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segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Duzentos anos dos alemães

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Muito se escreveu sobre a Alemanha. Muito se falou sobre a escola de arquitetura Bauhaus, ainda hoje utilizada como exemplo internacional. Muito se falou sobre o consumo interno, com importações que abasteciam o mercado germânico. Muito se sabe, também, sobre o cinema alemão: tanto o expressionismo como o consumo das produções de Hollywood. A Alemanha era um dos – senão o principal consumidor de filmes norte-americanos – definindo produções e roteiros, além de exigir imediatas dublagens para o expectador alemão. Mas, aí veio a Segunda Guerra Mundial e tudo mudou.

O país foi dividido em dois entre 1945 e 1989: Alemanha Ocidental administrado pelos aliados, em especial os Estados Unidos, e a República Democrática (!!!) Alemã, administrada pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS ou União Soviética). Muito antes das mudanças políticas com a ascensão do 3º. Reich nos anos 1930, vários alemães deixavam sua pátria natal, muitas vezes pelas profundas crises econômicas ou, então, pelas constantes guerras na Europa Central ou no Leste do continente.

Duzentos anos atrás, a onda migratória foi estimulada pelo Império brasileiro que dois anos antes se tornara independente de Portugal. Era momento de crescimento e o “Novo Mundo” atraía esperanças tanto no sul quanto no norte da América.

Eis que nesse processo Piracicaba atrai a atenção de muitas famílias que firmaram residência, constituíram famílias e fizeram negócios.

São muitos deles, mas, rememorando ao léu Jacob Wagner, avô do artista plástico Renato Wagner. “Tio” Cecílio Elias Netto lembra que Wagner foi um dos primeiros cervejeiros locais. Um exemplo que segue hoje na cidade com microcervejarias como a Tutta Birra, Cevada Pura, Leuven e Dama Bier. Curioso é saber da revolta dos piracicabanos com o estouro da Primeira Guerra Mundial. Com isso os alemães se tornam perseguidos. Jacob que tinha sua produção na esquina das ruas Dom Pedro II com Benjamin Constant, era “boa gente”. Ao menos na concepção da horda revoltosa que pensou em acabar com seus barris de chopes. No último instante resolveram conter a raiva e voltaram para casa mantendo o estoque de Wagner de sua produção de água, lúpulo e malte. Salute ! Ops ... Skol ! Ou seria Prosit ? Fica aqui a ira do redator, pois, mesmo nestes 200 anos, Piracicaba não tem uma festa a altura para alegria dos convivas e beberrões a exemplo do vemos com a Oktoberfest.

Para não deixar em branco este bicentenário, o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, na última quarta-feira, recebeu, na sede da ACIPI, Carlos Alberto Labate, professor da ESALQ com amplo currículo e que falou de uma figura importante mas pouco conhecida pelos piracicabanos. Ele discorreu sobre a vida de Friedrich Gustav Briege, professor da Universidade de Berlim nos anos 1930 que trocou sua terra natal por ser judeu e antecipar o que ocorreria anos depois. Aportou em Piracicaba onde faleceu nos anos 1980. Foram mais de 80 anos dedicados à genética considerado como um dos pais da genética brasileira. Labate deixou claro que os estudos até então eram feitos no hemisfério norte e não existia embasamento científico para a genética nos trópicos. Briege revolucionou conhecimento e criou pupilos e teses pioneiras. Já o professor Labate discorreu sobre a vida de Briege de uma forma sutil, com detalhes imperdíveis cuja atuação merece um necessário resgate. Em breve no YouTube do IHGP.

Em seguida, outro resgate que merece ser tomado. A vida de Ernst Mahle, cujo pai foi criador e fabricante dos pistões Mahle, uma mina de ouro no cenário industrial. O cirurgião-dentista Raul Gobeth foi quem discorreu sobre este incansável alemão nascido em Stuttgart e que, no auge de seus 95 anos, é referência na música, orquestração, arranjos e óperas, entre outros. Me recordo de ficar vários minutos observando os cataventos que ele criava e expunha no jardim de sua residência na rua São Francisco de Assis, próximo aonde eu morava. Habilidades adquiridas na oficina de seu pai quando criança.

A imigração no Brasil e em Piracicaba é riquíssima. São pessoas que buscavam um novo mundo. Saíram muitas vezes sem malas, apenas com “a roupa do corpo”, passaram fome, deram suor e sangue pela luta de seus ideais. Deixaram história, e neste caso, foram perpetuados com o Bairro dos Alemães, uma das poucas, senão a única denominação geográfica na cidade em homenagem aos imigrantes. E tenham longa vida ! Prosit !

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 22 de setembro de 2024)


quinta-feira, 19 de setembro de 2024

De raspão

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Houve uma semana, no início dos anos 1990, em que os cinemas do Shopping Piracicaba – denominados de Cine Center – apresentaram um filme por dia. Foi uma sequência de obras esquecidas comercialmente. Estes filmes foram apresentados em várias partes do país como propaganda para o mercado do VHS que estava em alta. Os cinemas estavam situados na área de brinquedos, ao lado da praça da alimentação, depois substituído por um bingo.

Um dos cinemas do Shopping apresentou esta sequência cujo lançamento eu acompanhava pelos jornais locais. Eis que me deparo com um dos filmes de Frank Sinatra, rodado em preto e branco, que seria apresentado naquela semana. Se não me falha a tarde, foi apresentado numa quarta-feira às 14 horas. Lá fui eu ao Shopping. Era amigo do gerente, seu Silvio, pessoa boníssima, que na cidade representava o Grupo Paris Filmes, coordenado por Márcio Fraccaroli. Como eu escrevia críticas sobre lançamentos do cinema em um extinto jornal, tinha bilheteria liberada. Cinéfilo desde criança, era um êxtase ver um filme preto e branco na telona, coisa rara naquele período. Os filmes antigos estavam sendo colorizados e exibidos na TNT ou vendidos em VHS na intenção de introduzir antigos clássicos de boa bilheteria ao gosto do público jovem. Não deu certo.

Muito bem. Na plateia, eu mais um casalzinho apaixonado que não botou os olhos na tela, em momento algum. Eu delirava ao ver Sinatra em close numa telona.

Não foi um dos melhores filmes de Sinatra. Ele sequer cantava. Mas a história de “Sob o domínio do mal”, rodado em 1962 pelo diretor John Frankenheimer – autor dos principais thrillers dos anos 60 e 70 –, é no mínimo curiosa. A obra foi tirada de circulação por cerca de 30 anos. Motivo: ele, como veterano da Guerra da Coreia, tinha a missão – inconsciente – de matar um senador. Meses depois, a trama se tornou real com o assassinato de John Kennedy, em novembro de 1963. Para evitar que o filme inspirasse atitudes similares ou fosse acusado de ter sido o motivador do crime contra o presidente dos Estados Unidos, resolve-se tirá-lo das projeções. Ostracismo. Voltou, como relatei anteriormente, como um pseudoclássico, já sem seu sucesso inicial.

Sinatra era um soldado norte-americano na Coreia que foi capturado e nele fizeram tamanha lavagem cerebral ele agia como um robô programado, agindo como um doce com amigos e animais, mas com intenção de cometer uma série de más ações.

Em 2011, o mote volta à tona, desta vez na televisão com o seriado “Homeland”, com oito temporadas. Porém, na primeira, um oficial da CIA é capturado no Iraque e retorna aos EUA como herói. Porém, ele teve a missão para que, numa das homenagens que ele receberia, entraria num bunker com o presidente norte-americano e deveria acionar um explosivo que levava ao corpo. Não detonou – desculpem o spoiler – tanto que o seriado levou oito longos anos para ser concluído.

Por que todo este relato ? Por recentemente ter ocupado as manchetes o tiro de raspão na orelha levado durante comício do candidato Trump. Os alvos sempre são políticos e muitas vezes presidentes.

Como curiosidade, assisti recentemente “O dia de Chacal”, 1973, de Fred Zinnemann, tendo desta vez como alvo o general Charles de Gaulle, presidente da França nos anos 1960. A trama é idêntica: uma pisada no pé na colonização da Argélia, motiva um grupo a tirar o líder governamental da presidência francesa.

Na vida real tivemos casos semelhantes como a morte do arquiduque Francisco Fernando, sucessor do império Austro-Húngaro, eclodindo a Primeira Grande Guerra. No Brasil, João Pessoa, governador da Paraíba, também foi alvo de homicídio enquanto cumpria seu mandato. Trouxe alvoroço na sociedade brasileira, estopim da Revolução de 1930. Na vizinha Argentina, Cristina Kirchner foi salva por um estopim que falhou, um ano atrás. A mesma sorte não teve o primeiro ministro japonês, Shinzo Abe, assassinado por uma arma caseira – armamentos são proibidos no país – alvo de atentado durante aparição pública.

Entre a realidade e a ficção, fiquemos com o filme de Sinatra. Menos dolorido.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Setembro repleto

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

A história de Piracicaba é cheia de surpresas e curiosidades. Com setembro chegando, fomos aos velhos alfarrábios saber o que ocorreu nos últimos séculos aqui na Noiva da Colina. Na verdade, não chegamos um tanto longe destes 257 anos, até porque a história vivida foi registrada apenas em atas manuscritas pela Câmara de Vereadores. Livros, diários, revistas ... eram raridades no século retrasado. Fotos, então, nem se pensar.

Mas vamos a alguns acontecimentos que hoje soam como curiosos, bebendo na fonte de pessoas como Leandro Guerrini, Samuel Pfromm Neto e almanaques de época.

Aliás, setembro fez com que Piracicaba tivesse referências importantes, muitas delas vindas após o centenário da Independência, ocorrido em setembro de 1922. Segundo cartas escritas por alunas da atual escola Sud Menucci, na cápsula aberta dois anos atrás, após ficar enclausurada por 100 anos, Piracicaba seria Shangri-la nos dias atuais. Triste ilusão ... dura realidade ... Uma das cartas diz que Piracicaba deveria ter dezenas de aviões voando pelo seu céu durante a abertura desta cápsula do tempo. Isso era esperado porque, em 1º de maio de 1922, pousou o primeiro avião em nossas terras. Coisa de outro mundo ! A cidade parou para receber tal aeroplano em área considerada como o primeiro aeroporto situada onde hoje encontra-se o campo do Ginásio da Esalq e a Igreja São Judas Tadeu. Na época, a carta, ainda trazia referência aos jornais da cidade. “Quem sabe daqui 100 anos existam muitos mais jornais que hoje para informar a cidade”, dizia – mais ou menos assim – uma das missivas. Triste realidade. No meio do caminho não tinha uma pedra, mas sim um Facebook, um Instagram, um What’s app ... E os jornais ... Bom. Próximo assunto !

Setembro também nos fez esquecer a praça 7 de Setembro, situada em parte de onde está hoje a praça José Bonifácio, que até os anos 40 era dividida em duas. Era o trecho onde situava-se o Teatro Santo Estêvão. Jogamos a mesma para o esquecimento. Mas a cidade deve à setembro sua mais extensa avenida (acho eu), a Independência, que começa na Governador e finda-se na rodovia Luiz de Queiroz. Tem também o Jardim Monumento, com praça e monumento ao centenário da Independência.

Ainda sobre a praça, lembramos do italiano Lélio Colucini, que, em 7 de setembro de 1938 teve inaugurado o seu Monumento ao Soldado Constitucionalista, hoje em área próxima ao seu local original após ser desmontado, removido e montado na praça em frente ao Cemitério da Saudade. Foi ele quem projetou e fez o monumento, bancado financeiramente pela população em homenagem aos piracicabanos que tombaram na Revolução de 1932. A placa de bronze com os falecidos foi furtada ano passado.

O mês também motivou a criação do “Circolo Meridional XX de Setembro”, em 1898, reunindo imigrantes europeus em especial italianos, cujas reuniões ocorriam no Hotel do Lago, também na praça 7 de setembro. Teve entre seus fundadores o jornalista Felipe Angelis, idealizador, em 1906, do jornal “Il popolo”, inteiramente escrito em italiano, exaltando o papel e as atividades destes italopiracicabanos. O Circolo, em 1905, uniu-se à Società Italiana di Mútuo Soccorso.

Também em setembro, no ano de 1950 temos a notícia do falecimento de Antónia Martins de Macedo, conhecida por Madre Cecília, a qual nasceu em 1852. Ingressou como irmã na igreja em 1895, quando tornou-se viúva, mãe de três filhos. Três anos depois fundou o Lar Escola Coração de Maria, inicialmente um asilo de órfãs. O processo de canonização da madre teve início em 1992.

Também foi em setembro, no dia 6, que fez-se a luz ! Aqui em Piracicaba, a energia elétrica torna-se novidade, com maquinário e lâmpadas importadas de Nova Iorque por Luiz de Queiroz. A iluminação não era pública e sim particular, até porque não existiam normas para isso. Isso ocorreu em 1893 quando Queiroz implantou postes nas proximidades de sua fábrica de tecidos, onde situou-se a Boyes na atual avenida Beira Rio. Era atração da população ver postes iluminando a noite neste trecho, retornando depois para casa na escuridão ou em trechos abastecidos por postes com lamparinas.

Leandro Guerrini lembra que “foram iluminadas as ruas Prudente de Morais, São José, Alferes José Caetano, Direita (Morais Barros), do Comércio (Governador Pedro de Toledo), da Glória, (Benjamin Constant), 13 de Maio e Santo Antonio - o bloco central das vias públicas da terra, circundando o Jardim Público”. Algumas lâmpadas foram quebradas por estilingadas, patrocinadas por opositores de Queiróz. Mas, aí, já é outra história. E viva setembro !