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sábado, 19 de agosto de 2017

“Os três garimpeiros” - revisão de uma leitura

* por Edson Rontani Júnior


   Jacarés infestando o Rio Piracicaba, índios Tupis se atracando com os moradores ribeirinhos de Piracicaba, jagunços no Porto João Alfredo (atual bairro de Ártemis) e a Rua do Porto como centro regional de compra e venda de ouro. Assim era Piracicaba no ano de 1868. Se isso não ocorreu na vida real, ao menos aconteceu no filme “Os Três Garimpeiros”, aventura de época filmada em Piracicaba em 1954 pelo diretor italiano Gianni Pons (em seu segundo filme brasileiro) através da Fama Film e da Produtores Independentes Ltda. A filmagem, ousada para a época, trazia astros de “O Cangaceiro” rodado dois anos antes e um dos poucos filmes pelo qual o Brasil ainda é conhecido internacionalmente, principalmente por ter recebido o prêmio de melhor filme de aventura no Festival de Cinema de Cannes.
   A sociedade parou para acompanhar os atores e as filmagens. “Piracicaba tinha, e ainda possui, paisagens exuberantes para uma produção cinematográfica, conta Gregório Marchiori Netto, advogado e figurante da fita. À isto aliava-se o crescimento industrial que a cidade apresentava além de ser um grande centro exibidor de filmes para cinema, possuindo na época de seis a oito salas. Por três meses, a produção foi o assunto nas rodas de conversa principalmente por trazer artistas como Alberto Ruschel, Milton Ribeiro, Adoniran Barbosa (estes três presentes em “O Cangaceiro”), Aurora Duarte e Hélio Souto (que décadas depois tornou-se conhecido pelas novelas da Rede Globo como “Locomotivas” e “Guerra dos Sexos”). O filme tinha tudo para dar certo. Elenco afinado, boa música (de Enrico Simonetti com canções de Tito Madi e Erlon Chaves), cenários naturais de grande beleza.


   Os jovens corriam para assistir às filmagens e muitos até trabalharam de graça como figurantes. Ainda hoje é comum ver uma família citar que conhece alguém que tenha feito parte dos quase 100 figurantes desta produção. O cinema era a diversão da grande massa na época junto ao rádio. A tv, lançada dois anos antes, ainda era novidade. Entre estes figurantes, alguns ainda estão vivos e destacaram-se não pela arte cinematográfica mas sim por outras atividades como Brás Salles (sindicalista), Gregório Marchiori (advogado), José Cantarelli (fotógrafo, cujo nome é citado por este filme no Institute Movie Database), João Chaddad  (arquiteto e vice-prefeito) e Francisco Andia (assistente de direção que depois fundou a Águia Filmes e teve uma rede de cinemas na cidade), entre tantos outros.


A atriz Luana Marcial

   O diretor Gianni Pons queria realizar muitas cenas externas como forma de economizar cenário e Piracicaba oferecia isso. A produção e o elenco rodaram cenas nas beiras do rio Piracicaba, no Engenho Central, na Chácara Nazareth e na Usina Monte Alegre. Artistas se hospedaram no Grande Hotel (Boa Morte com Dom Pedro II, onde se encontra o Edifício José Antonio Orsini).
   “Os Três Garimpeiros” foi um dos oito filmes rodados no Brasil em 1954, ano em que se criou o “Cinema Novo” com “Rio 40 Graus” de Nelson Pereira dos Santos. Naquele ano foram rodados também “A Carrocinha” com Mazzaropi além de obras de Adhemar Gonzaga, Watson Macedo e Carlos Hugo Christensen, ícones do cinema nacional.
   Três meses de filmagem renderam 80 minutos de filme e histórias que as gerações ainda contam. O filme nunca mais foi visto no cinema, tv ou em vhs ou dvd.


   A história seguia argumento de Teophilo G. P. Andrade e se passa na segunda metade do século XIX, quando estava em andamento da Guerra do Paraguai. O império se vê acuado quando seu exército fica sem munição e armamento. O ouro-de-lei é a moeda para os traficantes de armas. Aí surge a busca pelos “três garimpeiros” através de uma missão do exército que pretende negociar a compra de ouro e adquirir os armamentos.
   A atração durante as filmagens era a de ver ao vivo os galãs do cinema andando pelas ruas de Piracicaba. Cruzava-se nas ruas com Alberto Ruschel (tenente Alberto Prado), Aurora Duarte (como Branca), Milton Ribeiro (Gerônimo), Hélio Souto (Português), além de um grupo de apoio formado por Ricardo Campos (Delegado), Caetano Gherardi (Caetano), Tito Livio Baccarin (Hans), Uriel César, Demétrio Age, Paulo Aliberti, Lia Cortese, Alfred Simoney e os Índios Tapuias, grupo indígena que se apresentava em circos.


   Hélio Souto, numa das festas da Usina Monte Alegre, conheceu Maria Helena Morganti, filha do comendador Pedro Morganti, motivando um casamento que durou 22 anos. Milton Ribeiro, que especializou-se em papéis de jagunços ou cangaceiros, ou “a maldade em pessoa”, era o antônimo na vida real. Estiloso, educado, podia ser visto andando sozinho na Praça José Bonifácio, point dos jovens na época. “Encontrei-me, junto a dois amigos, com ele andando pela rua Alferes José Caetano, em frente aonde hoje está a Câmara Municipal – diz Gregório Marchiori – e por vinte minutos falamos sobre a vida e sobre cinema; era uma pessoa muito afável”. Foi um período irregular do ator falecido aos 50 anos. Conseguiu sucesso internacional com "O Cangaceiro”, em seguida fez “Os Três Garimpeiros” - que caiu no esquecimento - e, um ano depois, participou de ‘Três Destinos”, por ironia, nunca concluído.
   “Para muitos piracicabanos, foi a glória na grande tela”, diz Gregório Marchiori Netto, que desde criança tinha como heróis os cowboys eternizados no cinema como Rocky Lane, Bill Elliot e Roy Rogers. “Cheguei a ver ‘Os Três Garimpeiros’ três vezes em sua exibição no Cine Politeama (na Praça José Bonifácio) e assisti-lo sossegado era impossível, pois toda Piracicaba queria ver alguém conhecido e a platéia, a todo momento, falava alto sobre este ou aquele personagem tipo ‘aquele de costas é fulano, aquele outro é beltrano’”.


   O diretor italiano Gianni Pons veio ao Brasil na época de criação da Cia. Vera Cruz, em São Paulo, a principal “importadora” de mão-de-obra para o cinema de então, como forma de concorrer com as produtoras cariocas. Ele tinha experiência como roteirista na Itália. Aurora Duarte lançou-se para o estrelato em 1952 quando Alberto Cavalcanti filmou em Pernambuco “O Canto do Mar”. Um ano depois mudou-se para São Paulo exclusivamente para fazer este “Os Três Garimpeiros”.
   Sua finalização quase não ocorreu por falta de recursos financeiros. Vários aluguéis sequer foram pagos. Carroças, cavalos e outros itens eram emprestados. Até o roteiro deve de ser alterado. Na sua montagem notaram-se erros de seqüência. Usou-se o que estava disponível. O romance entre Ruschel e Aurora acaba não se concretizando pois no final ele parte com o ouro e ela permanece no vilarejo.


   O ex-ministro Luís Carlos Bresser-Pereira, quando crítico de artes no jornal “O Tempo”, na edição de 9 de janeiro de 1955, classificou o filme como “péssimo caracterizado por aventuras de mau gosto”. Critica a falta de roteiro e as caretas de Ruschel e Aurora, sem contar a interpretação dos índios. Em seu ponto de vista, faltou critério pois quase todos os figurantes eram mortos na trama, o que segundo ele “é tratar morte e a impiedade de forma boçal, pornográfica, profundamente irritante”. 



    Assim como existe aquela pessoa que sabe de alguém que participou do filme, existe também aquela que sabe dos erros nele contido. Marchiori diz que a produção pode ser considerada um “filme b” ou um “trash-movie”, como eram conhecidos os filmes norte-americanas sem muito recurso financeiros e pouco cenário. São vários erros históricos ou seqüenciais quem nem mesmo a presença do elenco estelar conseguiu desviar a atenção. Numa cena de incêndio, um dos figurantes pega uma lata estampando a marca Querosene Jacaré - lançado pela Esso nos anos de 1950. Em outra cena, dois cavalos pretos andam pela paisagem e de repente de outro ângulo se transformam em brancos. Em época de bacamartes e garruchas de cano comprido, um dos atores pega uma pistola que só passou a ser fabricada no início do século XX. Existe também aquele personagem que após quase se afogar no rio deita-se na beira e pede água ou ainda um figurante com cabelo cortado e com brilhantina. Para um filme de época, isso é um erro grave. Se realidade ou folclore, não se tem certeza. Mas, desde que, em “O Manto Sagrado”, Jesus Cristo foi auxiliado por um cidadão que portava um relógio de pulso, tudo é valido.








6 comentários:

BlogdoEdison disse...

Histórias como essa não são contadas nas escolas mas deveriam ser divulgadas por outros meios. Parabéns pela publicação.

Roberto Antonio Cera disse...

Eu tinha 14 anos quando o filme foi rodado aqui. Cheguei a ver pessoalmente Milton Ribeiro, então uma figura máscula como no filme Os Cangaceiros. Em 1962 fui trabalhar em São paulo e não perdia nenhuma apresentação dos Teatros de Revista, já em fase decadente. Na frente do Teatro Natal, vi de novo Milton Ribeiro, então cheio de tiques afeminados, até com a voz diferente. Não acreditava no que via...

Érika Bonato disse...

Uauuuuuuuuuuuuuu! Eu já havia ouvido falar dessa filmagem em Piracicaba, mas lendo melhor a história desse filme é muito mais interessante. Parabéns, Edson pela matéria!

No Limiar de Uma Nova Era disse...

Nunca havia ouvido falar desse filme. Gostei bastante do texto que nos leva a imaginar as cenas.
Abraços.
Celso Ghelardino Gutierre

Edson Rontani Júnior disse...

Obrigado pelos comentários, pessoal. Cera - fico imaginando ... um galã do cinema com tons conforme você descreveu. Deve ter sido hilário.

Anônimo disse...

Quem tem cópia desse filme Os 3 Garimpeiros entre em contato comigo,coleciono cinema antigo e ando a procura do mesmO.

SDS.jOSÉ RIBEIRO EMAIL JOJARIB@YAHOO.COM.BR