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quinta-feira, 1 de maio de 2025

Prensas

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Em busca de homens honestos, Diógenes saía pelas ruas empunhando uma lanterna. O filósofo grego viveu 400 anos antes de Cristo. Perambulava pelas e morava nas ruas. Suas ideias não eram bem aceitas pela sociedade, a qual considerava corrupta. A mesma o condenava ser lelé da cuca por procurar gente honesta, numa crítica aos regimes políticos.

A imprensa local também buscou encontrar os honestos. Porém, um dos jornais tendia no maior estilo non sense já visto em Piracicaba. Um jornal que tinha como redator responsável um tal de King Kong não era bem o que o leitor esperava e muito menos inspirava credibilidade. Mas assim foi o semanário “A Lanterna de Diógenes”, publicado no início dos anos 1930. O responsável era Ângelo Sangirardi, membro por quase duas décadas antes do Instituto Histórico de São Paulo. Este é um dos jornais que guardo a sete chaves, tendo-o recebido de meu pai. Nele estão exemplos esquecidos da grande imprensa, seja pela crítica feroz assim como o jornalismo sem qualquer pretensão informativa.

“A Lanterna” foi um jornal satírico ou como estampava sua capa “órgão de caráter piadístico e espinafrativo”. Sua organização era apresentada por pseudônimos como Conselheiro Espinafre ou o Espadachim das Arcadas. A crítica era ao jeito das pessoas e seus costumes citando nomes irreais mas que lembravam a sociedade como Sebastião Solene (para Sebastião Nogueira de Lima, delegado), Lauro Capilé (para Lauro Catulé de Almeida, professor e vereador), entre outros.

À época, a sociedade não entendia bem esse mise-en-cène das prensas locais. Mas a coisa pegou como sátira numa época de repressão pela Revolução de 1930 e logo em seguida pela censura imposta na Revolução Constitucionalista. Isso se torna evidente pois desfilavam pelas páginas da “Lanterna” patrocínios de empresa renomadas como A Porta Larga, Casa Pernambucanas, macarrão Aurora, Gatti Relojoaria e os advogados Jacob Diehl Netto e Moacir Amaral dos Santos (ministro do STF).

O estilo ácido e irônico era seguido através dos AlMANHAques (A Manha era uma corruptela do jornal A Manhã) do Barão de Itararé, o jornalista Apparício de Torelly que possuía uma tremenda criatividade numa época em que as prensas ainda viviam da linotipia e somente muitos anos depois renderam-se ao past-up. Um humor que nos anos 1980 foi sugado pela TV Pirata na Rede Globo e pelos jornais Casseta Popular e Diário Planeta, que se fundiram e na TV renderam o Casseta Planeta.

Mas as prensas locais tiveram muitos expoentes que são esquecidos dos estudos acadêmicos. Um destes foi João Gomes de Escobar que montou uma tipografia (Popular) na cidade na segunda metade do século 1800. Foi ele o autor do segundo jornal publicado na cidade intitulado “O Piracicaba” cuja primeira edição circulou em 1° e março de 1876. Ao contrário de “A Lanterna”, as produções de Escobar eram bem mais sérias. Ela professor e poeta e “agitador” social com ideias avançadas. “Palavras de Deus” foi outro jornal sob sua responsabilidade, servindo de porta voz para os protestantes locais. Também dirigiu “A Democracia” (1878), um libelo contra a monarquia e foi redator de “A Alvorada” (1880) com críticas à sociedade de então. 

Décadas depois, mais precisamente nos anos 1970 tivemos a revista Aldeia que, de forma suave, pretendia ser o Pasquim da terrinha. Muito bem feito e conduzido, merecedor de um destaque futuro. Com vida curta mas com marcas deixadas, O Jornal do Povo Piracicabano também contestava a sociedade e a política. Deixou uma história que nos faz repensar e reestudar as prensas locais.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 27 de abril de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 3 de maio de 2025)


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