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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Rico folclore

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Vertentes que expuseram o folclore no país seguem pensamentos de origens nacional e local. Muitas destas lendas, crendices, “causos” e contos migraram de tradições seculares provenientes dos povos indígenas e até de outros continentes. Um dos que aproveitou comercialmente o folclore brasileiro e ajudou na propagação de seu contexto foi Ziraldo, artista plástico falecido em abril passado. Em 1959, através da editora O Cruzeiro, criou a HQ “Pererê”, numa obra solo de suas tiras anteriormente publicadas na revista semanal que levava o mesmo nome da editora. Pererê era o saci, um apaziguador da natureza e dos amigos da floresta. Unia a fauna e flora tendo o meio-ambiente como pano de fundo.

Muito antes, também comercialmente, porém em texto e não nos quadrinhos como Ziraldo, Monteiro Lobato fez de personagens, como Jeca Tatu e os membros do seu Sítio, uma larga escala de referência na memória coletiva brasileira. Também bebeu na fonte do exterior. Sua Cuca, é uma feiticeira com cabeça de jacaré, que tomou contornos físicos na série da Rede Globo na segunda metade dos anos 1970. Mas, na verdade era uma variação do dragão combatido por São Jorge na lua, a Coca, personagem do folclore português utilizado nas seculares apresentações de Corpus Christis e “importada” pelos colonizadores para a cultura brasileira. Coca – cabeça ou cuca – também é referência na tradição folclórica da Espanha e no Halloween norte-americano: é aquele espantalho com cabeça de abóbora !

Entre os expoentes locais, aqueles considerados por “raiz”, tivemos vários nomes, que infelizmente estão sendo esquecidos ou substituídos por tradições de outras regiões do país ou até pelos estrangeiros que hoje ajudam a povoar Piracicaba que, com seu crescimento industrial, está recebendo culturas europeias, norte-americanas e asiáticas. Hoje é comum ver adereços de halloween nas residências, nos condomínios, no comércio ... algo incomum até a virada do século passado.

Por aqui, debruçaram sua sapiência para catalogar e expor estas tradições folclóricas pessoas como João Chiarini, Thales Castanho de Andrade, Alceu Maynard, Hugo Pedro Carradore ... e tantos outros. Piracicaba chegou a ter seu Centro do Folclore em imóvel situado à rua Boa Morte que, tombado, possui apenas sua frente restaurada e ao fundo ... um estacionamento. Mas nada de saci ou cuca. O Centro era responsável pela preservação e difusão de expressões como o cururu, a moda de viola, a congada...

No início do século passado, tivemos como um dos principais expoentes Francisco Damante (1895-1927) que, ao longo de três décadas vida, publicou seus estudos sobre as tradições no “Estadão”, “Tico-Tico”, “A Cigarra” e “Vida Moderna”. Costumes, festas e tradições também renderam livros próprios que necessitam de uma releitura e ou republicação.

Piracicaba tem o dever de cultuar e colocar em seus panteões duas personalidades: Alceu Maynard de Araújo e Waldemar Iglesias Fernandes. Viveram outra época: aquela da imaginação, naquela habilidade que Spielberg e Hitchcock levaram ao cinema: assustar sem mostrar o motivo do susto. Nos escritos de Lobato imaginava-se a Cuca. Na TV, ela tomou forma. Iglésias, é, inconteste em minha opinião, o pai dos estudiosos em folclore. Tem livros que precisam não de releitura e sim serem relidos, tamanha sua contribuição para nossa cultura.

Alceu Maynard também é um ilustre piracicabano que teve longa obra sobre o folclore desde livros até filmes, alguns sendo restaurados pela Fundação Itau e Cinemateca Brasileira.   

Muitos nomes surgiram no século passado. Basta olhar o sempre atual “Dicionário de Piracicabanos” (Editora IHGP), de Samuel Pfromm Neto. Não se pode dizer que há unanimidade nos nomes. O certo é que cada qual estudou costumes e tradições de uma forma. Forma esta que, assim como Saci, a Cuca e outros, não assustam mais a molecada que está acostumada a dormir assistindo Chucky e variações como “Um lugar silencioso”. A internet expôs medos de uma forma tão aberta que ele não provoca mais arrepio.

 


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Efemérides de agosto

Edson Rontani Júnior, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Foram muitas as idas, lá nos anos 1970, à Farmácia do Povo, à Agência de Revista Cury e Agência Gianetti buscar os famosos almanaques anuais. As três empresas aliás, ficavam próximas uma da outra, num raio máximo de 300 metros, perto ou na própria praça José Bonifácio. Essas idas hoje vivem presas ao passado.

Mas isso era motivo de uma incansável busca para matar a curiosidade ao estilo de conhecimentos gerais, diferente do que temos hoje com o buscador Google que nos traz tudo mastigado, sem esforço para que coloquemos a “massa cinzenta” para trabalhar, motivando à época um raciocínio aprofundado que hoje é jogado à berlinda.

Os almanaques de farmácia traziam as fases da lua, a época cerca de pescar, o que plantar em determinado mês, dias propícios para cortar cabelo e muitas anedotas. Santa ingenuidade ! Algo que hoje não faria arrepiar nem os pelinhos do braço de uma criança. Mas os mais vividos terão, com certeza, um ar de nostalgia ao lembrar do cheio da tinta destes almanaques. Digamos assim, era uma cultura inútil, mas gostosa de se cultivar.

Com o passar do tempo, o chiclete passou a perder o sabor, o cheiro de pastel nos enjoa, o saudosismo passa a ser uma folha do diário a cada amanhecer, as dores começam a aparecer e as idas à farmácia são mais constantes. Deixo claro aqui que estas idas são para comprar remédio, pois nem mais existem os almanaques que aqui relato. Aliás, muita gente era envolvida em sua confecção. Desde grandes pensadores como Sérgio Porto até Aurélio Buarque de Hollanda, entre outros. “O Guia dos Curiosos”, de Marcelo Duarte, reviveu isso nos anos 1990. Teve reedições e até site para aprimorar o antigo conhecimento analógico ao mundo digital.

Muitas destas curiosidades foram estampadas nas páginas deste JP de 1989 a 1997 e depois de 2002 a 2008 com a curiosa página “Você Sabia?” veiculada no suplemento infantil “Jornalzinho”. Esta memória ainda hoje permanece viva para muitas pessoas.

Piracicaba, em seus 257 anos, também teve curiosos que registraram efemérides, fatos ocorridos diariamente numa vida individual ou social. Curioso é ver como no passado nos relacionávamos e como fatos chulos mereciam ser registrados.

Com agosto iniciado, consegui separar alguns desses fatos antigos registrados neste mês e por alguém anotados num caderno. Vamos a eles.

1º de agosto de 1861 - Pronto o matadouro municipal. Se localizava no começo da rua do Rosário, à margem do ltapeva, e ali ficou até 1911, mais ou menos, quando foi inaugurado o atual matadouro municipal, fora do perímetro urbano.

2 de agosto de 1784 - Termina o serviço de delineamento da povoação de Piracicaba. O terreno em que se delineou e estabeleceu a povoação foi doado pelo capitão povoador Antonio Correia Barbosa, e abrangia as terras desde a barra do ltapeva até sua cabeceira.

10 de agosto de 1842 - Por exposição do escrivão serventuário do tabelião vitalício de Sorocaba, sabe-se que a população da Piracicaba (Vila da Constituição na época), era de 10.291 habitantes.

12 de agosto de 1858 - Nasce nesta cidade o dr. Adolfo Afonso da Silva Gordo, talvez o político de maior projeção que Piracicaba deu ao país, no seu tempo. Formado em direito, foi deputado provincial. Proclamada a República, foi nomeado governador republicano do Rio Grande do Norte. Foi depois deputado federal e senador por São Paulo. Faleceu no Rio de Janeiro a 29 de julho de 1929.

15 de agosto de 1810 - Nasce em Itu o pintor Miguel Arcanjo Benício de Assunção Dutra. Cedo transferiu sua residência para Piracicaba, revelando seus preciosos dotes de ourives, organista, pintor, decorador, compositor e projetista. Tem seu nome ligado às igrejas da Boa Morte, de Santo Antonio, de São Benedito, ao teatro Santo Estêvão e à Santa Casa. Faleceu nesta cidade em 22 de abril de 1875.

19 de agosto de 1840 - Nasce no Rio de Janeiro o dr. Estêvão de Souza Rezende, Barão de Rezende. Cedo se radicou em Piracicaba e aqui deixou traços marcantes de sua operosidade e iniciativa. No Engenho Central, na Santa Casa de Misericórdia, na navegação fluvial, na câmara municipal, no jornalismo, muito batalhou pelo progresso de nossa terra. Como vereador, foi notável. Faleceu nesta cidade a 11 de agosto de 1909.

22 de agosto de 1876 - Nasce em Luca, Itália, o comendador Pedro Morganti, elemento de alta projeção no cenário industrial do Estado e figura intimamente ligada ao progresso de nossa terra. Era presidente da Refinadora Paulista S.A., proprietária dos engenhos de Monte Alegre. Morreu no Rio de Janeiro, em 22 de agosto de 1941.

E assim por diante. “Bora” escrever a história no dia de hoje ?!?

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 11 de agosto de 2024 e na Tribuna Piracicabana de 17 de agosto de 2024)