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quinta-feira, 15 de maio de 2025

Eu, gênio

Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo 

Temente a Deus e com vontade de dormir. Duas condições humanas assumidas por um gênio no filme “Era Uma Vez Um Gênio” (2022). Nesta produção hollywoodiana vemos um George Miller menos comercial, muito intimista, e buscando suas raízes. O australiano de 80 anos consegue colocar nossa cabeça em parafuso ao abordar o tema de um Aladim em tempos atuais. Vai além das concepções profundas do amor, do desejo e da desilusão pregadas por Jung ou Freud.

Miller deu umas derrapadas em sua carreira para o bom amante do cinema, mas que renderam ótimas bilheterias, como “Babe” e “Happy Feet”, filmes para família ou infantis. Começou com uma carreira promissora com a franquia Mad Max em 1979. Era visto como um inovador da sétima arte nos anos 1980.

“Era Uma Vez Um Gênio” não é um estrondo comercial nem um filme feliz. Joga para a atualidade a solidão de um gênio enclausurado diversas vezes em uma garrafa, lamparina ou vidro de perfume por tentar entender o universo feminino ou interferir no mundo das mulheres. Cria-se dó ao assistir à produção, que, como grande estraga-prazeres, digo que termina com final feliz.

Os gênios tiveram vida promissora no ocidente a partir dos anos 1700 quando foram compiladas diversas histórias populares presentes no oriente médio desde os anos 800. Era um folclore riquíssimo que nunca havia sido colocado no papel. Quem contava um conto, colocava um ponto a mais. No dito popular, chegou aos dias de hoje uma conjunção de dramas, comédias, aventuras, romances e tudo mais que no início servia de moral aos costumes sociais. Foi aí que surgem os volumes de “Os contos das mil e uma noites”. Difícil é dizer como Sherazade sobreviveu sendo que os contos chegam a 300 deles o que não daria para completar a quantidade de noites propostas no título.

Muitos contos foram ouvidos na Síria pelo francês Antoine Galland que via nesta história um sucesso maior do que a sociedade europeia consumia nos livros, então um mercado promissor para a imaginação e o entretenimento. A matriz veio do livro Hazār afsāna, ou “Mil contos” no idioma persa. As “Mil e Uma Noites” foi uma coletânea que envolveu árabes, turcos, franceses e sírios.

Galland notou que as veia inspiradora estava se esgotando e incluiu fábulas chinesas como as histórias de gênios. Aladin, portanto, veio da China. No original, o Aladin trazia dois gênios, um preso num anel e outro preso numa lamparina. Gênio vem da palavra jinn (descobriu o porquê da série Jeannie é um Gênio?). Jinns são entidades protetoras presentes em religiões, mas que povoaram o imaginário coletivo como anjos da guarda e realizadores de desejos ocultos. Estiveram na TV e no cinema através da Disney, Hanna-Barbera, Barbara Eden e outros. Eram gênios bons.

É nesta tônica que George Miller envolveu Tilda Swinton e Idris Elba, artistas que formam o elenco principal. Ela, desiludida por um amor não correspondido. Ele, desiludido por ter se dedicado a amores que não geraram frutos e o aprisionaram. Tiraram sua liberdade e o direito de uma vida digna. Um encontra o ombro amigo no outro. Detalham histórias míticas – afinal é um filme de gênios! – envolvendo o expectador até o final.

Crises existenciais fazem deste um filme maduro na carreira de Miller que, nas duas décadas passadas lutou e conseguiu levar pessoas aos cinemas vendo crescer a bilheteria de suas produções, e agora busca seu espaço no mundo do streaming onde determinados filmes podem ser assistidos gratuitamente. Uma fábula do cinema na qual não existe gênio que consiga transpor pessoas nos assentos do cinema e grana no bolso dos produtores. Vale o escapismo.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 14 de maio de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 17 de maio de 2025)

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