Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
A arte do cinema sempre foi vista como um escapismo à realidade. É o mundo da ilusão. Foi uma indústria multibilionária que criou consumidores, estrelas, sonhos, desejos ... É um entretenimento que está na moda há quase 130 anos. Ainda temos salas exibidoras com alto investimento, ao contrário de outras formas de exposição cultural, como os teatros, por exemplo. Ano passado, em “Babilônia”, Damien Chazelle fez uma elegia à sétima arte que explica como funciona todo este universo cheio de estrelas. Na sua esteira surgiram outras indústrias riquíssimas como a televisão, o Super 8, VHS, DVD e atualmente o streaming.
Piracicaba sempre foi bem receptiva com esta arte, com cinemas e profissionais da exibição. E, claro, a cidade teve seus amantes da telona. Por aqui funcionou o Clube Piracicabano de Cinema, sendo presidido de 1949 a 1952 por Gastão da Silva Dias (1924/2008). Ele foi um dos fundadores da Sociedade de Cultura Artística.
Outros
viram o cinema como fator mercantilista. Influente na cidade, tendo sido seu
prefeito em dois mandatos iniciados em 1926 e encerrados em 1932, José Barbosa
Ferraz foi proprietário do Teatro e depois cinema São José, cujo prédio ainda
existe na rua São José entre a Governador e a praça José Bonifácio. O teatro-cinema
possuía poltronas para duas mil pessoas. Foi construído pelo arquiteto Antonio
Borja Medina com teto pintado por Bruno Bacelli. Acertou quem pensou que esse
proprietário era o Coronel Barbosa, que levou nome no antigo Clube Piracicabano.
Visionário
foi Medina (cujo nome chega a ser desconhecido), arquiteto e construtor. A
cidade deve a ele suas principais e clássicas salas exibidoras. Nos anos 1930
edificou o cine Broadway na São José (também foi o Tiffany e o Bingo Broadway)
ocupado hoje por um templo religioso.
A
história remonta a união da imagem em movimento ao som. Com isso, surgem opções
de orquestras que animam as apresentações. Entre os músicos que sonorizaram a
tela grande está Belmácio Pousa Godinho (1892/1980), também um dos fundadores
do XV de Novembro. Integrou a Orquestra Lozano de Piracicaba através da qual criava
som aos filmes mudos na década de 1910.
A
Orquestra Lozano era capitaneada por Fabiano Sebastian Rodrigues Lozano. Este
criou em 1913, a Orquestra do Teatro-Cinema de Piracicaba que contou também com
Erotides de Campos como um de seus músicos. Note que estamos referindo aqui à
pesos-pesados da cultura local.
A
orquestra teve participação de Perfetti, maestro no cinema Íris, Broadway e
Politeama. Carlos Brasiliense Pinto e Melita Brasiliense Pinto também tocaram
com Perfetti. Outras orquestras que abrilhantaram os cinemas locais foram
regidas por Zico Marzagão e Adolfo (ou Adolpho) Silva. Também participaram
deste time José de Aguiar (Aguiarzinho), Osório Aguiar Sousa e Totó Carmello.
João
Baptista Vizioli (1902/1983) – advogado, vereador e vice-prefeito de Francisco
Salgot Castillon em 1959 – participou da orquestra que animou exibições dos
cines Íris e Politeama.
Francesco
Stolf foi quem criou o cine Politeama – o segundo – situado à praça José
Bonifácio nº 914, funcionando de 1954 a 1981 quando o espaço foi ocupado pelas
agências bancárias Itaú e Bradesco.
Se
a cidade era um celeiro de amantes do cinema e das salas exibidoras, cabe
destacar que também produziu obras. Jaçanã Altair Pereira Guerrini – com o
esposo Leandro Guerrini foi uma das fundadoras do IHGP – escreveu o livro “João
Negrinho”, adaptado para o cinema na década de 1950. A obra utiliza do
escravismo brasileiro para relatar a amizade de um negro e um branco unidos por
um padre que prega a igualdade racial e social.
De
passado também vivemos e cabe lembrar de Victor Walker, um dos primeiros
exibidores fixos de cinema. Foi cenógrafo dos teatros na cidade na década de
1900.
Samuel
Pfromm Neto no seu “Dicionário de Piracicabanos” (Editora IHGP) evoca Romeu
Cândido Moraes (1918/2006) que dedicou boa parte de sua vida ao cinema. Foi
projecionista do Cine Brodway. Era responsável por escolher as músicas
executadas antes da exibição dos filmes. Participou do Clube Piracicabano de
Cinema lá por volta de 1950 emprestando filmes de sua coleção particular para
exibições públicas. O Clube funcionava como uma cinemateca com exibições nos
clubes Cristóvão Colombo, Coronel Barbosa e Sociedade Italiana.
Mais
recentemente, nos anos 1980, a cidade contava com o cine Broadway (demolido),
Rivoli (igreja), Colonial (desocupado), Paulistinha (comércio) e também a Sala
Grande Otelo / Cine Arte, no Teatro Municipal Dr. Losso Netto. São locais que
reuniram famílias e namorados. Atualmente a cidade consta com salas exibidoras
apenas no Shopping Center Piracicaba, com apresentações 2D, 3D e em 4K.
Publicado no Jornal de Piracicaba de 29 de outubro de 2023 e na Tribuna Piracicabana de 09 de novembro de 2023
Nenhum comentário:
Postar um comentário