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quinta-feira, 8 de maio de 2025

Contadores de história

Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo 

Versão: seu ponto de vista ou modo de contar o que assimilou sobre determinado conteúdo. Assim Walt Disney fez com “Branca de Neve e os Sete Anões”, de 1937, o primeiro longa-metragem da empresa, feito com tecnologia inovadora à época. Disney adaptou à sua moda a versão clássica de um conto popular. A obra motivou “O Mágico de Oz”, em 1939, pela Warner Bros. Também inovador. Em desenho, carne e osso ou live-action, são versões de contos folclóricos, autorais ou não.

Os Estúdios Disney retornam agora com a franquia das princesas dirigida por Mark Webb a qual teve estreia nacional em março passado. Evite comparações. Assim como os desenhos animados de grande sucesso no passado repaginados como “Rei Leão”, “A Pequena Sereia” ou “Aladim”. O jeito de pensar mudou nas últimas décadas e com isso inovações são necessárias como a inclusão de gêneros sexuais ou empoderamento feminino, ou ainda aversão ao tabaco e a luta na preservação do meio-ambiente.

Branca de Neve era um conto com sua versão original propagada de geração em geração na Europa. Um conto para adultos, aliás. Assim como boa parte dos atuais contos infantis. Você já leu o original de Chapeuzinho Vermelho? Arrepia qualquer um! Já a Branca tem situações aversas à ilusão criada por Disney. Dormia com um dos anões. Não foi salva pelo beijo de um príncipe, que, diga-se, a despertou ocasionalmente quando carregava seu caixão, tropeçando e fazendo, diante da queda, com que ela cuspisse o miolo da maçã que havia comido e entalado em sua garganta.

A nova Branca de Neve da Disney tem pontuações atuais. Branca de Neve sonha em liderar o povo no condado em que vive. Não pregando guerra e sim bondade e generosidade, como fizeram seus pais. O príncipe encantado é trocado por um serviçal do rei que a denuncia quando está roubando mantimentos do castelo real. Os anões também foram adaptados ao politicamente correto contemporâneo: não são anões pois isso geraria apologia ao nanismo. Possuem a mesma altura da Branca de Neve e são descritos como criaturas mágicas com mais de 1/4 de milênio de vida.

As histórias originais nunca foram criadas para acolher corações frágeis. O escapismo é uma alternativa criada pelo cinema como forma de arrecadar bilheteria, através do tal “final feliz”. Contos clássicos foram feitos para assustar os adultos com moral de punição, barbárie social e assim vai.

O cinema prepara a terceira versão Disney – não feita por este estúdio – com tons de horrores. Alladin começa a ser filmado em maio por Charley McDougall. Anteriormente, Ursinho Pooh e Mickey arrepiaram os amantes da sétima arte. Ninguém gostou, claro.

Mas, de onde surgiram essas versões? Os contos da mil e uma noites tem sua origem no Oriente Médio, mas foi somente lá por 1700 que alguém os colheu e publicou numa única produção impressa. Isso graças à prensa criada por Gutenberg lá por volta de 1450. Agora era possível tirar várias cópias de documentos. Era um trabalhão. Mas a matriz era propagada e perpetuada concorrendo com a língua viva.

Foi neste pensamento comercial que surgiram iniciativas como a do francês Antoine Galland que compilou histórias coloquiais árabes como os Contos da Mil e Uma Noites. Não que a cultura árabe detenha o original de certas obras, isso por que na Índia já eram contadas essas histórias, por longos séculos.

Charles Perrault, outro francês, no final do século 1600 teve ideia idêntica e criou o livro “Contos dos tempos passados”, um estrondoso sucesso com Bela Adormecida, O Gato de Botas, Cinderela e outros que caíram no gosto popular.

Já os irmãos Grimm – Jacob e Wilhelm, linguistas alemães, registraram as principais fábulas infantis que conhecemos por livros, revistas ou pelo cinema, utilizando inclusive os originais de Perrault. De originalidade, nenhuma. Colocaram no papel aquilo que era falado no dia a dia, vindo de povos antigos como os indígenas. E, como contaram um conto, acabaram sempre aumentando um ponto. E tire assim, sua melhor versão do que você assimila.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 1º de maio de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 10 de maio de 2025)


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