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terça-feira, 17 de outubro de 2023

Restaurantes conceituados

 Edson Rontani Júnior, jornalista, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

A recordação me leva para uma noite quente lá por volta de 1988, época em que o Centro de Piracicaba ainda possuía vida noturna com segurança. Os jovens, principalmente, percorriam a Governador. A Galeria Brasil era uma passagem obrigatória, ficando intransitável aos sábados pela noite. A praça José Bonifácio ainda acolhia as pessoas que buscavam passar o tempo, sair com a família, ou simplesmente namorar. Era ostentação segurar a namorada em um dos braços e carregar na outra mão um tape deck com um equalizador Tojo.

Foi na rua Governador esquina com a São José, possivelmente o estabelecimento era denominado Restaurante Ortiz (um dos vários pontos em que ele se situou). Pedi uma pizza e claramente me lembro do garçom muito bem educado, polido e numa gentileza imensurável. Anos depois o reencontrei, num local ao qual vou ao menos uma vez por mês desde 1999: Cláudio Poteche. Matou a charada quem lembrou do Claudinho’s Place ou simplesmente o Restaurante do Claudinho.

Piracicaba é conhecida por sua vida gastronômica desde o século retrasado, buscando nos bares e restaurantes marcar uma notoriedade histórica. Me lembro que aqui no Jornal de Piracicaba, o colunista Mauro Pereira Vianna não deixava de perguntar aos seus entrevistados : qual seu restaurante predileto e qual o seu garçom preferido ?

O Mirante era exemplo de finesse à mesa, com a família Benites recebendo piracicabanos, “estrangeiros” e celebridades. O restaurante fez escola e hoje tem seus expoentes com delícias de peixes na brasa alicerçada individualmente pelos irmãos Vado e Agostinho, além do Givaldo e Reginaldo. Sem contar em quantas vezes não ouvimos o Faustão no seu “Perdidos na Noite” ou no seu “Domingão” falar do cuscuz do seu Hélio da Arapuca ? Aliás, sou do tempo do “prensadão” na avenida Armando de Salles Oliveira e do churrasquinho no Bar do Décio na rua Santa Cruz. Anos depois do hamburger no Daytona. Houve vida antes e depois disso, principalmente na praça José Bonifácio (Brasserie e Café do Bule, entre outros) e a prainha com o Bistecão.

Tendo sempre à mão, o livro de cabeceira “Dicionário de Piracicabanos” (Editora IHGP), o autor Samuel Pfromm Netto, nos brinda com informações importantes sobre a gastronomia local. O Bar e Restaurante Familiar Giocondo situava-se à praça José Bonifácio. Tinha como especialidade, nos anos 1930, os bifes – a parmegiana veio na segunda metade do século passado. O local era frequentado pela intelectualidade local. Foi vendido depois para o japonês Oscar Miziara que o transformou em Restaurante Alvorada.

Próximo, estava o Restaurante Banhara, num dos cruzamentos da rua do Rosário com a Prudente de Moraes. Teve seu auge nos anos 1930. Dirigido por imigrantes italiano tinha variedade no cardápio.

Ricos são os almanaques locais. O “Almanak de 1900”, de Manoel de Camargo, traz uma relação de proprietários de restaurantes na virada do século retrasado, entre eles: António Amendola, Pedro Benedicto, Frederico Bertolini, José Biajonni, António Botiglieri, Belatasso Fernandes, João Moretti Folvenço, Irmãos Gabbi, João Gallana, Celeste Gilli, João Lucci, Luiz Maranho, Ângelo Massoneto, Paulino José Miranda, Fortunato Minello, Pedro Monteran, Albino Negri, Salvador Oranges, Domingos Patrian, Gaspar Piatti, João António dos Santos, Francisco Scabelli, Santo Stremendo, Márcia Telles, João Tolagne e Pedro Vargas. Nomes que não concorreriam de forma alguma com aquilo que é chamada de “geração Nutella” que participa dos famosos “maters chefs” da televisão. Cabe lembrar que naquela época, não existia refrigeração como hoje e a conservação de alguns alimentos era feita com o salgar da carne e outros alimentos. A carnes não eram vendidas em açougue como hoje. Lembram-se do Matadouro existente no caminho a Santa Terezinha ? Até a carne tinha outra denominação com via-se nos noticiários e nas publicidades : carne verde.

Além da gastronomia, bares e restaurantes também eram ponto de encontro exclusivamente masculino. Por isso, alguns traziam a inscrição “ambiente familiar”, como forma de atrair esposo, esposa, filhos e ... até a sogra !!! Um dos casos era o Restaurante Papini, onde, na primeira metade do século passado, foram acirradas as disputas de bocha com campeonatos que varavam as noites. Isso, claro, regado a muito cigarro, bebida, papo, amizade e uma boa comida.

Hotéis como o Lago e o Central, ambos na praça José Bonifácio, também tinham restaurantes abertos não apenas aos hóspedes e voltados para a elite. Era possível consumir bifes com batatas, a nata da gastronomia de então.

Hoje a cidade diversificou-se. Não é mais necessário esperar a Festa das Nações para comer um prato típico de determinado país ou região. Basta abrir o iFood e ver um cardápio no qual paira a indecisão diante de tantas opções.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 15/10/2023)

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