Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Numa
saudade que punge e mata, nos esquecemos do “seu” Vitório. Cancioneiro daqueles
que não existem mais, cujos olhos vibravam enquanto entoava seu violão, que
fazia serestas para doces mulheres que se prostravam nas sacadas das
residências. Sacadas hoje nem existem! Ou estão cercadas por concertinas ou
tiveram instaladas grades.
Vitório
Angelo Cobra foi um resgate que o Instituto Histórico e Geográfico de
Piracicaba fez na sessão comemorativa de seus 58 anos de fundação no último dia
26 de agosto, na Câmara de Vereadores. Fizemos questão que o Hino de Piracicaba
fosse executado por uma antiga gravação conseguida por um LP de 1974. Eis que
na ocasião, a Miss Bicentenário Maria Graziela Victorino França veio e me
confessou: “nos 200 anos de Piracicaba, a Câmara não tinha uma sede e a
solenidade de aniversário ocorreu no palco do Teatro São José; enquanto estava
eu para receber o título de Miss, ao nosso lado estava o ‘seu Cobrinha’ para
tocar este hino”. Foi emocionante para ela na ocasião e foi emocionante ver no
telão da Câmara a voz do “seu” Vitório Angelo estalar seu gogó em letras
marcantes quando se refere a Piracicaba como “cheia de flores, cheia de
encantos”. Por mais que seja uma gravação simples acompanhada de um violão e um
teclado, foi importante este resgate. Isso porque na atualidade, Cobrinha vem
sendo legado ao ostracismo, provocado por plataformas digitais de músicas, por
mídias digitais que sequer pensaram em digitalizar obras locais como do próprio
e referido Vitório Angelo, Pedro Alexandrino, Parafuso e outros seresteiros.
Tal Hino de Piracicaba hoje é acessível e fácil de ser conferido nas vozes de
Craveiro e Cravinho ou Aninha Barros. Novas versões, novas roupagens. Mas, nada
tira o brilho de nosso cancioneiro mor acompanhado muitas vezes no teclado por
Caçulinha. Quem nasceu em 1967 foi presenteado pelo poder público municipal com
um compacto composto por quatro músicas cuja performance foi de Cobrinha,
incluindo tal hino.
Me
lembro nos anos 1990, quando funcionário da Rádio Alvorada AM, ter visitado
Cobrinha em sua residência no Bairro Alto. Titio Luiz, ou Luiz Antonio Cópoli,
não deixava escapar uma. “Pega o carro, vai na casa do Cobrinha e faz uma
entrevista com ele pelo telefone”, dizia. Seu Vitório já estava cansado. Mas
nunca disse não. Faleceu em 1995. Deixou um legado necessariamente a ser
resgatado. Aos 15 anos de idade começou a dedilhar o violão ao lado dos irmãos
Pedro, Salvador, João e Antonio, que formavam o grupo “Choro Cobra”. Foi
pioneiro, pois tal “Piracicaba” chegou a ser gravada por ele e Mariano 93 anos
atrás, em 1932, nos Estúdios da Columbia, em São Paulo, naqueles pesados discos
de 78 rotações. No auge da carreira, foi membro de bandas nas quais estavam,
entre outros, Leandro Guerrini e Francisco Lagreca. Dividiu o microfone com
pesos pesados como Francisco Alves, Silvio Caldas, Orlando Silva e Vicente
Celestino. Só feras!
Em
agosto, numa das idas ao Cemitério da Saudade, parei no bolsão de
estacionamento em frente e fitei por alguns minutos o busto de Cobrinha
empunhando um violão na praça Vitório Angelo Cobra, Cobrinha. No local, de 1981
a 1988 ficou instalado o Monumento ao Soldado Constitucionalista, que retornou
ao seu local de origem na praça José Bonifácio após acórdão com o Supremo
Tribunal Federal. Na praça, lá está Cobrinha no alto do monumento olhando para
o Cemitério e dedilhando para aqueles que hoje não mais estão no meio de nós.
Porém,
o tempo é cruel. Ele acompanha o esquecimento de mãos dadas. O próprio poder
público, que em julho de 1993, instituiu uma Semana em sua homenagem esqueceu
desta festividade. Aproveite a vida, pois na morte, todos tomamos o caminho do
esquecimento. E salve o “seu” Vitório !