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quinta-feira, 19 de setembro de 2024

De raspão

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Houve uma semana, no início dos anos 1990, em que os cinemas do Shopping Piracicaba – denominados de Cine Center – apresentaram um filme por dia. Foi uma sequência de obras esquecidas comercialmente. Estes filmes foram apresentados em várias partes do país como propaganda para o mercado do VHS que estava em alta. Os cinemas estavam situados na área de brinquedos, ao lado da praça da alimentação, depois substituído por um bingo.

Um dos cinemas do Shopping apresentou esta sequência cujo lançamento eu acompanhava pelos jornais locais. Eis que me deparo com um dos filmes de Frank Sinatra, rodado em preto e branco, que seria apresentado naquela semana. Se não me falha a tarde, foi apresentado numa quarta-feira às 14 horas. Lá fui eu ao Shopping. Era amigo do gerente, seu Silvio, pessoa boníssima, que na cidade representava o Grupo Paris Filmes, coordenado por Márcio Fraccaroli. Como eu escrevia críticas sobre lançamentos do cinema em um extinto jornal, tinha bilheteria liberada. Cinéfilo desde criança, era um êxtase ver um filme preto e branco na telona, coisa rara naquele período. Os filmes antigos estavam sendo colorizados e exibidos na TNT ou vendidos em VHS na intenção de introduzir antigos clássicos de boa bilheteria ao gosto do público jovem. Não deu certo.

Muito bem. Na plateia, eu mais um casalzinho apaixonado que não botou os olhos na tela, em momento algum. Eu delirava ao ver Sinatra em close numa telona.

Não foi um dos melhores filmes de Sinatra. Ele sequer cantava. Mas a história de “Sob o domínio do mal”, rodado em 1962 pelo diretor John Frankenheimer – autor dos principais thrillers dos anos 60 e 70 –, é no mínimo curiosa. A obra foi tirada de circulação por cerca de 30 anos. Motivo: ele, como veterano da Guerra da Coreia, tinha a missão – inconsciente – de matar um senador. Meses depois, a trama se tornou real com o assassinato de John Kennedy, em novembro de 1963. Para evitar que o filme inspirasse atitudes similares ou fosse acusado de ter sido o motivador do crime contra o presidente dos Estados Unidos, resolve-se tirá-lo das projeções. Ostracismo. Voltou, como relatei anteriormente, como um pseudoclássico, já sem seu sucesso inicial.

Sinatra era um soldado norte-americano na Coreia que foi capturado e nele fizeram tamanha lavagem cerebral ele agia como um robô programado, agindo como um doce com amigos e animais, mas com intenção de cometer uma série de más ações.

Em 2011, o mote volta à tona, desta vez na televisão com o seriado “Homeland”, com oito temporadas. Porém, na primeira, um oficial da CIA é capturado no Iraque e retorna aos EUA como herói. Porém, ele teve a missão para que, numa das homenagens que ele receberia, entraria num bunker com o presidente norte-americano e deveria acionar um explosivo que levava ao corpo. Não detonou – desculpem o spoiler – tanto que o seriado levou oito longos anos para ser concluído.

Por que todo este relato ? Por recentemente ter ocupado as manchetes o tiro de raspão na orelha levado durante comício do candidato Trump. Os alvos sempre são políticos e muitas vezes presidentes.

Como curiosidade, assisti recentemente “O dia de Chacal”, 1973, de Fred Zinnemann, tendo desta vez como alvo o general Charles de Gaulle, presidente da França nos anos 1960. A trama é idêntica: uma pisada no pé na colonização da Argélia, motiva um grupo a tirar o líder governamental da presidência francesa.

Na vida real tivemos casos semelhantes como a morte do arquiduque Francisco Fernando, sucessor do império Austro-Húngaro, eclodindo a Primeira Grande Guerra. No Brasil, João Pessoa, governador da Paraíba, também foi alvo de homicídio enquanto cumpria seu mandato. Trouxe alvoroço na sociedade brasileira, estopim da Revolução de 1930. Na vizinha Argentina, Cristina Kirchner foi salva por um estopim que falhou, um ano atrás. A mesma sorte não teve o primeiro ministro japonês, Shinzo Abe, assassinado por uma arma caseira – armamentos são proibidos no país – alvo de atentado durante aparição pública.

Entre a realidade e a ficção, fiquemos com o filme de Sinatra. Menos dolorido.

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