Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo
Temente a Deus e com vontade de dormir. Duas condições humanas assumidas por um gênio no filme “Era Uma Vez Um Gênio” (2022). Nesta produção hollywoodiana vemos um George Miller menos comercial, muito intimista, e buscando suas raízes. O australiano de 80 anos consegue colocar nossa cabeça em parafuso ao abordar o tema de um Aladim em tempos atuais. Vai além das concepções profundas do amor, do desejo e da desilusão pregadas por Jung ou Freud.
Miller
deu umas derrapadas em sua carreira para o bom amante do cinema, mas que
renderam ótimas bilheterias, como “Babe” e “Happy Feet”, filmes para família ou
infantis. Começou com uma carreira promissora com a franquia Mad Max em 1979.
Era visto como um inovador da sétima arte nos anos 1980.
“Era
Uma Vez Um Gênio” não é um estrondo comercial nem um filme feliz. Joga para a
atualidade a solidão de um gênio enclausurado diversas vezes em uma garrafa,
lamparina ou vidro de perfume por tentar entender o universo feminino ou
interferir no mundo das mulheres. Cria-se dó ao assistir à produção, que, como
grande estraga-prazeres, digo que termina com final feliz.
Os
gênios tiveram vida promissora no ocidente a partir dos anos 1700 quando foram
compiladas diversas histórias populares presentes no oriente médio desde os
anos 800. Era um folclore riquíssimo que nunca havia sido colocado no papel.
Quem contava um conto, colocava um ponto a mais. No dito popular, chegou aos
dias de hoje uma conjunção de dramas, comédias, aventuras, romances e tudo mais
que no início servia de moral aos costumes sociais. Foi aí que surgem os
volumes de “Os contos das mil e uma noites”. Difícil é dizer como Sherazade
sobreviveu sendo que os contos chegam a 300 deles o que não daria para
completar a quantidade de noites propostas no título.
Muitos
contos foram ouvidos na Síria pelo francês Antoine Galland que via nesta
história um sucesso maior do que a sociedade europeia consumia nos livros,
então um mercado promissor para a imaginação e o entretenimento. A matriz veio
do livro Hazār afsāna, ou “Mil contos” no idioma persa. As “Mil e Uma
Noites” foi uma coletânea que envolveu árabes, turcos, franceses e sírios.
Galland
notou que as veia inspiradora estava se esgotando e incluiu fábulas chinesas
como as histórias de gênios. Aladin, portanto, veio da China. No original, o
Aladin trazia dois gênios, um preso num anel e outro preso numa lamparina.
Gênio vem da palavra jinn (descobriu o porquê da série Jeannie é um Gênio?).
Jinns são entidades protetoras presentes em religiões, mas que povoaram o
imaginário coletivo como anjos da guarda e realizadores de desejos ocultos.
Estiveram na TV e no cinema através da Disney, Hanna-Barbera, Barbara Eden e
outros. Eram gênios bons.
É
nesta tônica que George Miller envolveu Tilda Swinton e Idris Elba, artistas
que formam o elenco principal. Ela, desiludida por um amor não correspondido.
Ele, desiludido por ter se dedicado a amores que não geraram frutos e o
aprisionaram. Tiraram sua liberdade e o direito de uma vida digna. Um encontra
o ombro amigo no outro. Detalham histórias míticas – afinal é um filme de
gênios! – envolvendo o expectador até o final.
Crises
existenciais fazem deste um filme maduro na carreira de Miller que, nas duas
décadas passadas lutou e conseguiu levar pessoas aos cinemas vendo crescer a
bilheteria de suas produções, e agora busca seu espaço no mundo do streaming
onde determinados filmes podem ser assistidos gratuitamente. Uma fábula do
cinema na qual não existe gênio que consiga transpor pessoas nos assentos do
cinema e grana no bolso dos produtores. Vale o escapismo.
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