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domingo, 12 de outubro de 2025

Rua sem saída

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Na última quarta-feira (8 de outubro de 2025), a história de Piracicaba foi reescrita. Mais uma vez reescrita. E desta vez sua história foi resgatada à oito mãos, sendo dedilhada por Barjas Negri, Miromar Rosa, Kátia Mesquita e Fábio Bragança. Com a publicação do livro “1001 Ruas”, produção independente dos autores, resgata-se não apenas uma lista de endereços e sim personalidades homenageadas em logradouros como ruas, avenidas, vielas, travessas, viadutos e afins.

Para quem não tem destino, qualquer caminho serve, já dizia um velho ditado. Porém, as ruas são referência para nossa rotina diária. Imagine como eram as referências no passado: pegue a rua direita (que partia do rio Piracicaba), siga até o bairro alto (no alto da colina esquerda do rio) e próximo você encontra o bairro dos alemães (em homenagem à colônia germânica aqui estabelecida). São pequenos exemplos que nos norteiam na direção a ser tomada.

Passear pelas ruas é um conhecimento curioso e gostoso. Afinal, vamos à Governador visitar as lojas sem muitas vezes estudar quem foi Pedro de Toledo, interventor federal em São Paulo no início dos anos 1930, deportado para Portugal por ter colaborado com os paulistas na Revolução Constitucionalista. Aliás, existem poucas referências – apenas em anúncios em jornais – sobre a rua João Pessoa, anteriormente denominada de rua do Commércio e posteriormente Pedro de Toledo. A mudança de nome de qualquer logradouro hoje demanda não apenas da mudança das placas em cada esquina e sim na mudança cartorial e suas avenças financeiras.

Temos bairros com ruas que homenageiam a Segunda Guerra Mundial (Monte Castelo e Pistóia, no bairro Verde), assim como cantores (Francisco Alves e Ataulfo Alves, também no bairro Verde), países, aves, flores e outros. Mas “1001 Ruas” busca homenagear as pessoas que fizeram e construíram Piracicaba, num abecedário com diversas verbetes. Não são biografias extensas, mas referência necessária para saber quem é o nome estampado nas esquinas quando se coloca o pé na calçada ou no asfalto.

Também é uma forma de viajarmos no tempo com nossa memória que às vezes fica empoeirada. Talvez poucos se lembrem dos carros batidos, amassados e recolhidos pela Ciretran em sua sede ao lado da praça da Boyes, na rua Luiz de Queiroz onde hoje serve-se uma das melhores gastronomias locais. Ou de um tempo de antanho quando a rua do Porto era aquela conhecida hoje por rua Moraes Barros, já que ela é quem dava destino ao porto no rio Piracicaba. A própria rua do Porto, ao lado da avenida Alidor Pecorari era uma zona residencial até os anos 1980. Nos dias atuais é um centro comercial movido pela gastronomia servida à mesa.

Andar pelas ruas de qualquer cidade é possível ver belezas (como as grafites no Largo dos Pescadores) e as “feiuras” como lixo ou a má conservação das calçadas, entre outros.

O livro evoca memórias e esclarece algumas pessoas que não fazem ligação que alferes era a atual patente de tenente no Exército Português. E que José Caetano (Rosa) foi vereador, dono de usina e escravocrata. Além disso, foi um dos principais arruadores da cidade, numa era em que tudo era feito nos “zóio”, sem GPS nem nada.

Aliás, já que abordamos localizadores, alguns deverão se lembrar de como era difícil viajar para São Paulo, Campinas e Santos sem o Mapa Rodoviário 4 Rodas, publicado pela revista da Editora Abril. Dirigir sem ela era difícil. Mas dirigir com ela era pior já que o mesmo ocupava quase todo o painel dos veículos.

Neste interim surgiu o GPS. Tínhamos de pagar para suas atualizações. Não era como hoje no celular. Semáforos, radares, ruas sofriam alterações... dá-lhe atualização! E pagava-se por ela. Hoje, você viaja com o celular que lhe dá conselhos sobre policiamento a frente, ou veículo parado mais adiante ou objeto no meio da estrada. Ficou mais fácil. Ou, seja: o Waze é meu pastor e ele me guiará...

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 12 de outubro de 2025)

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Saci teve um pé em Piracicaba

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Saci teve um pé em Piracicaba. Aliás, teve seu único pé em Piracicaba. E não é ironia. Vamos usar uma história para descrever o porque disso. Há 100 anos atrás, as pessoas liam uma obra de Bram Stocker intitulada “Drácula” e, cada cabeça imaginava um jeito como deveria ser o Vlade Tapes, mais conhecido como o vampiro que se alimentava de sangue humano e vagava como um intrépido insone, fugindo do sol. Porém, foi Tod Browing em conjunto com Carl Laemmle Jr. que deu a imagem que conhecemos hoje, longe dos livros. Um sujeito de cara fechada, vestido de roupa negra e uma longa capa. Pronto ! Estava feito o estereótipo do vampiro noturno !

Pouco mais de 100 anos atrás, sem televisão, cinema e internet, a imaginação corria à solta. A conversação arrepiava as pessoas. Foi daí que se propagaram lendas urbanas e rurais, dentre elas o saci.

Coitado do nosso Pererê... Teve de caminhar a duras penas para que no imaginário popular tivesse a composição de uma pessoa de meia idade, segurando um cachimbo, vestido apenas de shorts e um gorro na cabeça. Sabia-se que ele era terrível para com todos, que dava assobios ensurdecedores, aparecia em redemoinhos os quais surgiam do nada ! Mas, como se elaborou esta aparência ?

Pois, bem. Monteiro Lobato, lá por volta de meados da década de 1910, utilizava as páginas do jornal “O Estado de São Paulo”, para fazer seus inquéritos. Foi aí que ele criou, em crônicas, seus pensamentos sobre o homem interiorano, depois reunidos no livro “Urupês”. Surge o Jeca Tatu, típico caipira, desleixado que vive no campo, pita um cigarro, e espera a vida acontecer. Foi neste Jeca que surgiu o nosso Jeca, o “Nhô Quim”, mascote do Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba. Uma história puxa a outra.

Foi nestes inquéritos do Estadão que Lobato questionou o vanguardismo da Semana da Arte Moderna, hoje inconteste revolução artística. Na época, ele considerava os trabalhos de Anita Mafalti como aberrações em forma de telas. O tempo foi cruel com Lobato, mostrando-lhe que os rabiscos de Anita criaram fama e alcançaram milhares de dólares quando postos a venda nos leilões.

“Inquérito sobre o sacy-pêrêrê” foi uma das suas articulações para que, em conjunto com os leitores pude criar a “cara” desta lenda contada em todo o Brasil. “Mythologia brasílica” era o nome da coluna. Aí é que Saci coloca o pé – com perdão para a expressão – na cidade de Piracicaba. Em 1º de março de 1917, o Estadão publica carta de Sebastião Nogueira de Lima ajudando a compor esta face do negrinho que aprontava suas estripulias, seguindo tradições indígenas e africanas que povoaram por muitos séculos as tradições orais.

Nogueira – que foi vereador, delegado e interventor federal em São Paulo – lançava curiosidades interessantes sobre o Pererê, criando inclusive uma música (também publicada naquela edição) sobre como deveria ser o assobio do perneta, lembrando o seu forte silvo.

Nogueira conta uma face admirada por Lobato: o saci sentimental. Aliás, não é o saci e sim vários sacis, todos com feições iguais, mas com sexos diferentes e idades também diferentes. Ele mesmo cita que, quando criança, ficou ensurdecido com o silvo de um saci chamando sua amada, num solfejo a la “rhtymo de polka”, conforme descrito naquela edição.

“Inquerito sobre o Sacy” virou um livro escrito por Monteiro Lobato. O depoimento de Sebastião Nogueira consta nele. Não dá para dizer, então, que Saci Pererê não seja piracicabano. E viva nosso cidade !




(Publicado na Tribuna Piracicabana de 11 de outubro de 2025)