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quinta-feira, 25 de setembro de 2025

História acessível

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Um acervo acessível. Não naquilo que se trata de acessibilidade com rampas. Mas, sim, acessível onde a pessoa estiver. É para isso que o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba tem trabalhado nos últimos anos. Pois, com a pandemia aprendemos muito. Surgiram aplicativos e plataformas de consulta a distância sem a necessidade de presença para pesquisar no material físico. Empresas aprenderam com o home office ou o modelo híbrido. Dias atrás foi destaque a demissão de 1 mil funcionários que estavam nestas condições num banco de renome no país.

Recentemente, folheando um jornal de 50 anos atrás notei que deveria tomar total cuidado pois ao virar de forma rápida o mesmo tenderia a rasgar. Não era este meu propósito. Se estou folheando um veículo da imprensa local lançado meio século atrás, quem seria eu nesta ordem? Não queria ser a ferramenta que impediria de tê-lo conservado por mais e mais anos.

Isso nos ensina muito. Institutos locais e centros de documentação estão cada vez mais restritivos com relação às consultas pessoais. Por conta destas condições e também por ações consideradas como vandalismos, as quais posso enunciar algumas aqui: o surrupiar de um bem; o recorte de parte da página; ou rasgar a página toda de um livro, um caderno etc.

Há receio de abrir documentos originais por vários motivos. Um foi enunciado acima. Outro é sua conservação. Três pastas encontradas recentemente em nosso acervo destaca a vida de Antonio Pádua Dutra, tudo muito bem conservado, com seus telegramas enquanto em terras europeias, assim como suas correspondências manuscritas um século atrás. Separadas em papel manteiga, estavam fotos da época. Tudo daria um livro. Se não for inventariado, não pode ser aberto à população.

Pois, bem. Há mais de dez anos nas gestões de Pedro Caldari e Vitor Pires Vencovsky, o IHGP tem se lançado ao mundo digital como forma de facilitar a propagação da história de Piracicaba. Para isso tem na plataforma Flickr mais de 13 mil registros fotográficos. O acervo de fotos do Jornal de Piracicaba dos anos 1980 a 2000 aos poucos está sendo disponibilizado. Importante salientar é que todo o acervo pode ser visto e baixado gratuitamente, em resoluções que vão da versão web até para a confecção de imensos painéis, como pode ser visto em redes supermercadistas locais.

Há o que ser feito. Há muito a ser feito, diga-se. O IHGP tem vídeos e palestras em plataformas de streaming. Está lançando agora em setembro seu podcast no Spotify. Em breve terá uma sequência entrevistas no seu videocast. Tudo para registrar a atualidade para o futuro e resgatar o passado com gente que possui muito conhecimento.

A história de Piracicaba remonta 258 anos de vida. Até mais, se formos levar em conta as expedições que por aqui se aportaram, mas não fincaram raízes, ou as monções discutidas mas nunca efetivadas pelos povoadores. Não temos toda esta história. Algumas delas só é possível em consulta presencial em Portugal, para onde eram enviadas cartas e deliberações em geral para escrutínio da coroa real.

Assim, criamos vários públicos que se interessam por um passado longínquo e curioso. Outro que viveram meados do século passado e lembram muito mais do que nós, porque conviveram com outras pessoas naquele período. E a geração que vive a expansão de Piracicaba com, por exemplo, as boates, os parques industriais, os shoppings centers e aquela memória mais afetiva que ainda povoa nossa lembrança, sejam elas dos anos 70, 80 ou 90... Ao estarmos no primeiro um quarto do atual século, cabe lembrar que os anos 2000 já têm uma carga histórica de passado. Uma carga preciosa a ser preservada e divulgada.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 21 de setembro de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 27 de setembro de 2025)

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Tadinho do “seu” Vitório ...

Nelson Gonçalves e Cobrinha

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba


Numa saudade que punge e mata, nos esquecemos do “seu” Vitório. Cancioneiro daqueles que não existem mais, cujos olhos vibravam enquanto entoava seu violão, que fazia serestas para doces mulheres que se prostravam nas sacadas das residências. Sacadas hoje nem existem! Ou estão cercadas por concertinas ou tiveram instaladas grades.

Vitório Angelo Cobra foi um resgate que o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba fez na sessão comemorativa de seus 58 anos de fundação no último dia 26 de agosto, na Câmara de Vereadores. Fizemos questão que o Hino de Piracicaba fosse executado por uma antiga gravação conseguida por um LP de 1974. Eis que na ocasião, a Miss Bicentenário Maria Graziela Victorino França veio e me confessou: “nos 200 anos de Piracicaba, a Câmara não tinha uma sede e a solenidade de aniversário ocorreu no palco do Teatro São José; enquanto estava eu para receber o título de Miss, ao nosso lado estava o ‘seu Cobrinha’ para tocar este hino”. Foi emocionante para ela na ocasião e foi emocionante ver no telão da Câmara a voz do “seu” Vitório Angelo estalar seu gogó em letras marcantes quando se refere a Piracicaba como “cheia de flores, cheia de encantos”. Por mais que seja uma gravação simples acompanhada de um violão e um teclado, foi importante este resgate. Isso porque na atualidade, Cobrinha vem sendo legado ao ostracismo, provocado por plataformas digitais de músicas, por mídias digitais que sequer pensaram em digitalizar obras locais como do próprio e referido Vitório Angelo, Pedro Alexandrino, Parafuso e outros seresteiros. Tal Hino de Piracicaba hoje é acessível e fácil de ser conferido nas vozes de Craveiro e Cravinho ou Aninha Barros. Novas versões, novas roupagens. Mas, nada tira o brilho de nosso cancioneiro mor acompanhado muitas vezes no teclado por Caçulinha. Quem nasceu em 1967 foi presenteado pelo poder público municipal com um compacto composto por quatro músicas cuja performance foi de Cobrinha, incluindo tal hino.

Me lembro nos anos 1990, quando funcionário da Rádio Alvorada AM, ter visitado Cobrinha em sua residência no Bairro Alto. Titio Luiz, ou Luiz Antonio Cópoli, não deixava escapar uma. “Pega o carro, vai na casa do Cobrinha e faz uma entrevista com ele pelo telefone”, dizia. Seu Vitório já estava cansado. Mas nunca disse não. Faleceu em 1995. Deixou um legado necessariamente a ser resgatado. Aos 15 anos de idade começou a dedilhar o violão ao lado dos irmãos Pedro, Salvador, João e Antonio, que formavam o grupo “Choro Cobra”. Foi pioneiro, pois tal “Piracicaba” chegou a ser gravada por ele e Mariano 93 anos atrás, em 1932, nos Estúdios da Columbia, em São Paulo, naqueles pesados discos de 78 rotações. No auge da carreira, foi membro de bandas nas quais estavam, entre outros, Leandro Guerrini e Francisco Lagreca. Dividiu o microfone com pesos pesados como Francisco Alves, Silvio Caldas, Orlando Silva e Vicente Celestino. Só feras!

Em agosto, numa das idas ao Cemitério da Saudade, parei no bolsão de estacionamento em frente e fitei por alguns minutos o busto de Cobrinha empunhando um violão na praça Vitório Angelo Cobra, Cobrinha. No local, de 1981 a 1988 ficou instalado o Monumento ao Soldado Constitucionalista, que retornou ao seu local de origem na praça José Bonifácio após acórdão com o Supremo Tribunal Federal. Na praça, lá está Cobrinha no alto do monumento olhando para o Cemitério e dedilhando para aqueles que hoje não mais estão no meio de nós.

Porém, o tempo é cruel. Ele acompanha o esquecimento de mãos dadas. O próprio poder público, que em julho de 1993, instituiu uma Semana em sua homenagem esqueceu desta festividade. Aproveite a vida, pois na morte, todos tomamos o caminho do esquecimento. E salve o “seu” Vitório !