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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Novembro

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Chegamos ao nono mês do ano. Ops ! Novembro é o nono ? Sim. Seu nome vem do latim novem, mês anteriormente consagrado a Júpiter. Daí o Império Romano mudou o calendário, acrescentando dois novos meses, completando os 12 atualmente conhecidos. Mas o objetivo aqui não é discutir o sexo dos anjos e sim relembrar alguns fatos que marcaram Piracicaba neste mês, em tempos remotos.

Pode-se dizer que Piracicaba surgiu em novembro. Sim. Foi em 15 de novembro de 1693, ou 331 anos atrás, que foi assinada a carta de sesmaria de nossa região, outorgando a Manuel Peixoto da Mota a incumbência de povoar a região tomada por mato para que tudo é lado, tendo por base central a “cachoeira” existente no rio que divide a área. Por aí é fácil localizar que Piracicaba surgiria a partir do salto do rio Piracicaba. Mota, deixa clara a história, não ocupou a área da sesmaria, não a povoou nem praticou melhorias, sendo que a mesma retorna às mãos da capitania em 1726.

Os documentos sobre a história local são meras referências. Algumas curiosas e sem muitos detalhes. Um dos exemplos foi a grande chuva de pedras que caiu sobre a cidade em 18 de novembro de 1871.

A leitura era um item importante na rotina no século retrasado. Eram poucas as formas de entretenimento, de forma que uma biblioteca, denominada de gabinete de leitura, foi reaberta em 10 de novembro de 1882. Quem queria, podia ler. Não foi o caso do senhor José Antonio da Cruz, cujo falecimento foi anunciado no apanhado de curiosidades do Almanak de Piracicaba para 1900: “dia 4 de novembro de 1887 faleceu o antigo cego José Antonio da Cruz”. Será que ele voltou a enxergar em vida, ou por ter falecido recebeu a alcunha de ex ?

O 15 de novembro é um dos poucos feriados do calendário atual que proporciona uma emenda com o fim de semana. Mas em 1889 acaba o Império e passa a “reinar” a República. No dia 17 seguinte tomam posse de forma “unilateral” e por vontade própria Moraes Barros, Luiz de Queiroz e Paulo Pinto, assumindo a administração de nossa terra. Não houve eleição, nem plebiscito. Simplesmente o trio assumiu o poder sem mais nem menos. São auxiliados pelos vereados de então: João Nepomuceno Sousa, Barão de Rezende, João Manoel de Moraes Sampaio, Manoel da Costa Pedreira, José Carlos de Arruda Pinto e Francisco Florencio da Rocha.

Conturbada a República em seu início, Deodoro da Fonseca, empossado em 1889 presidente da República, passa o governo a Floriano Peixoto em 1891 e três anos depois ao ituano mais piracicabano que ninguém Prudente de Moraes. A busca pelo poder colocou em risco a vida de Prudente em novembro, no dia 1° de 1897, quando este sofre uma tentativa de homicídio, com uma garrucha que não disparou sendo que seu ministro marechal Machado Bittencourt interveio e foi apunhalado por diversos golpes, falecendo em decorrência da atrocidade. O Almanak de Piracicaba para 1900 diz que “alguns dos implicados, mais infelizes, ainda ahi passeiam, castigados pelo remorso, penitenciando-se aos bocadinhos; estes, si conseguiram escapar aos golpes da lei, mas não escaparão nunca à maldicção de povo, e ás tremendas acusações da própria consciência’.

Missão cumprida, Prudente de Moraes retorna a Piracicaba em 23 de novembro de 1898 deixando a presidência do país ao seu sucessor. Aqui aporta para dar sequência à sua vida como cidadão prestante. A recepção calorosa por parte da sociedade dura três dias e três noites com festas e muito falatório.

O Carmelo do Imaculado Coração de Maria e de São José, conhecido por Carmelitas, situa-se na rua José Ferraz de Camargo que faleceu em novembro de 1894, no dia 27. Nascido em Itu, veio a Piracicaba trabalhar no engenho do Monte Alegre. Enviuvou-se de quatro esposas e teve cerca de 40 filhos.

E assim foram poucos fatos sobre a história local no mês de novembro.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Tudo como era antes

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Tudo igualzinho como era antes. Claro que não exatamente como era antes. Vergonha. Promessa descartada. Crescimento pessoal fica para a próxima. Reerguer a cidade. Assim foi Piracicaba 92 anos atrás, ao término da Revolução Constitucionalista de 1932.

Jornais da época noticiam o retorno dos “voluntários de Piracicaba” que pegaram armas para evitar o avanço das forças federais. Armas por uma causa democrática ? Sim ! Afinal, paulistas queriam uma Constituição nova, com ares modernos, conforme Getúlio Vargas havia prometido em 1930 quando tomou posse. Aliás, este ar de nova constituinte já vinha de uma década antes.

Mas, São Paulo “perdeu”. Se rendeu em 2 de outubro para surpresa geral. Os jornais da época falavam que o Estado paulista estava vitorioso, que as mortes registradas até então tinham valido a pena pois a nova lei magna nacional estava surgindo. Ledo engano. Piracicabanos, assim como os demais paulistas, retornavam para casa, para seu lar, talvez conseguissem recolocação no mesmo posto de trabalho... “Teria valido a pena ?”, pensou aquele voluntário que foi se embrenhar nas trincheiras do norte do Estado pensando em conseguir um bom emprego como lhe haveria sido prometido. A cidade teve de se reconstruir. Não que tivesse sido bombardeada, mas a economia estava em frangalhos. A rotina teria que voltar imediatamente à normalidade depois de três meses de imprevistos sociais, econômicos, familiares ... de tudo que é tipo.

Piracicaba perdeu mais que dez filhos na Revolução de 1932. Foram poucos, podem pensar o nobre leitor. Mas, contesto. Foram muitos, pois a famílias despedaçadas sabem o quanto sofreram por suas mortes, perpetuadas por décadas pelos irmãos, filhos e parentes como um todo. Tudo isso sempre foi lembrado nas celebrações anuais do 9 de julho até o falecimento do último Voluntário de Piracicaba, Romeu Gomes, em 17 de junho de 2016, aos 100 anos de idade. Eram pessoas como ele que levantavam a bandeira de todo o entusiasmo que tiveram os piracicabanos que se envolveram com esta que foi a última insurreição armada em solo brasileiro. Falam de 600 ... 800 ... 2.500 envolvidos direta ou indiretamente. Apenas em nossa terra ... O número nunca foi e nunca será exato. Os filhos destes voluntários, como parte natural da vida, também estão indo embora. Torcemos para que tenhamos por aqui alguém que empunhe a bandeira para a celebração do centenário da Revolução Constitucionalista daqui oito anos.

À época, a cidade ainda chorava seus mortos como vemos neste relato: “Os denodados e valorosos voluntarios piracicabanos, que na cidade se encontra de regresso das linhas de fogo, cogitam de levar a effeito uma romaria aos túmulos onde descançam (sic) os seus irmãos de ideal, sacrificados na luta pela redempção do Brasil. Ideia elevada, que partiu de corações nobres, ella demonstra bem o sentimento de fraternidade que a todos irmanou quando da deflagração do movimento constitucionalista”. Jornal “O Momento” de 8 de outubro de 1932.

Jacob Diehl Neto, na Gazeta de Piracicaba, de 19 de outubro de 1932, relata seu desabafo: “Soldado raso do Primeiro Batalhão Piracicabano, que saiu desta cidade em 16 de Julho, como soldado entrei para as trincheiras (...) ao lado de tantos outros bravos camaradas, que me orgulho de haver acompanhado, em Palmeiras, Santa Rita, Tres Pontes, Batalhão, Bocaina, Quebra-Cangalhas e Cóta Queimada, até 24 de Setembro, data em que a minha claudicante saúde, trabalhada por sessenta ásperos dias de campana, pelos meus quarenta e dois annos de edade e pelas ultimas chuvas, me forçou a depor o fuzil e regressar para casa.

(...) Essas Companhias chegaram a Areias altas horas da noite, em caminhões, e os seus soldados tiveram de dormir ao léo... Lembro-me de ter visto o sargento Jones na calçada, o prof. Antonio Oswaldo Ferraz num caminhão, o meu filho numa casa paupérrima e abandonada, estendido no soalho. Depois de muito vagar, achei pouso na sala do jury... No dia seguinte, num rancho commum para os soldados sem transito, tomámos uma caneca de café e recebemos um pão minúsculo. Logo entrámos em fórma, ouvimos algumas palavras do Cel. Andrade e, separados em grupos de vinte ou tinta, sem que pudéssemos ao menos abraçar, e sem almoço, tocámos para as linhas de foto – uns para Palmeiras, outros para Santa Rita, outros mais para Barreiros, outros ainda não sei onde ...”. E, assim, voltamos à normalidade em terras piracicabanas.


domingo, 3 de novembro de 2024

Relou uin

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Edgard tinha um corvo de estimação. Não urubu, mas estes corvos que vimos em “Os pássaros”, de Alfred Hitchcock. Empoleirado, o corvo passa o dia na sala com seu tutor. Este, por sua vez, era avesso às modernidades tecnológicas e adorava ler.

Foi à estante e procurou por livros temáticos para comemorar o tal de Halloween. “Engraçado – pensou ele – na minha infância, os professores falavam sobre personagens folclóricos como o Saci Pererê, a Mula Sem Cabeça, e hoje a molecada endeusa folclores americanizados como Jack O’Lantern (o cabeça de abóbora), Jason, zumbis e toda esta parafernália que, Made in China, vem abarrotar as lojas de departamentos já a várias semanas”, pensa.

É a vida. É o avançar dela. É a evolução social. Mas, adepto às boas publicações em papel, Edgard pegou livros para a semana. Hoje, “A queda da casa de Usher”. Amanhã, uma coletânea do seu xará Edgard Alan Poe. Opa ! Mas a consciência pesa ! Falando na cultura anglo saxã, lembra que o Brasil também teve grandes expoentes na escrita fantasmagórica. Lá se vão os contos clássicos de Álvares de Azevedo, Machado de Assis (sim ! ele escreveu contos de terror), mais e mais. Chatos prá caramba ! Escritos numa época em que a interpretação de texto exigia grande conhecimento cultural, essas escritas brasileiras se tornam enfadonhas. Mas o talento de seus autores é incontestável.

Edgard não se esquece que na prateleira tem coleções de quadrinhos lançados na época ou reedições atuais. Depara com obras de Rubens Luchetti, Flavio Colin, Júlio Shimamoto, ou coletâneas dos anos 1960 e 1970 como Clássicos do Terror. Poxa ! Como os brasileiros desenharam bem, numa época em que os quadrinhos eram artesanais e feitos a nanquim ! Os traços são perfeitos. Verdadeiras obras de arte.


Edgard, não muito chegado à tecnologia e à cultura propagada hoje por estadounidenses, pensa em chamar seus amigos para um chá da tarde, lembrando de Peter, Vicent e Christopher. Antes, porém, liga a TV e acessa seus aplicativos preferidos: Oldflix e Darkflix. Poxa ! Estão com promoção pelo dia das bruxas, com programação de clássicos. “Ah ! Mas ainda dá tempo de ir no Oxxo da esquina e pegar um muffin e um café expresso”, pensa.

Edgard sai rapidamente com sua “roupa de mendigo” – passa o dia de pijama, já que mora sozinho –, volta com seu bolinho de chocolate e café em copo de papel. A TV estava ligada e ele começa a zapear o controle remoto. Opa ! Este vai para os favoritos. Aquele outro também. Adorava produções da Hammer e Amicus, britânicas que deram os melhores clássicos de terror nos anos 1960. Lembra do brasileiro José Mojica Marins, o “Zé do Caixão” ou Joe Coffin como rotularam os americanos, mas a produção britânica lhe distrai a atenção. Também, pudera ! Passam pela tela obras de Edgard Alan Poe, Nataniel Howthorne, além de faces conhecidas do grande público como Peter Cushing, Vincent Price, Cristopher Lee. “Que legal ! Até Roger Corman está na lista”, falou alto, quase respingando café pelo chão.

A hora passa, o dia das bruxas está quase no fim. Zapeia daqui, zapeia dali ... Tanta opção e nenhuma escolha. Muita informação. Eis que Edgard dorme, derruba o café no chão, sem perceber, e o muffin ficaria para o dia seguinte, duro, claro. Assim foi uma tentativa fracassada de curtir uma noite de “relou uin”. Nem teve pesadelo por assistir ou ler algo pesado. O sono venceu.