock brasileiro.

É nesta ligação que cito outras obras do cinema nacional como “Tim Maia” (2014), “Elis” (2016), “Minha Fama de Mau” (2019). Todos mostram astros ricos, populares, rodeados de tietes, donos de sucessos musicais, porém presos a drogas e ao álcool. Raul era mais. Seguia o bordão: “drogas, sexo e rock’n’roll”. Vivia de festas até com estranhos. Bebia o dia todo além de atirar-se como corpo e alma no fumo e nas drogas. Mas é inconteste a capacidade de criar música, arranjos e, principalmente, letras em sucesso que lhe renderam shows e discos de ouro na época em que eram conquistados a cada 100 mil LPs vendidos. Subiu rapidamente e caiu rapidamente. Passou a ser contratado com desconfiança de que não terminaria seus shows de forma sóbria.

Era um “maluco beleza” no jeito de se vestir. Teve esposas e mulheres, assim como filhas. “Raul Seixas : Eu Sou” deixa evidente sua necessidade de estar presente no passado, como espelho ideal de sua vida. O pai ausente que esteve compondo, tomando suas “biritas” ou procurando seu ego enrustido numa religiosidade extraorbital. “Carimbador Maluco” foi o início da queda. “Eu gravando uma música para um programa infantil?”, chega a dizer. Rendeu-se à sociedade convencional para não morrer de fome.

A obra merece mais que ser vista e revista. “Raul Seixas: Eu Sou” é uma concepção concreta de que a teledramaturgia já segue os passos dos seriados americanos anos dos anos 2000 e 2010 e dos doramas coreanos da atualidade. Ou seja, estamos em plena sintonia com o streaming mundial ofertando bons produtos, consumidos facilmente, mesmo que Donald Trumpo invente de taxar nosso cinema e nossa televisão.