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domingo, 24 de dezembro de 2023

Ceia farta

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Houve tempo em que o piracicabano esperava a Festa das Nações para saborear delícias disponíveis apenas neste evento. Comidas árabes, italianas, africanas ... Houve, também, um tempo em que as famílias viajavam a Campinas ou São Paulo para saborear feijoada, vinhos ... Terraço Itália, Massimo, Fogo de Chão eram alguns dos destinos.

Tivemos lacunas como a esfirra aberta feita em forno a lenha numa casa comercial situada na esquina das ruas Boa Morte e Riachuelo. Pena que a memória seja falha e não me recordo o nome de tal estabelecimento. Mas recordo do seu Chalita e seus quibes na rua Boa Morte, próximo dali, quase esquina da Ipiranga. Isso na virada da década de 1970 para 1980. Quando tais restaurantes fechavam, não tínhamos outras opções. Hoje, estas referências e tantas outras estão em diversos pontos da cidade. Podem ser entregues em casa pelo aplicativo, desde a pamonha ao cuscuz paulista. Chique era você entrar no Restaurante Brasserie – no salão do fundo – ou do Mirante e ser bem servido pelos Lescovar ou Benites. Hoje, consome-se na calçada, ou até em cima do asfalto, numa ostentação que não vem ao caso neste artigo.

Comer é uma necessidade básica. Comer bem ... ora, também é ! Vejamos a quantidade de centros gastronômicos que temos. Rua do Porto, Nova Piracicaba, Monte Alegre etc etc etc ...

No passado, cabe lembrar alguns nomes que fizeram esta fama. Para isso, valho-me de alguns escritos do passado, como o “Dicionário dos Piracicabanos” (Editora IHGP, 2014), de Samuel Pfromm Neto. Este nos indica o italiano Ernesto Papini, que, em 1905, instalou o Restaurante Papini na Vila Rezende, avenida Rui Barbosa nº 490, uma das mais afamadas casas gastronômicas das duas primeiras décadas do século passado. Acolheu o governador Ademar de Barros e o presidente Getúlio Vargas. Funcionou até 1964 como local de festas, confraternizações, namoros, música e jogatina. As noites concorridas eram chamadas de “Papinadas”, com presença de músicos como Erotides de Campos, Cobrinha, além da Corporação Banda União Operária. Foi um empreendedor pois no espaço administrava um restaurante, bar, confeitaria e campo de bocha.

O Jardim da Cerveja foi uma forma trazer a boemia e o bom prato junto ao piracicabano. Funcionou no cruzamento das avenidas Independência com Carlos Martins Sodero. Sua inauguração ocorreu em 10 de junho de 1967 e foi um dos palcos da comemoração do bicentenário da cidade, com presença do governador Abreu Sodré e do prefeito Luciano Guidotti. Entre os empresários que criaram o centro gastronômico estava Armintos Raya, do Challet Paulista e Casa Raya.

De garçonete a dona de seu próprio negócio. Como bem nos ensina Cecílio Elias Netto em seu “Memorial de Piracicaba”, Bergardina Augusta Maygton Ribeiro deixou São Pedro para trabalhar no bar Nova Aurora, praça José Bonifácio, criando, em 1943, a padaria Vosso Pão, próximo ao local anterior. Deixou história e ainda hoje o estabelecimento é reverenciado por aqueles que aqui vivem.

Entre os fornecedores de restaurantes estavam os Wagner (avô de Renato Wagner) e Reynaldo Röhsler. O Almanak de Piracicaba para 1900 cita que a cidade tinha ao menos oito cervejarias. Reynaldo dividia a rua Benjamin e sua produção de chope, junto a cervejaria Micchi e Rutter. Outro fornecedor foi Luis Augusto de Ledo, comerciante. No mesmo Almanak figura anúncio do Empório das Novidades dizendo ter sortimento de vinhos, licores e outras bebidas finas.

Voltemos algumas linhas e vamos falar de Jacob Wagner, avô de Renato. Foi proprietário de uma fábrica de cerveja, licores e refrigerantes que funcionou onde está hoje a rua dom Pedro II com a Benjamin Constant, no final do século 1800, anteriormente num pequeno barracão situado à atual avenida Beira Rio, perto da Boyes. Era atração na saída do Teatro Santo Estevão, onde comercializava sua produção. José Zambello, italiano de nascimento, foi o responsável pela Fábrica de Cerveja Única, em 1907, situada na avenida Rui Barbosa.

Lá por volta dos anos 1950, funcionava a Produtos de Bebidas Paulista, na rua Benjamin Constant, depois da avenida dr. Paulo de Moraes. Abrahão Zaidan era o responsável. Fabricava licores, xaropes, aguardente, vermute, vinho de cana, conhaque de uva e a Caninha Zaidan.   

Não a toa, Piracicaba mantém esta fama com as cervejarias Cevada Pura, Leuven, Tutta Birra, Dama Bier e outras. Tradição que percorre mais de um século. E, com isso, temos acompanhamentos gastronômicos como a pizza o dia todo, algo que até os anos 1980 só era fabricada e consumida a noite. O pastel era item obrigatório apenas e exclusivamente no Mercado Municipal. Hoje está em qualquer varejão municipal e também nos aplicativos. Sinais do tempo. Nos tornamos sedentários e muitas vezes nada satisfeitos com o prato que temos a mesa.

Para uns, a ceia é farta. Para outros, “farta” a ceia. Pense nisso...

Publicado no Jornal de Piracicaba de 23 de dezembro de 2023.

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