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domingo, 3 de novembro de 2024

Relou uin

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Edgard tinha um corvo de estimação. Não urubu, mas estes corvos que vimos em “Os pássaros”, de Alfred Hitchcock. Empoleirado, o corvo passa o dia na sala com seu tutor. Este, por sua vez, era avesso às modernidades tecnológicas e adorava ler.

Foi à estante e procurou por livros temáticos para comemorar o tal de Halloween. “Engraçado – pensou ele – na minha infância, os professores falavam sobre personagens folclóricos como o Saci Pererê, a Mula Sem Cabeça, e hoje a molecada endeusa folclores americanizados como Jack O’Lantern (o cabeça de abóbora), Jason, zumbis e toda esta parafernália que, Made in China, vem abarrotar as lojas de departamentos já a várias semanas”, pensa.

É a vida. É o avançar dela. É a evolução social. Mas, adepto às boas publicações em papel, Edgard pegou livros para a semana. Hoje, “A queda da casa de Usher”. Amanhã, uma coletânea do seu xará Edgard Alan Poe. Opa ! Mas a consciência pesa ! Falando na cultura anglo saxã, lembra que o Brasil também teve grandes expoentes na escrita fantasmagórica. Lá se vão os contos clássicos de Álvares de Azevedo, Machado de Assis (sim ! ele escreveu contos de terror), mais e mais. Chatos prá caramba ! Escritos numa época em que a interpretação de texto exigia grande conhecimento cultural, essas escritas brasileiras se tornam enfadonhas. Mas o talento de seus autores é incontestável.

Edgard não se esquece que na prateleira tem coleções de quadrinhos lançados na época ou reedições atuais. Depara com obras de Rubens Luchetti, Flavio Colin, Júlio Shimamoto, ou coletâneas dos anos 1960 e 1970 como Clássicos do Terror. Poxa ! Como os brasileiros desenharam bem, numa época em que os quadrinhos eram artesanais e feitos a nanquim ! Os traços são perfeitos. Verdadeiras obras de arte.


Edgard, não muito chegado à tecnologia e à cultura propagada hoje por estadounidenses, pensa em chamar seus amigos para um chá da tarde, lembrando de Peter, Vicent e Christopher. Antes, porém, liga a TV e acessa seus aplicativos preferidos: Oldflix e Darkflix. Poxa ! Estão com promoção pelo dia das bruxas, com programação de clássicos. “Ah ! Mas ainda dá tempo de ir no Oxxo da esquina e pegar um muffin e um café expresso”, pensa.

Edgard sai rapidamente com sua “roupa de mendigo” – passa o dia de pijama, já que mora sozinho –, volta com seu bolinho de chocolate e café em copo de papel. A TV estava ligada e ele começa a zapear o controle remoto. Opa ! Este vai para os favoritos. Aquele outro também. Adorava produções da Hammer e Amicus, britânicas que deram os melhores clássicos de terror nos anos 1960. Lembra do brasileiro José Mojica Marins, o “Zé do Caixão” ou Joe Coffin como rotularam os americanos, mas a produção britânica lhe distrai a atenção. Também, pudera ! Passam pela tela obras de Edgard Alan Poe, Nataniel Howthorne, além de faces conhecidas do grande público como Peter Cushing, Vincent Price, Cristopher Lee. “Que legal ! Até Roger Corman está na lista”, falou alto, quase respingando café pelo chão.

A hora passa, o dia das bruxas está quase no fim. Zapeia daqui, zapeia dali ... Tanta opção e nenhuma escolha. Muita informação. Eis que Edgard dorme, derruba o café no chão, sem perceber, e o muffin ficaria para o dia seguinte, duro, claro. Assim foi uma tentativa fracassada de curtir uma noite de “relou uin”. Nem teve pesadelo por assistir ou ler algo pesado. O sono venceu.  


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