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quarta-feira, 11 de junho de 2025

Conversa com a intelectualidade

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Chego, abro a porta e acendo a luz. Vejo longinquamente uma cadeira. Ótimo. Uma mesa grande cheia de quinquilharia. Terei de dividir a mesa com coisas que não deveriam estar ali. Mas, estão ! Assim, o espaço se torna restrito. Porém, isso não me afeta. O foco não é este.

Assento-me não muito confortavelmente, pois a tarefa me obriga a constantemente levantar-me, pegar um punhado de papéis velhos e seguir com meu prazer solitário (no bom sentido). A rinite acaba de ser acionada. Corro ao banheiro para assoar as narinas. Talvez usar uma máscara. Mas lembro-me do incômodo que era a máscara facial durante o auge da pandemia da covid. Hoje, parece que ela me sufoca. Tira minha respiração em sua totalidade. Querendo enganar não sei quem, coloco a mesma sobre parte das minhas narinas para que a respiração ocorra na “maior” normalidade, tampando por completo a boca. Mas o foco não era este.

Na sala que abriga o acervo material do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba olho para minha missão: catalogar pastas e mais pastas doadas por pessoas e famílias. Penso: papel velho ? Não ! História ! Nestas sulfites pautadas e escritas de forma datilográfica estão os intelectos de muitos. Estão vidas, alegrias, sofrimentos e muito conhecimento de vida. Além do tangível, os jornais e a papelada velha trazem uma história não mensurável de riquíssimo conteúdo individual ou social.

Um café cairia bem, penso. Mas, me alimento da informação, do anseio em saber como foi a vida de alguém, como num big brother que tem o prazer em espionar e interpretar as linhas de diários, de artigos em jornais, de pensamentos profundos de outrora. Mas, peralá ! Outrora ? Isso foi escrito em 1970 ! Você já parou para pensar que são 50 anos atrás ? Parece que envelhecemos mas nossa cabeça não acompanhou o processo do envelhecimento físico. A cabeça entra em parafuso. Paro com tudo.

Ao parar com pensamentos que me levam à depressão e me colocam em conflito com meu foco, paro com tudo por instantes. Não sei se caio no cochilo. Mas, num piscar de olhos, vejo ou percebo alguém sentado ao meu lado. Eu e esta figura ficamos calados numa simbiose inimaginável. Não é possível. Já vi esta figura em fotografias lá de 1920 assinadas por J. Cozzo, ou como membro de uma banda chamada Jazz Band Mozart Piracicaba. Tocou com Erothides de Campos nos cinemas na época dos filmes mudos. Nem pestanejo, pois tinha certo que o vulto presente era Leandro Guerrini. Como, assim ? Estava sonhando ou colhendo um pouco de sua vida ? Claro ! O vi consultando no passado as folhas da Gazeta de Piracicaba e no curioso Almanak de Piracicaba para 1900. Ele conta sobre a forca em Piracicaba, o pelourinho como fundamento de justiça para uma Piracicaba do século retrasado. Pirei, pensei. Vendo vultos que nem conheci mas que admiro pelas leituras que tenho. Uma espécie de dejá-vu se apossa de mim. Dou uma chacoalhada na face tentando acordar, num sentimento de que fosse eu um Ebenezer Scrooge que vê o passado circular em sua frente.

Esse cara está doido, alguns pensarão. Mas existem ícones locais que nos fazem ou fizeram viajar, colaborando para uma impressão intimista do que se imagina do passado. Alguns pensarão que tudo é besteira. Fulano era um “zé ninguém” e não merece tanto destaque assim. Mas, por ser um artigo assinado e assim expressar minha opinião pessoal, reservo-me ao direito de vasculhar aquilo que me foi importante no passado.

Desta forma, ainda sentado, com celular na mão fotografando uma página aqui e ali de jornais antigos, passam pela minha imaginação pessoas como Jair Toledo Veiga, Hugo Pedro Carradore, Waldemar Iglésias, Mario Neme e outros nomes os  quais não recorro agora. Muita informação em pouco tempo.

Acabo me levantando vendo no chão pedaços de jornais que amarelaram no físico, mas que na mente continuam como sendo do dia de ontem. Resta apenas a incógnita de que no futuro não serei eu um destes fantasmas que habitam o imaginário coletivo de Piracicaba.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 10 de junho de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 13 de junho de 2025)


quinta-feira, 5 de junho de 2025

No mundo da lua

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Ela já foi cortejada por muita gente, mas continua lá. Por mais que o ser humano tenha nela pisado, ainda é um objeto de obsessão e desejo. Foi cantada por poetas ao longo de vários milênios. A Lua é tão distante e tão próxima da Terra que ainda instiga a ciência e os corações apaixonados.

Aliás, foi um galante Cary Grant ou James Stewart que prometeu laçar a lua para sua namorada num filme do sempre impecável ítalo-americano Frank Capra. No cinema ela inspirou até James Bond e o vilão Gru que a reduziu, trancafiando o satélite natural em sua casa misteriosa. Mas, qual sua influência ? No passado era a guia para as marés, para as plantações e – acho que ainda hoje – serve para agendarmos a visita ao cabelereiro ou barbeiro.

Glenn Miller imortalizou seus vistosos raios romantizados por nós, terráqueos, em 1939 através de sua “Moonlight Serenade”, composição que ele próprio fez com Mitchell Parish. Vira e mexe, a serenata ao luar retorna em novas releituras e volta ao topo das execuções musicais. Pena que Miller não pôde nunca mais pode ver a Lua, já que repousa no fundo das águas devido à queda de seu avião na viagem que ele fazia da Grã-Bretanha para Paris durante a Segunda Guerra Mundial. Triste história para quem fez uma elegia para um dos mais belos fenômenos da natureza.

A Lua também foi motivo de briga política entre as grandes potências internacionais. Era o ponto de chegada dos humanos caso uma guerra nuclear viesse a ser desencadeada, conforme grande corrente dos anos 1950 e 60. Ou você tinha um bunker em casa para enfrentar a radiação ou partia para a Lua na tentativa de colonizá-la como tivemos na Guerra Fria com americanos e russos enviado ao espaço símios e cães, e depois homens. Não deu certo. Tivemos que continuar vivendo em solo terrestre cantando e versejando sobre os raios lunares. Agora por que “lunar” se falamos “lua”? Coisa de nossa língua que sofre forte influência do latim, do grego, do árabe ... É algo como freio e frenagem.

Nossa tão cansada MPB também elegeu a lua para grandes hits. Raul Seixas se enamorou por ela louvando São Jorge montado num jumento. Aliás, foi no dragão que São Jorge combatia que Monteiro Lobato se inspirou para criar sua Cuca que marcava presença em seu Sítio. Guilherme Arantes estava no mundo da lua em “No lindo balão azul”, alegando que era cientista e vivia num papo futurista.

Eis o xis da questão. Devaneios, pensamentos distantes, fases de num namoro ou paixão sempre são interrompidos com um “ei ! tá no mundo a Lua?”. O distanciamento nos coloca em solo lunático.

Porém, a história demonstra outra situação já que “viver no mundo da Lua” veio dos pensamentos pré Revolução Industrial de alguns ingleses não muito bem vistos pela sociedade de então. Os membros da “Sociedade Lunar de Birmingham”, cidade da Inglaterra, eram considerados extremos malucos pois pensavam em criar veículos movidos a motor automáticos e não por animais, ou, ainda, fazer um balão voar pelos ares manuseado por um ser humano. Parecia a mais profunda verve da imaginação de Jules Verne. Mas, não era. Foram eles os criadores dos protótipos do veículo e do avião. Só que ninguém os entendia. A “Sociedade” queria criar melhores condições de vida para a humanidade. Ciência não existia e dogmas religiosos eram contra boa parte das inovações benéficas para a humanidade. A igreja demonizou a criação de garfos por possuímos pinças naturais conhecidas por dedos. O tempo demonstrou que o pensamento de gente que se encontra hoje nos anais da ciência mundial tenderia a prevalecer melhorando nossa vida. Entre os membros da “Sociedade Lunar”, aqueles que viviam com a cabeça na Lua, estavam Erasmus Darwin (avô de Charles), Joseph Priestley (que descobriu o oxigênio – chegando a misturá-lo à água) e James Watt (criador da bomba de combustão que drenava água para minas de carvão depois utilizada em locomotiva e veículos).

Resumindo, se alguém lhe falar que você está no mundo da Lua. Tenha orgulho. As grandes invenções surgiram das mentes de lunáticos.