Edson Rontani Júnior, jornalista, vice-presidente do IHGP e diretor da Academia Piracicabana de Letras
“No
meio do caminho tinha um livro ... Tinha um livro no meio do caminho”...
Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, que encontrou uma pedra no meio de
seu percurso, me lembro como descobri o gosto pela leitura. Aliás, Drummond foi
um dos responsáveis por isso.
Época
em que crônicas eram consideradas rasas, sem aprofundamento. Eram histórias
curtas que mexiam com nossa imaginação, tamanha criatividade de seu autor. Foi quando
perdurou o bordão “inteligência de gibi”, taxando de forma pejorativa quem não
lia livro, mas sim quadrinhos. Ledo engano... Hoje, gibi é artigo de luxo. Já
parou para ver quanto custam ?
Lá
pelos idos da segunda metade da década de 1970, o ensino fundamental recebeu
orientação de iniciar crianças à leitura com uma série lançada pela Editora
Ática, denominada “Para Gostar de Ler”. Livro fino, bem simples, cada volume
era aguardado pelos professores que faziam provas com base nas crônicas
escritas por estrelas da literatura brasileira como Drummond, Rubem Braga,
Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Mário Quintana, Vinícius de Moraes,
Loureço Diaféria, Luís Fernando Veríssimo, Lima Barreto, Clarice Lispector,
Ignácio de Loyola Brandão, Mário de Andrade, Lygia Fagundes Telles e tantos
outros. A nata da escrita brasileira ! Foram dezenas e dezenas de expoentes.
Com
mais de 100 mil exemplares por edição, “Para Gostar de Ler” teve quase 50
edições. Todas bem trabalhadas. Crônicas selecionadas de forma cuidadosa.
Coletânea de ouro ! O objetivo não era ensinar gramática, e sim iniciar os
jovens leitores à escrita de qualidade.
Confesso
eu que não era muito afável à leitura na infância, mas este impulso me fez
tornar jornalista, historiador e escritor. Claro que houve aí mãos dos
professores Orlando Veneziano, Conceição Brasil e Francislídio Beduschi,
grandes estimuladores do pensamento aos quais dou hoje “a mão à palmatória”.
Foram mestres que todo pupilo esperava ter.
Tudo
isso me veio à lembrança depois de tomar conhecimento do lançamento em outubro
do livro “Os Sabiás da Crônica”, Editora Autêntica, reunindo 90 textos de Rubem
Braga, Vinícius de Moraes, Fernando Sabino, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte
Preta), Carlinhos de Oliveira e Paulo Mendes de Campos. Boa parte, senão todos,
desconhecidos da geração que se informa pelas mídias digitais ou cria dancinhas
medíocres diante do Tik Tok. Por que este relançamento ? Para atingir um
público como eu, com ar de nostalgia, que esperará pela black friday para ver
seu preço baixar e comprar por uma plataforma digital a versão impressa – é
lógico ! -, e ter acesso ao pensamento atemporal de personalidades que em muito
contribuíram para nossa literatura.
Em
época na qual a informação está mais rasa, consumida através de postagens em
mídias digitais, além dos pontos de vida díspares, a leitura continua sendo uma
ferramenta de empoderamento. “Veja” da semana passada traz um embate dos
cientistas que combateram o coronavírus e sofreram ameaça por pessoas que negam
a aplicação da vacina e testagem em seres humanos. Todos os cientistas ouvidos
pregam a leitura e o conhecimento como fator elucidativo diante de pré
conceitos sem fundamentos. É óbvio...
Já
a pesquisa recentemente divulgada, conduzida por cientistas da Noruega e da
França, o bom e velho papel representa maior retenção da mensagem no cérebro
humano, se comparado com e-readers, tablet, PC ou smartphone. O impresso mexe
com o senso cognitivo, proporcionando sequências lógicas fornecidas por dicas
motoras, sensitivas e de raciocínio. Porém, o que vemos hoje ? Confiança no
digital, leitura rápida e o “eu sei tudo”... Que tipo de leitor e escritor
estão sendo preparados para o futuro ?
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