Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Piracicaba nunca esqueceu. Mas talvez nem sem lembre. Foi numa sessão, talvez a tarde, do Cine Politeama, na praça José Bonifácio, situado onde está hoje o Itaú e o estacionamento do Bradesco. Pode ter sido nos anos 1940 ou nos anos 50. Alguns agricolões resolvem fazer uma aposta e tumultuar uma das sessões. Colocam um urubu vivo numa sacola, compram ingressos para o cinema e entram com a ave. Em determinado momento, tal ave é solta e começa a voar pelo no alto do cinema. Ninguém entendeu nada. Mulheres se apavoraram. O filme foi interrompido e o urubu foi resgatado atrás da tela, assustado. Não sei como foi, só sei que foi assim. Assim ouvi de meu pai e meu tio e recentemente a lembrança foi ativada com a professora Marly Therezinha Germano Perecin, minha “ídala”, numa conversa informal, a qual disse lembrar da situação contada por seu pai.
Pira
nunca esqueceu que até os anos 1950 ou 1960 era obrigatório ir ao cinema com
terno e gravata, para os homens, lógico, e roupa longa ou extremamente social
para as mulheres. Se não estivesse assim, não entrava.
Pira
talvez não se lembre, mas nunca esqueci quando fui assistir à uma reprise de
“Sansão e Dalila” no mesmo Politeama, na segunda metade dos anos 1970. É
exatamente aquele clássico de 1949 com Hedy Lamar e Victor Mature. Nos anos 70,
a censura era ferrenha e novos filmes raramente eram exibidos, abrindo chances
para incansáveis reprises. Eu tinha entre oito e nove anos. Fui acompanhado de
meu irmão mais velho. Voltamos para casa sem ver o filme. O bilheteiro disse
que crianças menores de idade – eu – não poderiam ver o filme. Uma clássico !
Um filme bíblico ! Descomunal, isso !!! Anos mais tarde, fique sabendo que,
durante seu lançamento nos anos 1940, Groucho Marx teria comentado que era o
primeiro filme em que havia visto o mocinho (Mature) ter mais peito que a
mocinha (Hedy Lamar). Tolerância zero para a falta de pudor. Lastimável. Nem o
valor do ingresso foi devolvido.
Pira
não esqueceu quando Grande Otelo fugiu do hospital para participar da
inauguração do Cine Arte no Teatro Losso Netto. Dizem que isso é lenda. Ele não
estava no hospital. Mas importa é que ele veio, para abrir as portas de uma das
– senão a única – cinematecas da cidade.
Pira
nunca esqueceu dos cinemas itinerantes exibidos de forma arcaica em circos como
o Piranha ou o Veneno, ou ainda o cinema do Clube Atlético Piracicabano que,
nos anos 1980, atraia dezenas de pessoas na sede da entidade na avenida Barão
da Serra Negra, ao lado da praça da matriz da Vila Rezende.
Pira
nunca esqueceu a inauguração do Cine Tiffany, em 1981, na rua São José, com
noite de gala para assistir à cenas quentes de amor entre Brooke Shields e
Christopher Atkins em “A lagoa azul”. Ou ainda “Dirty Dancin’ – Ritmo Quente”
que ficou por longos três ou quatro meses no Cine Arte. Mesmo local desativado
depois de um enorme alagamento ocorrido durante exibição de “Titanic” !!!
Pira
pode esquecer, mas eu não. Do “Chico Andia” e seu pioneirismo com relação às
salas exibidoras, como o Rivoli, Colonial, Tiffany e o Plaza, no Edifício Luiz
de Queiroz, o Comurba, que ruiu 60 anos atrás, lembrados em novembro. Me lembro
bem no final dos anos 1980 de ir ao seu escritório no Edifício Sisal Center
retirar press-releases e retirar convites para as críticas que eu publicava no
extinto “O Diário”. Era sempre bem recebido pela Edna e pela Ana Lúcia Santos.
Gente que mora no nosso coração.
Tudo
isso para parabenizar Dara Oliver pelo documentário “Pira nunca esqueceu”, ela
filha de Luiz Andia Filho e sobrinha de Francisco Andia. Quem assistiu à avant
premiere no Cine Araújo dia 21 de setembro, se emocionou ... chorou ... Cinemas
de rua viraram nostalgia e memória de muita gente. Parabéns, Dara. Seu trabalho
é um exemplo que deve ser seguido !
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