* por Edson Rontani Júnior
Jacarés infestando o Rio Piracicaba, índios Tupis se atracando com os
moradores ribeirinhos de Piracicaba, jagunços no Porto João Alfredo (atual
bairro de Ártemis) e a Rua do Porto como centro regional de compra e venda de
ouro. Assim era Piracicaba no ano de 1868. Se isso não ocorreu na vida real, ao
menos aconteceu no filme “Os Três Garimpeiros”, aventura de época filmada em
Piracicaba em 1954 pelo diretor italiano Gianni Pons (em seu segundo filme
brasileiro) através da Fama Film e da Produtores Independentes Ltda. A filmagem,
ousada para a época, trazia astros de “O Cangaceiro” rodado dois anos antes e
um dos poucos filmes pelo qual o Brasil ainda é conhecido internacionalmente,
principalmente por ter recebido o prêmio de melhor filme de aventura no
Festival de Cinema de Cannes.
A sociedade parou para acompanhar os atores e as filmagens. “Piracicaba
tinha, e ainda possui, paisagens exuberantes para uma produção cinematográfica,
conta Gregório Marchiori Netto, advogado e figurante da fita. À isto aliava-se
o crescimento industrial que a cidade apresentava além de ser um grande centro
exibidor de filmes para cinema, possuindo na época de seis a oito salas. Por
três meses, a produção foi o assunto nas rodas de conversa principalmente por
trazer artistas como Alberto Ruschel, Milton Ribeiro, Adoniran Barbosa (estes
três presentes em “O Cangaceiro”), Aurora Duarte e Hélio Souto (que décadas depois
tornou-se conhecido pelas novelas da Rede Globo como “Locomotivas” e “Guerra
dos Sexos”). O filme tinha tudo para dar certo. Elenco afinado, boa música (de
Enrico Simonetti com canções de Tito Madi e Erlon Chaves), cenários naturais de
grande beleza.
Os
jovens corriam para assistir às filmagens e muitos até trabalharam de graça
como figurantes. Ainda hoje é comum ver uma família citar que conhece alguém
que tenha feito parte dos quase 100 figurantes desta produção. O cinema era a
diversão da grande massa na época junto ao rádio. A tv, lançada dois anos antes,
ainda era novidade. Entre estes figurantes, alguns ainda estão vivos e
destacaram-se não pela arte cinematográfica mas sim por outras atividades como
Brás Salles (sindicalista), Gregório Marchiori (advogado), José Cantarelli
(fotógrafo, cujo nome é citado por este filme no Institute Movie Database),
João Chaddad (arquiteto e vice-prefeito)
e Francisco Andia (assistente de direção que depois fundou a Águia Filmes e teve
uma rede de cinemas na cidade), entre tantos outros.
A atriz Luana Marcial
O diretor Gianni Pons queria realizar muitas cenas externas como forma
de economizar cenário e Piracicaba oferecia isso. A produção e o elenco rodaram
cenas nas beiras do rio Piracicaba, no Engenho Central, na Chácara Nazareth e
na Usina Monte Alegre. Artistas se hospedaram no Grande Hotel (Boa Morte com
Dom Pedro II, onde se encontra o Edifício José Antonio Orsini).
“Os Três Garimpeiros” foi um dos oito filmes rodados no Brasil em 1954, ano
em que se criou o “Cinema Novo” com “Rio 40 Graus” de Nelson Pereira dos
Santos. Naquele ano foram rodados também “A Carrocinha” com Mazzaropi além de
obras de Adhemar Gonzaga, Watson Macedo e Carlos Hugo Christensen, ícones do
cinema nacional.
Três meses de filmagem renderam 80 minutos de filme e histórias que as
gerações ainda contam. O filme nunca mais foi visto no cinema, tv ou em vhs ou
dvd.
A história seguia argumento de Teophilo G. P. Andrade e se passa na
segunda metade do século XIX, quando estava em andamento da Guerra do Paraguai.
O império se vê acuado quando seu exército fica sem munição e armamento. O
ouro-de-lei é a moeda para os traficantes de armas. Aí surge a busca pelos
“três garimpeiros” através de uma missão do exército que pretende negociar a
compra de ouro e adquirir os armamentos.
A atração durante as filmagens era a de ver ao vivo os galãs do cinema
andando pelas ruas de Piracicaba. Cruzava-se nas ruas com Alberto Ruschel
(tenente Alberto Prado), Aurora Duarte (como Branca), Milton Ribeiro
(Gerônimo), Hélio Souto (Português), além de um grupo de apoio formado por
Ricardo Campos (Delegado), Caetano Gherardi (Caetano), Tito Livio Baccarin
(Hans), Uriel César, Demétrio Age, Paulo Aliberti, Lia Cortese, Alfred Simoney
e os Índios Tapuias, grupo indígena que se apresentava em circos.
Hélio Souto, numa das festas da Usina Monte Alegre, conheceu Maria
Helena Morganti, filha do comendador Pedro Morganti, motivando um casamento que
durou 22 anos. Milton Ribeiro, que especializou-se em papéis de jagunços ou
cangaceiros, ou “a maldade em pessoa”, era o antônimo na vida real. Estiloso,
educado, podia ser visto andando sozinho na Praça José Bonifácio, point dos
jovens na época. “Encontrei-me, junto a dois amigos, com ele andando pela rua
Alferes José Caetano, em frente aonde hoje está a Câmara Municipal – diz
Gregório Marchiori – e por vinte minutos falamos sobre a vida e sobre cinema;
era uma pessoa muito afável”. Foi um período irregular do ator falecido aos 50
anos. Conseguiu sucesso internacional com "O Cangaceiro”, em seguida fez
“Os Três Garimpeiros” - que caiu no esquecimento - e, um ano depois, participou
de ‘Três Destinos”, por ironia, nunca concluído.
“Para muitos piracicabanos, foi a glória na grande tela”, diz Gregório
Marchiori Netto, que desde criança tinha como heróis os cowboys eternizados no
cinema como Rocky Lane, Bill Elliot e Roy Rogers. “Cheguei a ver ‘Os Três
Garimpeiros’ três vezes em sua exibição no Cine Politeama (na Praça José
Bonifácio) e assisti-lo sossegado era impossível, pois toda Piracicaba queria
ver alguém conhecido e a platéia, a todo momento, falava alto sobre este ou aquele
personagem tipo ‘aquele de costas é fulano, aquele outro é beltrano’”.
O diretor italiano Gianni Pons veio ao Brasil na época de criação da
Cia. Vera Cruz, em São Paulo ,
a principal “importadora” de mão-de-obra para o cinema de então, como forma de
concorrer com as produtoras cariocas. Ele tinha experiência como roteirista na
Itália. Aurora Duarte lançou-se para o estrelato em 1952 quando Alberto
Cavalcanti filmou em Pernambuco “O Canto do Mar”. Um ano depois mudou-se para
São Paulo exclusivamente para fazer este “Os Três Garimpeiros”.
Sua finalização quase não ocorreu por falta de recursos financeiros. Vários
aluguéis sequer foram pagos. Carroças, cavalos e outros itens eram emprestados.
Até o roteiro deve de ser alterado. Na sua montagem notaram-se erros de
seqüência. Usou-se o que estava disponível. O romance entre Ruschel e Aurora
acaba não se concretizando pois no final ele parte com o ouro e ela permanece
no vilarejo.
O ex-ministro Luís Carlos Bresser-Pereira, quando crítico de artes no
jornal “O Tempo”, na edição de 9 de janeiro de 1955, classificou o filme como
“péssimo caracterizado por aventuras de mau gosto”. Critica a falta de roteiro
e as caretas de Ruschel e Aurora, sem contar a interpretação dos índios. Em seu
ponto de vista, faltou critério pois quase todos os figurantes eram mortos na
trama, o que segundo ele “é tratar morte e a impiedade de forma boçal,
pornográfica, profundamente irritante”.
Assim como existe aquela pessoa que sabe de
alguém que participou do filme, existe também aquela que sabe dos erros nele
contido. Marchiori diz que a produção pode ser considerada um “filme b” ou um
“trash-movie”, como eram conhecidos os filmes norte-americanas sem muito
recurso financeiros e pouco cenário. São vários erros históricos ou seqüenciais
quem nem mesmo a presença do elenco estelar conseguiu desviar a atenção. Numa
cena de incêndio, um dos figurantes pega uma lata estampando a marca Querosene
Jacaré - lançado pela Esso nos anos de 1950. Em outra cena, dois cavalos pretos
andam pela paisagem e de repente de outro ângulo se transformam em brancos. Em época de
bacamartes e garruchas de cano comprido, um dos atores pega uma pistola que só
passou a ser fabricada no início do século XX. Existe também aquele personagem
que após quase se afogar no rio deita-se na beira e pede água ou ainda um
figurante com cabelo cortado e com brilhantina. Para um filme de época, isso é
um erro grave. Se realidade ou folclore, não se tem certeza. Mas, desde que, em
“O Manto Sagrado”, Jesus Cristo foi auxiliado por um cidadão que portava um
relógio de pulso, tudo é valido.
6 comentários:
Histórias como essa não são contadas nas escolas mas deveriam ser divulgadas por outros meios. Parabéns pela publicação.
Eu tinha 14 anos quando o filme foi rodado aqui. Cheguei a ver pessoalmente Milton Ribeiro, então uma figura máscula como no filme Os Cangaceiros. Em 1962 fui trabalhar em São paulo e não perdia nenhuma apresentação dos Teatros de Revista, já em fase decadente. Na frente do Teatro Natal, vi de novo Milton Ribeiro, então cheio de tiques afeminados, até com a voz diferente. Não acreditava no que via...
Uauuuuuuuuuuuuuu! Eu já havia ouvido falar dessa filmagem em Piracicaba, mas lendo melhor a história desse filme é muito mais interessante. Parabéns, Edson pela matéria!
Nunca havia ouvido falar desse filme. Gostei bastante do texto que nos leva a imaginar as cenas.
Abraços.
Celso Ghelardino Gutierre
Obrigado pelos comentários, pessoal. Cera - fico imaginando ... um galã do cinema com tons conforme você descreveu. Deve ter sido hilário.
Quem tem cópia desse filme Os 3 Garimpeiros entre em contato comigo,coleciono cinema antigo e ando a procura do mesmO.
SDS.jOSÉ RIBEIRO EMAIL JOJARIB@YAHOO.COM.BR
Postar um comentário