Edson Rontani Júnior, jornalista, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
A
recordação me leva para uma noite quente lá por volta de 1988, época em que o
Centro de Piracicaba ainda possuía vida noturna com segurança. Os jovens,
principalmente, percorriam a Governador. A Galeria Brasil era uma passagem
obrigatória, ficando intransitável aos sábados pela noite. A praça José
Bonifácio ainda acolhia as pessoas que buscavam passar o tempo, sair com a família,
ou simplesmente namorar. Era ostentação segurar a namorada em um dos braços e
carregar na outra mão um tape deck com um equalizador Tojo.
Foi
na rua Governador esquina com a São José, possivelmente o estabelecimento era
denominado Restaurante Ortiz (um dos vários pontos em que ele se situou). Pedi
uma pizza e claramente me lembro do garçom muito bem educado, polido e numa
gentileza imensurável. Anos depois o reencontrei, num local ao qual vou ao
menos uma vez por mês desde 1999: Cláudio Poteche. Matou a charada quem lembrou
do Claudinho’s Place ou simplesmente o Restaurante do Claudinho.
Piracicaba
é conhecida por sua vida gastronômica desde o século retrasado, buscando nos
bares e restaurantes marcar uma notoriedade histórica. Me lembro que aqui no Jornal
de Piracicaba, o colunista Mauro Pereira Vianna não deixava de
perguntar aos seus entrevistados : qual seu restaurante predileto e qual o seu
garçom preferido ?
O
Mirante era exemplo de finesse à mesa, com a família Benites recebendo
piracicabanos, “estrangeiros” e celebridades. O restaurante fez escola e hoje
tem seus expoentes com delícias de peixes na brasa alicerçada individualmente
pelos irmãos Vado e Agostinho, além do Givaldo e Reginaldo. Sem contar em quantas
vezes não ouvimos o Faustão no seu “Perdidos na Noite” ou no seu “Domingão”
falar do cuscuz do seu Hélio da Arapuca ? Aliás, sou do tempo do “prensadão” na
avenida Armando de Salles Oliveira e do churrasquinho no Bar do Décio na rua
Santa Cruz. Anos depois do hamburger no Daytona. Houve vida antes e depois
disso, principalmente na praça José Bonifácio (Brasserie e Café do Bule, entre
outros) e a prainha com o Bistecão.
Tendo
sempre à mão, o livro de cabeceira “Dicionário de Piracicabanos” (Editora
IHGP), o autor Samuel Pfromm Netto, nos brinda com informações importantes
sobre a gastronomia local. O Bar e Restaurante Familiar Giocondo situava-se à
praça José Bonifácio. Tinha como especialidade, nos anos 1930, os bifes – a
parmegiana veio na segunda metade do século passado. O local era frequentado
pela intelectualidade local. Foi vendido depois para o japonês Oscar Miziara
que o transformou em Restaurante Alvorada.
Próximo,
estava o Restaurante Banhara, num dos cruzamentos da rua do Rosário com a
Prudente de Moraes. Teve seu auge nos anos 1930. Dirigido por imigrantes
italiano tinha variedade no cardápio.
Ricos
são os almanaques locais. O “Almanak de 1900”, de Manoel de Camargo, traz uma
relação de proprietários de restaurantes na virada do século retrasado, entre
eles: António Amendola, Pedro Benedicto, Frederico Bertolini, José Biajonni,
António Botiglieri, Belatasso Fernandes, João Moretti Folvenço, Irmãos Gabbi,
João Gallana, Celeste Gilli, João Lucci, Luiz Maranho, Ângelo Massoneto, Paulino
José Miranda, Fortunato Minello, Pedro Monteran, Albino Negri, Salvador Oranges,
Domingos Patrian, Gaspar Piatti, João António dos Santos, Francisco Scabelli, Santo
Stremendo, Márcia Telles, João Tolagne e Pedro Vargas. Nomes que não
concorreriam de forma alguma com aquilo que é chamada de “geração Nutella” que
participa dos famosos “maters chefs” da televisão. Cabe lembrar que naquela
época, não existia refrigeração como hoje e a conservação de alguns alimentos
era feita com o salgar da carne e outros alimentos. A carnes não eram vendidas
em açougue como hoje. Lembram-se do Matadouro existente no caminho a Santa
Terezinha ? Até a carne tinha outra denominação com via-se nos noticiários e
nas publicidades : carne verde.
Além
da gastronomia, bares e restaurantes também eram ponto de encontro
exclusivamente masculino. Por isso, alguns traziam a inscrição “ambiente
familiar”, como forma de atrair esposo, esposa, filhos e ... até a sogra !!! Um
dos casos era o Restaurante Papini, onde, na primeira metade do século passado,
foram acirradas as disputas de bocha com campeonatos que varavam as noites.
Isso, claro, regado a muito cigarro, bebida, papo, amizade e uma boa comida.
Hotéis
como o Lago e o Central, ambos na praça José Bonifácio, também tinham
restaurantes abertos não apenas aos hóspedes e voltados para a elite. Era
possível consumir bifes com batatas, a nata da gastronomia de então.
Hoje
a cidade diversificou-se. Não é mais necessário esperar a Festa das Nações para
comer um prato típico de determinado país ou região. Basta abrir o iFood e ver
um cardápio no qual paira a indecisão diante de tantas opções.
(Publicado no Jornal de Piracicaba de 15/10/2023)
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