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quarta-feira, 19 de março de 2025

Ano cinco

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Já entrou para a história. Não podemos nem discutir. Embora não faça tanto tempo assim, temos de buscar no fundo da memória situações às quais nunca vivemos antes. Agora em março faz cinco anos que entramos na pandemia da covid. Foi exatamente em março de 2020 que ficamos estarrecidos ao saber que locais como o Shopping Center Piracicaba estavam cerrando suas portas proibindo a circulação das pessoas.

Foi em março daquele ano que foram implantadas as medidas profundas contra a doença que era desconhecida, não tinha cura nem vacina. Toda a sociedade vira de perna para o ar da noite para o dia. Chegava o “novo normal”.

Até então, as notícias ecoavam da China. Na cidade através da antiga Net, era possível, desde novembro de 2019, assistir ao que ocorria no país através do canal CGTN, programação chinesa em inglês para o mundo todo. Por ele desfilavam situações que acreditávamos estar distante de nós. Ao final dos programas, nomes e mais nomes de mortos pelo temível vírus.

A doença se alastrou pela Europa e Ásia. Corpos eram deixados na rua, sepultamentos eram reservadíssimos, feito às escuras e sem velórios. Em Roma, o Papa Francisco circulou pelas ruas dando a benção de remissão dos pecados a todos com ruas vazias, já que a ordem era ficar em casa, evitando o contato.

Pensar que tudo isso nunca seria realidade em Piracicaba era comum. Eis que os noticiários trazem a informação da primeira morte no município. Empresas diminuem suas jornadas, enviam seus funcionários para casa, estabelecimentos são obrigados a fechar. Na cidade, durante o período de restrição funcionaram apenas supermercados e farmácias, além de hospitais e outros setores essenciais. Estudantes tiveram que se distanciar das lousas aderindo ao EAD – ensino a distância, desprovidos de recursos necessários como webcam, material didático e acesso à internet. Tudo era novo.

A necessidade de uso da máscara facial fez com que sua caixa saltasse de uma hora para outra dos 10 reais para 120 reais. Mesmo assim, houve falta do produto, considerado por muitos um incômodo. As ruas da cidade ficaram um marasmo. Todos em casa. Não circulava ninguém. Até a criminalidade diminuiu.

Hospitais montam atendimento de urgência e qualquer espirrinho era suspeito de ser covid. Aniversários foram cancelados. Jogos do XV dispensados. Missas também cessaram. Na TV, novelas tiveram suas gravações interrompidas e passaram a exibir reprises. O mesmo ocorreu com o futebol. Sem jogos, vamos ao replay de partidas clássicas da Seleção Brasileira de Futebol, muitas das Copas do Mundo de décadas atrás.

Através de aplicativos de mensagens, as informações estarreciam todos. “Sabe fulano ? Morreu de covid. E fulana ? Está no hospital intubada”... Perdemos muitos amigos. Hoje nem lembramos da neura de passar constantemente o álcool gel nas mãos ou no material em que pegamos. Houve uma iniciativa de lavar tudo o que era trazido do supermercado ou até de esquentar jornal com ferro de passar roupa para evitar a propagação da covid. Com o passar dos anos e com a blindagem das várias vacinas que foram colocadas a disposição, esquecemos disso tudo. Aperta-se as mãos das pessoas como antes, pega-se na maçaneta sem qualquer escrúpulo e ainda há aquele que sai do banheiro sem lavar as mãos. Cinco anos atrás isso tudo seria uma ofensa.

Foi difícil comparar a pandemia atual – a qual não acabou ainda – com a da Gripe Espanhola em 1918. São poucos os relatos na cidade. Esperamos que algumas poucas linhas como estas possam deixar um legado para o futuro, pois como diz aquela máxima que nunca aprendemos a praticar : é olhando para os erros do passado que devemos nos espelhar no futuro para não cair nos mesmos erros. 

sábado, 15 de março de 2025

Primeira aparição do Nhô Quim


Capa da Gazeta Esportiva de 28 de maio de 1949. Nesta data o E. C. XV de Novembro se tornava time profissional ao vencer a Lei de Acesso e ser o primeiro time do interior paulista à ir para a elite do esporte paulista. O Nhô Quim havia sido desenhado antes em material rústico e exibido nas vitrines do Challet Paulista de Armintos Raya. A criação foi de Edson Rontani. Porém, esta arte – mais profissional – é de Nino Borges. O Nhô Quim era apresentado aos times que na época faziam vibrar o torcedor de São Paulo. Foi a primeira aparição do mascote em um veículo oficial de imprensa. Reprodução do acervo da Gazeta Esportiva

sábado, 1 de março de 2025

Nhô Quim na Gazeta


A Gazeta Esportiva Ilustrada edição da primeira quinzena de 1955. Uma capa com os principais times de futebol da elite paulista. Dentre eles, estava o Nhô Quim, representando o E. C. XV de Novembro de Piracicaba, que aparece na ilustração logo abaixo ao centro. A ideia da criação de mascotes de times futebolísticos surge nos anos 1930 com Nino Borges que criou personagens para uma promoção lançada por um fabricante de balas. Este confiava no colecionismo e acabou criando escola. O XV em 1955, fazia cerca de seis anos que havia se profissionalizado e tinha um time à altura dos grandes times do Estado

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Carnaval de 1957


Foto de autoria ignorada, datada de 1957 nas dependências do Clube Social Coronel Barbosa. Tomava corpo o carnaval daquele ano os associados e convidados do clube. Para a decoração, muita tinta, dedicação e suor em termas que lembram as concentrações carnavalescas de antigamente. Na foto, de costas, um artista não identificado. Ao meio, Edson Rontani e a direita Jairo Ribeiro de Mattos. E assim, neste ano, o piracicabano curtiu os dias de folia no reinado de Momo.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025


Publicidade veiculada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 17 de abril de 1962. A Paulista – Rede Ferroviária Paulista, FEPASA – deu nome ao bairro criado a partir de seu terminal. O anúncio previa preços promocionais para viagens inclusive de outras cidades para Piracicaba, em especial partindo da capital do estado de São Paulo. A Estação da Paulista foi inaugurada em 1922 e agora junho completa 103 anos, preservada como importante centro cultural e de lazer. As atividades da linha férrea ocorreram de 1922 a 1977. 

 

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Bendito Carnaval

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Pensei em ir aos órgãos de defesa do consumidor. Mas, nada adiantaria. Me senti ludibriado dias destes ao ouvir uma canção de 1969 denominada “País Tropical”. Nela, Jorge Ben, alegremente brindava : “em fevereiro, em fevereiro, tem Carnaval, tem Carnaval”. Fevereiro acaba daqui alguns dias e nada de Carnaval ! Não pude subir à tamancas pela simpatia que tenho por Jorge Ben, mas ele sim escalou montanhas quando teve que mudar de nome para Jorge Ben Jor ao notar que recebia menos direitos autorais porque estes royalties eram repassados não a ele e sim para um quase xará seu, George Benson. Como os gringos confundiam um com outro, aí sim o nosso Jorge foi aos órgãos competentes exigir seus direitos.

Mas, afinal, quem define quando é o Carnaval ? E por que Jorge Ben (Jor) resolveu marcar na MPB fevereiro como o mês desta folia popular ? Tudo depende da Páscoa, que a grosso modo é precedida pela Quaresma. Já a Páscoa ocorre no primeiro domingo após o equinócio de março, tendo por base sua primeira lua cheia. A lua muda de fase semanalmente mas nunca cai no mesmo dia. A Páscoa exige uma marcação que vai além da lógica. Bom ! Aí a cabeça começa a embaralhar, não é ? O certo é que não teremos Carnaval em fevereiro.

Há aqueles que usam a data para descansar. Há aqueles que não lembram que a festa foi cancelada em 2021 pela pandemia da covid-19. Em 2022 embaralhou o calendário já que também não foi realizado e em alguns estados ocorreu em abril. O Brasil todo trabalhou com pessoas carrancudas. Bom, mesmo com a doença correndo solta, teve gente que comemorou sem dó algum em cada um destes anos.

Para quem gosta de história, curioso é ver como era o Carnaval na capital federal brasileira, 100 anos atrás. Quando cito capital, é bom lembrar que a Guanabara era a sede do governo brasileiro. Sim. Rio de Janeiro. Com seus torrenciais 40 graus, a Folia de Momo nos anos 1920 trazia desfile de carros alegóricos. Até aí, tudo bem. Nada de “genitália desnuda” e sim sambistas de terno, gravata e chapéu. Herança da cultura europeia que ainda imperava no país. O que era moda em países onde nevava, como França, era consumido por aqui. Demorou muito para termos uma identidade tropical.

No passado, é difícil cair no esquecimento dos Carnavais de Piracicaba. Oxalá queira que daqui a pouco não se esqueça da Banda do Bule ou do Bloco da Sapucaia, assim como já esqueceu que tivemos um Sambódromo em área da antiga Estação da Paulista no final da década de 1990. A vida se renova, as pessoas morrem, se a história não é recontada para as novas gerações, o ostracismo toma conta de tudo. Houve quem fugisse da rua Governador Pedro de Toledo no sábado de manhã, primeiro dia do Carnaval, para não ter a mão boba correndo pelas coxas ou pelos beijos fortuitos dos foliões que muitas vezes percorriam a rua do comércio com uma boa dose de cachaça. Mas havia também um público que lotava as calçadas de tal rua para ver e aplaudir a originalidade das fantasias, normalmente homens travestidos.

A cidade teve um dos mais bonitos e elaborados carnavais do interior paulista, trazendo para cá atores globais e de renome nacional. Houve até carnaval embaixo de chuva, carnaval na Armando de Salles Oliveira com aquele fedor exalado pelos bueiros que escoavam pelo córrego do Itapeva... Mas nada que acabasse com a alegria da população.

Nos clubes, muita exaltação. Coronel Barbosa, Cristóvão, Clube de Campo, Atlético, Regatas, Ítalo ... Muitos reuniam a juventude e alta sociedade, assim como os petizes nas suas matinês. Carnaval até os anos 1990 era sinônimo de comércio fechado, período em que as compras da semana teriam que ser mais gordas pois nada abria. Os tempos mudaram. Momo continua rechonchudo. A folia está aí. Mas há quem prefira passar estas festividades em Lençóis (Paulista, não!) ou em Gramado (da Esalq, num piquenique). Carnaval eu pulo. Prefiro descansar.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 19 de fevereiro de 2925 e na Tribuna Piracicabana de 22 de fevereiro de 2025)


sábado, 15 de fevereiro de 2025

A imparcialidade parcial

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Leandro Guerrini escreve certa vez que os jornais começaram a circular em nossa terra 200 anos atrás, trazendo ecos de um moderno Brasil que acabara de se tornar independente de Portugal. Até então, obras impressas, como os livros, eram rodadas em Portugal ou na Inglaterra, grande parceiro comercial dos portugueses. Era tudo caro, exigia altos investimentos em maquinário e pessoal. Assim, personalidades fizeram jornais à sua moda, escritos a mão, distribuídos entre os mais influentes – e tão somente aos “letrados”, ou alfabetizados – e por vezes pregados à porta da igreja matriz, onde, com certeza, havia concentração rotineira.

Quando surgem os jornais no Brasil aparece um certo desconforto principalmente por parte da imprensa que tinha de produzir conteúdo, revisar, imprimir e distribuir. Não existiam as bancas de jornais e revistas. Estas eram denominadas de bibliotecas por reunir produções escritas em papel. Jornais e livros tiveram grande impulso, em especial na Europa, em meados do século retrasado, servindo de entretenimento durante viagens de trens, muitas delas longas nas quais era pouco ler um único livro, tão demorado o trajeto.

O jornal “O Estado de São Paulo”, em sua edição de 4 de janeiro passado, comemorativa aos 150 anos de fundação, trouxe dados curiosos sobre sua impressão e distribuição. As primeiras edições – quando ainda era chamado de “A Província de São Paulo” – tinham impressão de 2 mil exemplares, cuja distribuição era restrita a capital paulista, que eram entregues a assinantes ou colocados a disposição para compra em sua redação. Bernard Gregoire, francês, trouxe o know how adquirido em terras parisienses aceito pela direção do jornal que era sair às ruas, montado em um cavalo, vendendo as edições diárias do Estadão. Começa aí uma nova etapa da logística do jornalismo. Um francês barbado, com touca e uma vestimenta que lembrava um membro da legião estrangeira e ainda tocando uma corneta era uma figura exótica que chamou a atenção dos mais letrados, os quais a princípio o condenaram pela irritante corneta. Era a forma de chamar atenção que ainda hoje é praticada com o amolador de facas que percorre as ruas, o vendedor de biju ou até o carro da pamonha. Gregoire virou ex-libris e estampa o Estadão até hoje num cavalo com uma corneta à mão.

Entre os anos 1700 e 1800 a imprensa, não apenas brasileira, vivia sobre a batuta governamental. Os fatos publicados eram aqueles de interesse de quem estivesse no poder, no caso do Brasil, o regente. Não havia imparcialidade muito menos eram ouvidos os dois lados. Na proximidade do surgimento da República o cenário muda.

Por isso é comum ver jornais antigos com sua titulação e uma referência como “órgão independente”. A profissionalização da imprensa surge na Europa no início dos anos 1800, fazendo da notícia apurada um produto de considerável custo financeiro. Surgem depois as publicidades atreladas a um conteúdo confiável.

O “Estadão”, quando foi instaurada a República, estampou em sua capa que não era “órgão de partido político algum, nem estando em seu intuito advogar os interesses de qualquer deles”.

Em Piracicaba, o jornal “Gazeta de Piracicaba” trazia este exemplo. Criado na transição de Império para República, o matutino trazia abaixo de seu nome slogans como “Orgam Imparcial” (1882), “Folha popular” (1886/87), “Propriedade de uma Associação” (1892) e depois, como modismo midiático em quase todo o Brasil, “Orgam Republicano” (1893/96 e 1903). A Gazeta teve sempre seus ideais republicanos, não apenas nos períodos citados, sendo que na primeira edição do jornal é explícito o apoio ao Regime. Estudos indicam também que além de republicano o jornal tinha fortes ligações com a maçonaria visto que os defensores locais da República eram de lá provindos.

Anteriormente a cidade abrigou jornais com viés monarquista com o Jornal do Povo (1880/89) e O Piracicaba o qual abusava dos ideais do Partido Liberal. E assim a liberdade foi trocada pela imparcialidade.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 08 de fevereiro de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 15 de fevereiro de 2025