* Edson Rontani Júnior
Frei Paulo de Sorocaba no Seminário São Fidelis
Foi um encontro celestial muito
íntimo. Único! Há alguns anos, quando estava arrumando toda a papelada para meu
matrimônio, fiz algumas visitas à Igreja dos Frades, numas de suas áreas que há
muito não visitava. Na secretaria da Igreja me deparo com uma imagem pintada na
parede. Um santo, um cordeiro, uma paisagem... Passei a fitar a obra feita à
óleo na própria parede como se tentasse decifrar algum momento perdido no
passado.
É um daqueles instantes que nos
damos conta uma única vez na vida. “Como nunca reparei essa obra?”, pensei.
Afinal, por mais de 30 anos residi ao lado da Igreja dos Frades, fiz catecismo
ali e me casei nessa mesma igreja.
Quem de fora vê a Igreja Sagrado Coração
de Jesus não visualiza a riqueza do seu interior, em especial as obras do Frei
Paulo de Sorocaba, que tantos discípulos deixou em Piracicaba e tornou-se
referência na arte sacra da região sudeste do Brasil.
Confesso que desde criança ouço
falar do velho capuchinho que ensinava crianças e adolescentes a pintar. Isso me
foi passado verbalmente por meu pai, Edson Rontani, ele próprio um dos pupilos
do Frei Paulo durante sua estada no Oratório Seráfico São Fidélis.
E através de uma história simples
chega-se à imensidão artística oferecida pela Igreja dos Frades, cuja pedra
fundamental foi lançada em 1º de janeiro de 1893 e teve sua inauguração marcada
em 10 de dezembro de 1895, ainda com sua estrutura incompleta.
O que
nos intriga ainda hoje é como um homem a serviço da igreja tenha se dedicado
com tanto afinco à pintura. Obras do Frei Paulo de Sorocaba são hoje referência
nos principais verbetes históricos-culturais. Teve grande atuação em Piracicaba
sendo o responsável pela pintura da fachada da igreja em 1915. Em conjunto com
Plácido Zenatti e Eriberto Zabrecato, Frei Paulo fez a pintura do presbitério e
do altar principal. Isso, entre 1916 e 1917. Teve a idéia de criar os
respiradouros das paredes, melhorando sua acústica e ventilação.
Início – João Batista de Melo - nome de batismo de Frei Paulo-,
nasceu em Sorocaba em 24 de junho de 1873, em meio às comemorações juninas a
São João, o santo do dia. Era filho do músico Pedro Rodrigues de Melo, fundador
da Banda 7 de Setembro, a qual regeu por 36 anos. Criado numa casa onde se amava
a música, foi o cônego sorocabano Antonio Augusto Lessa que o impulsionou à
arte: já aos nove anos tocava o violino do pai.
Anos mais tarde descobriu o lápis
e o papel. Aos 10 anos é levado ao desenho artístico por influência de amigos,
dentre eles o fluminense Antonio José da Rosa, ourives, entalhador e músico. O
garoto passa a ter contato então com o ensino de perspectivas e desenhos com
crayon através de gravuras litografadas e fotografias.
Com um tio, passou a pintar paredes
de 1887 a
1891. No final desta década, sente-se inclinado à ordem religiosa. Foi a São
Paulo onde os capuchinhos do Seminário de Santa Clara tentam dissuadi-lo da
intenção. “Você não agüentará a rigidez dos frades; tente uma ordem jesuíta ou
salesiana”, lhe disseram.
Em 30 de outubro de 1899 perde
seu pai. Na noite de Natal daquele mesmo ano parte de Sorocaba para São Paulo
onde busca refúgio no Convento de São Francisco. Apenas um ano depois consegue
seu intento e, na Igreja de Santo Antonio, na capital paulista, toma os
primeiros passos junto à ordem franciscana.
Em 6 de agosto de 1900 vem a
Piracicaba como noviço. Passou por Taubaté e por Campos Novos de Paranapanema.
De volta a São Paulo, outros freis indicam-lhe a Europa como lugar para
aprimorar seus dotes artísticos. Foi para a Itália em 1912 sendo pupilo de
Antonio Meyer, da Escola de Veneza. Deixou várias pinturas em solo europeu,
algumas delas desaparecidas durante a Primeira Guerra Mundial.
Lá estudou obras de mestres como
Veronese, Tintoretto e Ticiano. Influências que o seguiram até o final da vida.
Voltou a Piracicaba em 1913 ficando por dez anos. Em
1917, Frei Paulo pintou, na Igreja dos Frades, o quadro de São Francisco
recebendo os estigmas. Uma obra que mede 3 por 2 metros . É uma das mais
bonitas obras que existem ainda hoje.
Residiu depois em Botucatu e
Santos. Fez obras à óleo, terracota, aquarela, crayon, carvão, além de pintar
não apenas a arte sacra assim como paisagens e natureza morta.
Em 1928 retorna a Piracicaba onde
ficaria até sua morte em 11 de julho de 1955. Integrou o corpo docente que, em
10 de dezembro de 1928, instalou o Seminário Seráfico São Fidelis.
Teve sua saúde debilitada pela
doença. Mas mesmo assim encontrou tempo para estudar o relógio de sol e as
eclipses. Teve várias pinturas sobre os temas e construiu alguns relógios de
sol na cidade. Foi um estudioso daquilo que os cientistas chamam de
deslocamento do eixo da Terra.
Foto de 11 de julho de 1939: David Furlan, Waldemar Arana, Homero Scudeller, Eugênio Nardin e Aurelio Brossi juntos ao Frei Paulo de Sorocaba
Opiniões – Eugênio Nardin, ouvido por mim então com 88 anos,
artista plástico, foi um dos pupilos de Frei Paulo. “Frei Paulo era uma pessoa
que tinha liberdade para tudo e não se enroscava com papas na língua, era uma
pessoa sincera e falava o que pensava”, lembra.
Foi bondoso por dar aulas
gratuitas a adolescentes, sendo o primeiro professor de desenho no século
passado na cidade. Nardin lembra que Frei Paulo “conhecia bem a perspectiva,
estudava com a preocupação de ensinar as formas claras; tinha até uma técnica
de cavalete para ensinar linhas de desenho e perspectivas, oferecendo ângulo
visual para as pessoas conforme sua perspectiva visual”. Foi um ser humano
ímpar, sem se abalar com as tristezas que a vida lhe apresentou como a morte do
irmão, ocorrida na Santa Casa de Sorocaba quando reparava um afresco.
O primeiro aluno do Frei foi
Angelino Stella por volta de 1920. Nardin foi um dos seus cinco primeiros
alunos.
Para o artista plástico Eduardo
Borges de Araújo, Frei Paulo de Sorocaba foi o precursor do ensino da pintura e
desenho artístico em Piracicaba, depois de Miguel e Joaquim Dutra. “Ensinou e
orientou uma vasta geração em Piracicaba, tendo cerca de 25 jovens que tiveram
sua influência na pintura e se tornaram destaque na arte local”, diz.
Agora, uma questão que não
consegue calar. Um homem santo, por que teria inclinação artística para a
música e para a pintura ? Borges argumenta que “dom é isso, pois, no caso da
pintura, ela não escolhe a personalidade da pessoa e sim forma a pessoa; para
ser um treinador de futebol ou um ator o profissional tem que possuir
inclinação, estudar e aprimorar seu dom”.
Pena que a geração atual não
conheça a contribuição de Frei Paulo de Sorocaba à arte local. Piracicaba
sempre foi um ponto de referência nas artes, servindo de celeiro na formação de
grandes talentos. Borges lembra que além do resgate cultural é preciso
conservar as obras como o que já ocorreu com a pintura de Mário Thomazi na
Igreja Bom Jesus do Monte ou da Igreja do Monte Alegre pintada por Alfredo
Volpi.
* Edson Rontani Júnior é jornalista
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