Páginas

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Correções históricas

Importante contribuição que recebi do advogado Antonio F. de Moura Andrade após a publicação da matérias "Reinações de Lobato em Araquá". Vale registrá-la e também lê-la pelo seu alto conteúdo histórico.

Ilmo. Sr.
Jornalista EDSON RONTANI JÚNIOR
PIRACICABA

Prezado Sr. Edson,

            Agradecendo sua gentileza de me mandar seu trabalho “Reinações de Monteiro Lobato em Araquá”, tomo a liberdade de fazer os seguintes comentários:

1.)        Monteiro Lobato pesquisou petróleo na divisa norte do município de São Pedro, perto de Charqueada (ou Xarqueada), e não onde hoje existe Águas de São Pedro; a fazenda de Ângelo Franzim era uma pequena parte da área da atual Estância, que compreende também diversas outras propriedades compradas por meu Pai para a implantação dessa nova cidade;

2.)        onde hoje existe Águas de São Pedro, antigo bairro do Querozene no município de São Pedro, as pesquisas foram feitas pelo Serviço Geológico da Secretaria de Agricultura do Governo do Estado de São Paulo – governador Júlio Prestes e secretário da Agricultura Dr. Fernando Costa – e pela iniciativa privada representada pelo italiano Ângelo Ballone (que perfurou os poços Balone I e Balone II, este que atingiu 1.615 metros de profundidade, sem encontrar petróleo – é onde ainda hoje existe a torre de perfuração aqui em Águas de São Pedro);

3.)        assim, creio que os poços “Querozene”, “Franzim”, “Giocondo”, “Tuncum” e “Graminha” não foram perfurados pelo Monteiro Lobato, pois, como disse acima, ele não perfurou nas proximidades do local onde hoje (desde 1.940) existe Águas de São Pedro;

4.)        As águas minerais jorram dos poços identificados e registrados pelos nºs 22 (água Almeida Salles), 55 (fonte Juventude – água sulfurosa) e 112 (fonte Gioconda); cada uma dessas águas tem características químicas próprias, sendo que somente a água da Fonte Juventude é que contém enxofre; nas outras, o elemento químico preponderante é o bicarbonato de sódio (Fonte Almeida Salles) e sulfato de sódio (Fonte Gioconda);

5.)        Águas de São Pedro começou a ser planejada em 1.935, depois que meu pai, Octavio Moura Andrade, constituiu a empresa “Águas Sulfídricas e Termais de São Pedro S/A” para construir a estância; a primeira providência foi fazer analise das três águas minerais – cuja composição química era desconhecia até então – pelo IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas (hoje USP), na época anexo da Escola Politécnica, cujos resultados finais, pela abrangência e seriedade das análises, foram publicados em outubro de 1.940 (Boletim nº 26 do IPT);

6.)        entretanto, confiando na alta mineralização das águas, iniciou a compra da área necessária para a implantação da nova cidade – tendo comprado 650 alqueires ou 1.600 hectares – reunindo em uma única propriedade as três fontes de água mineral existentes no município de São Pedro – e contratou o engenheiro urbanista Jorge de Macedo Vieira para projetar uma nova cidade, voltada exclusivamente para o turismo da saúde; o saneamento da Estância foi confiado ao Escritório Técnico Saturnino de Brito, do Rio de Janeiro;

7.)        além de implantar a infra-estrutura urbana da nova cidade – ruas, sistema de água potável (desde a represa de captação, estação de recalque, linhas de adução, estação de tratamento de água, reservatório com capacidade de 600.000 litros de água tratada para a cidade por existir ainda), rede de esgoto sanitário, redes elétricas, reflorestamento, parques, jardins, canais de saneamento, galerias de águas pluviais, enfim, toda a estrutura que uma cidade de cura e laser exige para atender ao mais exigente hóspede - meu pai inaugurou, a 25 de julho de 1.940, o Grande Hotel São Pedro, hoje escola do Senac; por isso é que 25 de julho de 1.940 é a data da fundação de Águas de São Pedro, pois tudo o que havia antes (entre 1.936 e 1.940) era apenas os preparativos (ou canteiro de obras) para a nova estância paulista; e, anteriormente, apenas algumas fazendas decadentes, pela derrocada do café;

8.)        evidentemente a parte médica foi o grande foco da obra; assim, com os primeiros resultados fornecidos pelo IPT, já em 1.936, meu pai submete à apreciação do Prof. Dr. João de Aguiar Pupo, então Diretor da Faculdade de Medicina de São Paulo (hoje USP), dermatologista de renome internacional, que elabora minucioso programa e indicações de uso das três águas minerais aqui existentes, cada uma com característica própria;

9.)        os primeiros poços de pesquisa de petróleo, até onde eu tenho notícias – é interessante visitar o Museu de Geologia que existe (ou existia) no Parque Fernando Costa (Água Branca) em São Paulo – foram abertos em 1.892 (+) no município de Bofete; no município de São Pedro, até onde eu tenho documentos, as pesquisas foram feitas no início da década de 20 de século passado (+ 1.921 a 1.926);

10)       meu Pai contava que, quando iniciou as obras da construção da estância e do Grande Hotel (em 1.937 / 1.938) Ângelo Balone estava muito doente e com sua estrutura semi-paralizada, não dispondo mais de capital para continuar as perfurações; já havia atingido a maior profundidade da época, 1.615 metros, e encontrado apenas pequeníssimas manchas de óleo, nada que denunciasse possibilidade comercial;

11)       não tenho notícia ou registro dessa visita dos acionistas da Companhia Petróleo Nacional a São Pedro, em 1.933; meu Pai, advogado e exportador de café, morador em Santos, veio a São Pedro pela primeira vez em 1.934 e nunca se referiu a essa visita, que pelos números de seu trabalho teria sido muito importante para a cidade de São Pedro; igualmente me parece que o trem da Sorocabana, que levava 2 horas e 45 minutos para ligar Piracicaba a São Pedro não dispunha de acomodação para tantos passageiros; por isso, sugiro que confirme bem essa informação e se na realidade a visita não foi feita via Rio Claro – trem da Cia. Paulista de Estrada de Ferro – e o objetivo da visita tenha sido Charqueada;

12)       a fama de Águas de São Pedro é decorrente não do período da pesquisa de petróleo mas sim da grande divulgação das virtudes terapêuticas das nossas água minerais, feitas por meu Pai a partir da inauguração do Grande Hotel (1.940), bem como pela excelência das acomodações e tratamento hoteleiro oferecidos tanto por este hotel como pelos demais – Avenida e Santo Antonio, também construídos por ele – e a qualidade dos serviços de infra-estrutura urbana (água, esgoto, luz, saneamento, projeto urbanístico, etc.), que acabaram com fazer de Águas de São Pedro a cidade brasileira com melhor IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil, segundo pesquisa patrocinada pela ONU;

13)       lamento contrariar seu escrito; entretanto tenho aqui o livro “Boletim nº 22 – Petroleum Geology of the State of São Paulo, Brasil”, editado em 1.930, organizado por Chester W. Washburne, “with a geological map of the State of S. Paulo, by Commissão Geographica e Geológica do Estado de São Paulo”, inclusive com mapa mostrado os poços feitos no município de São Pedro, com a precisa indicação da Fazenda Franzim, o que me dá muita segurança para afirmar que Monteiro Lobato não perfurou onde hoje existe Águas de São Pedro. E que as obras e demais ações de meu Pai, Octavio Moura Andrade, na concepção, fundação e desenvolvimento da Estância, deixa claro que Águas de São Pedro existe e é conhecida a partir dessa sua atividade no sentido de transformar um elemento existente na natureza – águas minerais desconhecidas num local inóspito – em produto acessível e confiável como elemento de recuperação de saúde, em local dotado de moderna infra-estrutura hoteleira e urbana;

14)       como uma última observação: as sondas mais antigas, marca/modêlo “Keystone 45”, como a que existe até hoje aqui em Águas de São Pedro, eram de percussão, não rotativas, o que limitava muito sua eficácia, sendo que, segundo tenho notícia, a capacidade de perfuração era ao redor de 400 a 500 metros de profundidade; daí os primeiros poços dificilmente irem além dessa profundidade; Ângelo Ballone conseguiu adaptar a sonda que usava e chegar aos 1.615 metros, verdadeiro recorde na época.

            Estou à sua disposição para qualquer outro esclarecimento e para mostrar estes e outros elementos que disponho sobre o assunto. Entretanto, devemos fazer justiça histórica aos pioneiros, como Ângelo Ballone – engenheiro italiano que perdeu sua saúde e fortuna aqui em São Pedro em busca do sonho de achar o “ouro negro” – e brasileiros ou não, como os engenheiros Eugênio Bourdot Dutra, Gerson de Faria Alvim, Chester W. Washburne e outros que foram também pioneiros nesse sonho.

            Cordialmente,

Antonio F. de Moura Andrade

Nenhum comentário: