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quarta-feira, 6 de julho de 2022

Viver para morrer aos 17 anos

 Edson Rontani Júnior – presidente da Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e estudioso da Revolução de 1932

 

- Tem saúde. É jovem. Não vai prá guerra ? Volta prá casa e bota uma saia, seu maricas.

Isso ecoou na cabeça daquele jovem de 17 anos. Cronologicamente, estávamos em agosto de 1932. Ou seja, quase 90 anos atrás.

Ele remoeu por horas e pensou em seu papel na sociedade. A época era outra. A vida social não sofria interferência do rádio, da televisão e muito menos da internet. Era uma época em que a comunicação se dava através das conversas nos jardins, nas residências ou através do telégrafo. Bom, existiam ainda as cartas escritas em sua maioria à mão. Também tínhamos os jornais, verdadeiros porta-vozes da sociedade com seu elevado grau de confiabilidade. No entretenimento, teatro e cinema (este estava começando a falar...). Rádio local apenas um ano depois.

Retrocede ! Voltemos ao jovem de 17 anos que não conseguia tirar de sua consciência que ser chamado de maricas era uma ofensa que mexia com sua virilidade. Ele que fora instrutor no Tiro de Guerra de Piracicaba e exímio nadador no Clube de Regatas. Chegou a participar de concursos tendo vencido um deles de mais “soberbo adolescente” de Piracicaba. O prêmio, me foi falado, que seria um carro. Algo ostentoso para a época. Se é verdade, não sei. Só sei que foi assim.

A consciência doía. Pegou uma troca de roupas e rumou para a Estação da Paulista, linha divisória do Centro para bairros que então se formavam desde a inauguração do terminal em 1922, como Paulista, Jaraguá, Paulicéia e outros. O objetivo era ir para São Paulo, Quitaúna talvez.

- Ahh, moleque safado ! – bradou Josué, seu pai. Foi a Paulista e trouxe o jovem de 17 anos puxado pela orelha. “Filho meu fica em casa, não coloca a vida em risco”, teria dito.

Mas era um infortúnio ter de ouvir que deveria se vestir com saias ou ser zombado na rua. Já era meados de agosto de 1932 quando foge de novo de casa. Chega a São Paulo ! Parte para Silveiras. Envia uma carta para seus pais, Josué e Bianca, que atônitos não encontram solução a não ser orar para que ele seja protegido durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Houve sim aceitação paterna pelo voluntariar do jovem. Mas foi uma aceitação dura, de amargar o coração.

Vivo e ativo aos 17 anos. Integrou o Batalhão de Funcionários Públicos. Pegou em armas. Lutou contra as forças federais. Passou maus bocados. Passou frio em pleno inverno paulista no alto das montanhas da divisa de São Paulo com Minas Gerais. Às três da madrugada, ao relento, os termômetros podiam chegar a quase zero grau. O jeito era esconder dos ventos cortantes nas trincheiras feitas para evitar o avanço das tropas do governo federal que pretendiam tomar São Paulo.

Mas, no meio da história havia uma missão. Tola, por sinal. Era preciso montar uma barraca. A mesma estava um tanto quanto distante, em outra trincheira. Eis que o jovem valente de 17 anos é acompanhando por três amigos de farda. Saem das trincheiras. Passam por um bambuzal. São vistos pela Polícia do Pernambuco fiéis às forças federais. Uma rajada de metralhadora é mirada contra o grupo. Eis que o jovem de 17 anos tomba. Uma bala lhe atinge parte da jugular. É levado para o Hospital do Sangue na cidade de Registro. O dia fatídico foi 28 de agosto de 1932. Acaba aí, a história que poderia ser próspera. Muito próspera. Morrer aos 17 anos. Concebido no dia de Natal, recebeu o nome em homenagem a data máxima da cristandade. Natal Meira Barros é um dos exemplos de piracicabanos que há 90 anos lutaram contra a ditadura de Getúlio Vargas e queriam democracia plena com a Constituição aprovada em 1934. Não viveu, como outros, para ver triunfar o ideal da Revolução Constitucionalista. Mas provou que não era maricas.

P.S.: Ao Roberto Crivellari que nos deixou recentemente e que, se aqui estivesse, me ligaria hoje para eu explicar mais detalhes sobre tudo isso que escrevi.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 6 de julho de 2022) 

Um comentário:

DEBORA SOUZA disse...

desde meus 5 anos quando pudemos visitar o museu com a escola , a foto desse belo moço marca a minha memoria, quando mais tarde fui entender o porque estava aquele retrato ali, e admiro a coragem dele. Desde sempre fui apaixonada por historia e *velharias* eu sempre acompanhei esse blog e o IHGP, só agora tomei coragem de comentar algo sobre porque na verdade não tenho palavras a altura!


Meus parabens!