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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Criadores e conteúdos

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba


É oco por dentro. Mas dentro tem água. Um coco alimenta tanto pelo seu líquido quanto por sua polpa. Mas não deixa de ser oco. Curioso é ver que muitos conteúdos são ocos, mas não tão nutritivos quanto o coco que nos beneficia pelo sabor, pelos nutriente etc etc etc ...

O caos proporcionado pela informação nos joga num mundo sem lei tal qual o bandido que saca a arma para duelar com o xerife no velho oeste americano. Daí é que surge o caos da informação, do entretenimento e do conteúdo. Mas ... que raios ?!?! Onde chegar com esta conversa ? Simples ... estamos sendo bombardeados por conteúdos ocos todos os dias, fazendo com que isso seja uma necessidade, criada pelo incrível poder midiático, e, assim mesmo nos extasiamos, de tanta banalidade. Ué ! Você já notou algo enriquecedor intelectualmente no Tik Tok ? Ou já se deu conta do modismo que vemos nesta plataforma – e não tão somente nela – fazendo com que a sociedade mude conceitos e comportamentos ? Isso me faz lembrar aquela máxima : não é porque todo mundo está fazendo que está certo; e não é porque apenas uma pessoa está fazendo que está errado. O errado é errado mesmo que todos o estejam fazendo. Mas, a quem compete julgar ? Complicado, não ?

Nosso papel como escritores não é lançar conceitos e ponto final. A intenção é movimentar a “massa cinzenta” e botar os neurônios a funcionar. Dizem que a leitura abre portas para o mundo, elucida pré-conceitos, leva-nos a novos caminhos. Tudo bem, até aí.

Mas algo me instigou nesta semana que se passou. Nosso ilustre diretor do JP, Marcelo Batuíra, esteve presente na sessão de posse da Academia Piracicabana de Letras, realizada na última quarta-feira na Câmara de Vereadores, na qual inclusive tal nobre advogado e representante da imprensa local assumiu a cadeira de Archimedes Dutra. Em seu pronunciamento, Batuíra foi muito feliz ao citar que escritores, jornalistas, poetas e outros são “criadores de conteúdo”, embora ele, com certa ironia, disse nem saber do que se trata isso.

O embate está em seu primeiro round, numa interminável disputa. Está começando e não se sabe onde vai parar. Filosofias elucidativas, longas páginas de livros, conteúdo intelectual de primeira e outras manifestações aprofundadas se afastam do conhecimento humano pelos três parágrafos cada qual com três linhas que os estudiosos apontam como caminho para a mente humana se prender e entender determinado assunto quando algo é postado no Instagram.

Isso me lembra a teoria do canadense Marshall McLhuan que previa o encurtar as barreiras e termos uma globalização interminável, criando a denominada “aldeia global”. Ótima visão do futuro quando ele teorizou isso. Misto a isso nos vem a memória do Grande Irmão (o Big Brother) criado por George Orwell em 1949 que também anteviu um mundo controlado pela tecnologia, porém com poder de inibir qualquer pensamento ou sentimento. Posso citar teorias de Eric Hobsbawn ou Gay Talese, entre outros papas da comunicação, os quais previram tudo o que estou comentando: a informação como meio de entreter, informar (ou desinformar ?!?), comercializar e fazer o meio mais importante que a mensagem. As fake news são prova disso.

Intelectuais, propagadores da mensagem – com credibilidade por carreiras bem pontuadas – jornalistas, escritores, historiadores e outros profissionais da comunicação são legados a um segundo plano quando, não os criadores de conteúdo, e sim os influenciadores digitais berram baboseiras em nossos ouvidos na telinha do smartphone ou na TV de 56 polegadas. O filtro, me disse certa vez o radialista Djalma de Lima ao lado do professor Alceu Marozzi de Righetto, é o profissional como o jornalista que tem o senso de escolher o que vai falar e levar a mensagem para seu público. Hoje todos tem o poder de ser comunicador – de forma errada ou certa – propagando via mídia social o que bem entender. Como dito anteriormente, não é papel aqui julgar e sim estimular o pensamento para novos conceitos.

A denominação de criador de conteúdo nos remete ao desktopistas do jornalismo na primeira metade do século passado. Era o profissional que ia a campo, sondava uma situação, chegava na redação e ditava a jornalista o que viu. Este segundo profissional é quem fazia a matéria jornalística. Algo do tipo “ghost writer” ainda hoje em voga, situação na qual um profissional faz um texto e outro alguém é quem o assina, como vemos em discursos, artigos ou livros de políticos, por exemplo. Até outro dia, as redações tinham seus revisores de texto, trampolim na profissão para muitos jornalistas e que amargavam o ingrato horário do final da noite, quando o jornal estava prestes a ser impresso. Haviam filtros.

A internet possibilitou que todos sejam criadores de conteúdo, alguns, sem qualquer ironia, mais ocos que o conteúdo do coco citado logo no início. E durma-se com um barulho destes ! 

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 3 de setembro de 2023)

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