Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Chego, abro a porta e acendo a luz. Vejo longinquamente uma cadeira. Ótimo. Uma mesa grande cheia de quinquilharia. Terei de dividir a mesa com coisas que não deveriam estar ali. Mas, estão ! Assim, o espaço se torna restrito. Porém, isso não me afeta. O foco não é este.
Assento-me
não muito confortavelmente, pois a tarefa me obriga a constantemente levantar-me,
pegar um punhado de papéis velhos e seguir com meu prazer solitário (no bom
sentido). A rinite acaba de ser acionada. Corro ao banheiro para assoar as
narinas. Talvez usar uma máscara. Mas lembro-me do incômodo que era a máscara
facial durante o auge da pandemia da covid. Hoje, parece que ela me sufoca.
Tira minha respiração em sua totalidade. Querendo enganar não sei quem, coloco
a mesma sobre parte das minhas narinas para que a respiração ocorra na “maior”
normalidade, tampando por completo a boca. Mas o foco não era este.
Na
sala que abriga o acervo material do Instituto Histórico e Geográfico de
Piracicaba olho para minha missão: catalogar pastas e mais pastas doadas por
pessoas e famílias. Penso: papel velho ? Não ! História ! Nestas sulfites pautadas
e escritas de forma datilográfica estão os intelectos de muitos. Estão vidas,
alegrias, sofrimentos e muito conhecimento de vida. Além do tangível, os
jornais e a papelada velha trazem uma história não mensurável de riquíssimo
conteúdo individual ou social.
Um
café cairia bem, penso. Mas, me alimento da informação, do anseio em saber como
foi a vida de alguém, como num big brother que tem o prazer em espionar e
interpretar as linhas de diários, de artigos em jornais, de pensamentos
profundos de outrora. Mas, peralá ! Outrora ? Isso foi escrito em 1970 ! Você
já parou para pensar que são 50 anos atrás ? Parece que envelhecemos mas nossa
cabeça não acompanhou o processo do envelhecimento físico. A cabeça entra em
parafuso. Paro com tudo.
Ao
parar com pensamentos que me levam à depressão e me colocam em conflito com meu
foco, paro com tudo por instantes. Não sei se caio no cochilo. Mas, num piscar
de olhos, vejo ou percebo alguém sentado ao meu lado. Eu e esta figura ficamos
calados numa simbiose inimaginável. Não é possível. Já vi esta figura em
fotografias lá de 1920 assinadas por J. Cozzo, ou como membro de uma banda
chamada Jazz Band Mozart Piracicaba. Tocou com Erothides de Campos nos cinemas
na época dos filmes mudos. Nem pestanejo, pois tinha certo que o vulto presente
era Leandro Guerrini. Como, assim ? Estava sonhando ou colhendo um pouco de sua
vida ? Claro ! O vi consultando no passado as folhas da Gazeta de Piracicaba e no
curioso Almanak de Piracicaba para 1900. Ele conta sobre a forca em Piracicaba,
o pelourinho como fundamento de justiça para uma Piracicaba do século
retrasado. Pirei, pensei. Vendo vultos que nem conheci mas que admiro pelas
leituras que tenho. Uma espécie de dejá-vu se apossa de mim. Dou uma
chacoalhada na face tentando acordar, num sentimento de que fosse eu um
Ebenezer Scrooge que vê o passado circular em sua frente.
Esse
cara está doido, alguns pensarão. Mas existem ícones locais que nos fazem ou
fizeram viajar, colaborando para uma impressão intimista do que se imagina do passado.
Alguns pensarão que tudo é besteira. Fulano era um “zé ninguém” e não merece
tanto destaque assim. Mas, por ser um artigo assinado e assim expressar minha
opinião pessoal, reservo-me ao direito de vasculhar aquilo que me foi
importante no passado.
Desta
forma, ainda sentado, com celular na mão fotografando uma página aqui e ali de
jornais antigos, passam pela minha imaginação pessoas como Jair Toledo Veiga,
Hugo Pedro Carradore, Waldemar Iglésias, Mario Neme e outros nomes os quais não recorro agora. Muita informação em
pouco tempo.
Acabo
me levantando vendo no chão pedaços de jornais que amarelaram no físico, mas
que na mente continuam como sendo do dia de ontem. Resta apenas a incógnita de
que no futuro não serei eu um destes fantasmas que habitam o imaginário
coletivo de Piracicaba.