Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Muito
se escreveu sobre a Alemanha. Muito se falou sobre a escola de arquitetura
Bauhaus, ainda hoje utilizada como exemplo internacional. Muito se falou sobre
o consumo interno, com importações que abasteciam o mercado germânico. Muito se
sabe, também, sobre o cinema alemão: tanto o expressionismo como o consumo das
produções de Hollywood. A Alemanha era um dos – senão o principal consumidor de
filmes norte-americanos – definindo produções e roteiros, além de exigir
imediatas dublagens para o expectador alemão. Mas, aí veio a Segunda Guerra
Mundial e tudo mudou.
O
país foi dividido em dois entre 1945 e 1989: Alemanha Ocidental administrado
pelos aliados, em especial os Estados Unidos, e a República Democrática (!!!)
Alemã, administrada pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS ou
União Soviética). Muito antes das mudanças políticas com a ascensão do 3º.
Reich nos anos 1930, vários alemães deixavam sua pátria natal, muitas vezes
pelas profundas crises econômicas ou, então, pelas constantes guerras na Europa
Central ou no Leste do continente.
Duzentos
anos atrás, a onda migratória foi estimulada pelo Império brasileiro que dois
anos antes se tornara independente de Portugal. Era momento de crescimento e o
“Novo Mundo” atraía esperanças tanto no sul quanto no norte da América.
Eis
que nesse processo Piracicaba atrai a atenção de muitas famílias que firmaram
residência, constituíram famílias e fizeram negócios.
São
muitos deles, mas, rememorando ao léu Jacob Wagner, avô do artista plástico
Renato Wagner. “Tio” Cecílio Elias Netto lembra que Wagner foi um dos primeiros
cervejeiros locais. Um exemplo que segue hoje na cidade com microcervejarias
como a Tutta Birra, Cevada Pura, Leuven e Dama Bier. Curioso é saber da revolta
dos piracicabanos com o estouro da Primeira Guerra Mundial. Com isso os alemães
se tornam perseguidos. Jacob que tinha sua produção na esquina das ruas Dom
Pedro II com Benjamin Constant, era “boa gente”. Ao menos na concepção da horda
revoltosa que pensou em acabar com seus barris de chopes. No último instante
resolveram conter a raiva e voltaram para casa mantendo o estoque de Wagner de
sua produção de água, lúpulo e malte. Salute ! Ops ... Skol ! Ou seria Prosit ?
Fica aqui a ira do redator, pois, mesmo nestes 200 anos, Piracicaba não tem uma
festa a altura para alegria dos convivas e beberrões a exemplo do vemos com a
Oktoberfest.
Para
não deixar em branco este bicentenário, o Instituto Histórico e Geográfico de
Piracicaba, na última quarta-feira, recebeu, na sede da ACIPI, Carlos Alberto
Labate, professor da ESALQ com amplo currículo e que falou de uma figura
importante mas pouco conhecida pelos piracicabanos. Ele discorreu sobre a vida
de Friedrich Gustav Briege, professor da Universidade de Berlim nos anos 1930
que trocou sua terra natal por ser judeu e antecipar o que ocorreria anos
depois. Aportou em Piracicaba onde faleceu nos anos 1980. Foram mais de 80 anos
dedicados à genética considerado como um dos pais da genética brasileira.
Labate deixou claro que os estudos até então eram feitos no hemisfério norte e não
existia embasamento científico para a genética nos trópicos. Briege
revolucionou conhecimento e criou pupilos e teses pioneiras. Já o professor
Labate discorreu sobre a vida de Briege de uma forma sutil, com detalhes
imperdíveis cuja atuação merece um necessário resgate. Em breve no YouTube do
IHGP.
Em
seguida, outro resgate que merece ser tomado. A vida de Ernst Mahle, cujo pai
foi criador e fabricante dos pistões Mahle, uma mina de ouro no cenário
industrial. O cirurgião-dentista Raul Gobeth foi quem discorreu sobre este
incansável alemão nascido em Stuttgart e que, no auge de seus 95 anos, é
referência na música, orquestração, arranjos e óperas, entre outros. Me recordo
de ficar vários minutos observando os cataventos que ele criava e expunha no
jardim de sua residência na rua São Francisco de Assis, próximo aonde eu
morava. Habilidades adquiridas na oficina de seu pai quando criança.
A
imigração no Brasil e em Piracicaba é riquíssima. São pessoas que buscavam um
novo mundo. Saíram muitas vezes sem malas, apenas com “a roupa do corpo”,
passaram fome, deram suor e sangue pela luta de seus ideais. Deixaram história,
e neste caso, foram perpetuados com o Bairro dos Alemães, uma das poucas, senão
a única denominação geográfica na cidade em homenagem aos imigrantes. E tenham
longa vida ! Prosit !
(Publicado no Jornal de Piracicaba de 22 de setembro de 2024)